agiotagem
paralisou o país
Entrevista com Ladislau Dowbor
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Em seu livro, o senhor fala do poder extremamente
concentrado dos grandes grupos corporativos, com uma gigantesca concentração da
riqueza no planeta e que opera por meio de mecanismos financeiros, o que
resultou também na captura do poder político por esse
reduzido grupo. Como chegamos a esse sistema de apropriação por uma minoria tão
reduzida sem as pessoas se darem conta disso?
As pessoas não entendem
mecanismos financeiros. Quando você compara em uma loja um produto com outro,
quando lhe oferecem uma prestação de R$ 69,99 e outra de R$ 79 ao mês, em geral
não se vê muita diferença. O cálculo atuarial não faz parte da nossa cultura e,
no sistema de educação brasileiro, nunca se teve uma aula sobre a moeda, que é
o principal estruturador da sociedade. Então, há um desconhecimento profundo
dos mecanismos financeiros.
Fazer aplicações financeiras
– comprar papéis, não se produzindo nada – rende em média, no mundo, 7% ao ano.
Sem esforço nenhum, apenas pagando uma pequena comissão a uma entidade de
intermediação, corretores financeiros, coisas do gênero. O progresso da
produção não é de 7% ao ano, só a China tem esse índice, mas, no mundo, esse
ritmo gira em torno de 2% a 2,5% ao ano. Ou seja, produzir rende muito menos do
que as aplicações financeiras.
Quem faz aplicações
financeiras são os ricos. As pessoas sequer sabem o que é ganhar 7% ao ano
sobre capital parado. Se você tem um bilhão de dólares e aplica a uma modesta
taxa de rendimento de 5% ao ano, ganha US$ 137 mil ao dia. Quando o bilionário
ganha US$ 137 mil por dia, isso entra na conta dele diariamente, e esse
dinheiro se incorpora aos 5% que estão rendendo. Vira uma bola de neve e você
passa ter uma massa de capitais improdutivos, imensa, que é drenada dos
processos produtivos pela razão de que esse tipo de dinheiro vai atrás de onde
pode render mais. Não só rende mais na aplicação financeira, como rende mais
sem precisar de esforço, obviamente isso acaba descapitalizando o setor
produtivo.
Ao mesmo tempo, tem-se o
aumento da desigualdade, porque o 1% ou um décimo de 1% enriquece de maneira
fenomenal, mas esse dinheiro não se reverte em investimento em bens e serviços.
Tem-se ao mesmo tempo o aumento de desigualdade e uma relativa estagnação
econômica.
Nesse sentido, é um capital improdutivo que está no
título do livro.
É um capitalismo, pelo menos
para as grandes corporações que dominam esses mecanismos financeiros, sem
risco.
Eles podem ter risco, mas o
capital tem risco quando a pessoa investe, faz um projeto de construção de
casas, por exemplo, investe efetivamente em produção. Quando tratamos dos
capitais improdutivos, não falamos em investimentos, mas sim de aplicações
financeiras.
O risco que existe, e forte,
é sistêmico, como aconteceu em 1929 e em 2008, e, provavelmente, vai se repetir
adiante. Porque, de tanto extrair capital do setor produtivo e atraí-lo para
processos especulativos, pode haver um colapso dos papéis por insuficiência de
base correspondente produtiva.
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A crise de 2008, por ter sido causada pela especulação
financeira, não foi uma oportunidade de se refletir sobre o capitalismo
financeiro? Perdemos essa oportunidade?
Está surgindo nos últimos
meses de 2017 um conjunto de estudos a respeito de como se perdeu a
oportunidade. A crise poderia ter gerado uma volta a certa regulação ao
ordenamento do sistema financeiro. O que aconteceu é que, de um lado, essa
bolha financeira gerada pelos grandes bancos teve seu buraco compensado com
dinheiro público – cerca de US$ 4 trilhões nos Estados Unidos e outros tantos
na Europa – que normalmente seriam destinados a investimentos em
infraestrutura, políticas sociais, saúde, educação e outras do gênero, mas foi
desviado para bancos. Esse cenário possibilitou a criação da política de
austeridade, que promove um empobrecimento da população em proveito dos bancos.
Nesse movimento se geraram
tensões políticas, mas apenas embriões de uma possível volta a uma política de
regulação. Nos Estados Unidos, se negociou a lei Dodd-Frank, que substitui a
lei que assegurou a estabilidade financeira durante 30 anos no pós-guerra, a
Glass Steagall. Logo no início da crise em 2008, se avançou com essa
regulamentação, e assim que os bancos voltaram a ter os bolsos cheios e a
situação se tranquilizou, com as populações aceitando a tal da austeridade,
começaram a liquidar a lei Dodd-Frank e se voltou ao sistema de caos financeiro
de hoje. Saiu essa semana um estudo sobre fraudes financeiras dos grandes
bancos, como as praticadas pelo Bank of America. As multas que eles têm que
pagar por fraudes e atos do gênero chegam a US$ 340 bilhões. Esse é o nível da
fraude. Estão se sentindo à vontade de novo, eles mesmos dizem: “happy days are
back”.
A Europa tentou um movimento
de regulação, mas não avançou, só um pouco na Inglaterra. Quanto ao Brasil, o
país já tinha liquidado a regulação financeira que estava no artigo 192 da
Constituição Federal de 1988 e limitava os juros e os processos especulativos.
Esse artigo foi liquidado por meio de uma PEC em 1999 e uma emenda
constitucional em 2003. Não se aproveitou a oportunidade de pôr ordem no
sistema.
Esse dado sobre as fraudes e as multas mostram que o
crime compensa, já que os ganhos continuam superiores às multas...
Não só compensa como gera um
poder suficientemente grande para que esses processos se tornem legais. Por
exemplo, de toda essa gente que criou esse caos a partir de 2008, ninguém foi
preso. Eles são fortes o bastante para criar um sistema jurídico paralelo, com
acordos pelos quais as empresas pagam uma multa para a qual já fizeram
provisão. Sabem que estão fazendo errado, pagam, mas não são obrigados a
reconhecer culpa. Ninguém é preso. Pagam a multa e continuam no mesmo processo.
No nível mundial, temos o Bank of America, o Deutsche Bank, o Barclays, Morgan,
todos os grandes bancos estão nesse processo. Eles têm força para dobrar a
legalidade.
O segundo eixo disso é que
nós temos cerca de 60 paraísos fiscais no planeta, e esses mesmos bancos têm um
mecanismo de transferência internacional, já que hoje não se carrega mais
notas, só sinais magnéticos. Então, quando você pega mais de 200 mil empresas
no Panamá... Como é que cabe? Você tem ilhas com mais empresas do que
habitantes.
Grande parte desses recursos
migra para os paraísos fiscais, hoje, em ordem de grandeza, são em torno de US$
21 a US$ 31 trilhões, dados de 2012, quando o PIB mundial era de US$ 73
trilhões. O resultado é que esses capitais que resultam das poupanças não são
reinvestidos para desenvolver o país, tampouco pagam impostos porque vão para
paraísos fiscais. E o dinheiro nem fica nos paraísos fiscais, continua nas mãos
do Bank of America, do Barclays etc., e segue rendendo para os diversos bancos.
É um sistema disfuncional.
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Nesse caso, de acordo com sua análise expressa no
livro, é preciso estabelecer uma governança global, já que cada país tem sua
política e é necessário controlar esse fluxo que hoje está sob domínio das
corporações.
Atualmente, os mecanismos
financeiros são variados, desde os chamados derivativos, que também são
chamados de transfer pricing, até o high frequency trading... Há um glossário
de termos dos diversos mecanismos utilizados.
Gosto de citar o exemplo da
Shell na Nigéria, porque é muito simples e faz as pessoas entenderem. O
petróleo extraído lá pertence ao país e o acordo que a Shell tem é pagar um
imposto sobre seus lucros. A companhia vende o petróleo extraído para uma
empresa laranja nas Ilhas Virgens Britânicas, a um preço muito barato, e o
lucro é muito pequeno com a transação. Em vista disso, não paga muito imposto
na Nigéria. Essa empresa laranja revende a preço cheio no mercado
internacional, tem um lucro fenomenal, e está numa ilha em que não se pagam
impostos.
O fato de se desviarem os
recursos financeiros da produção é um desastre econômico. Permitir que uma
imensa parte da população, apesar das novas tecnologias e do grande esforço de
trabalho, continue pobre, enquanto uma parcela mínima tem esse enriquecimento,
é um problema de justiça social, um problema ético. Mas quando as pessoas estão
vendo que não há retorno para elas, começa a gerar um caos político, não temos
mais no mundo pobres que apenas dizem “sim, senhor” e tudo bem. Por mais que se
construam muros entre os EUA e o México, entre palestinos e israelenses, ou se
coloquem mais bases militares no Mediterrâneo, o equilíbrio político entre as
regiões pobres do mundo e as ricas, e mesmo dentro desses países, não vai ser
restabelecido.
Os dois terços dos
norte-americanos que nos últimos 40 anos têm somente umas dezenas de dólares a
mais na sua renda não acreditam mais no sistema político, por isso votam no
Trump, como votariam em outro. Na França, nem os socialistas nem os
republicanos, que dividiam o poder desde sempre, chegaram ao segundo turno. Os
ingleses votarem de maneira idiota e irrefletida a favor do Brexit, a Polônia
volta a um regime fundamentalista e religioso, o caos em todo Oriente Médio...
É só olhar o mundo. Sem falar do Brasil, Venezuela, Argentina...
Se você rompe a lógica do
ciclo econômico, rompe o sentimento de justiça social, de ser remunerado quem
merece. É uma ruptura sistêmica. O dinheiro navega no planeta enquanto os
governos estão se fragmentando em 200 pontos de decisão diferentes, não há
sistema que funcione dessa maneira.
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Mas esse caos que fragiliza a democracia também não dá
chances para que o poder das corporações possa aumentar ainda mais?
Não tenho dúvida. E elas
estão se organizando. Veja como financiam as eleições, universidades, think
tanks, estão comprando até as revistas acadêmicas. Estão construindo a sua
legitimidade, pois estão articuladas a nível mundial, e os governos não.
Inclusive o sistema multinacional, representado pelas Nações Unidas, está sendo
capturado rapidamente pelas próprias corporações financeiras.
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O senhor falou dessa estratégia de captura e existe um
dado no livro sobre a força dos lobbies, citando o exemplo da Google, contando
hoje com oito empresas de lobby contratadas apenas na Europa, além de
financiamento direto de parlamentares e de membros da Comissão da União Europeia.
As somas são gigantescas. A
Google se dá ao luxo de contratar senadores norte-americanos para viajar a
Bruxelas e pressionar homens públicos europeus. Há uma estruturação de poder
global que, por sua vez, é dominado essencialmente por mecanismos financeiros.
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Nos EUA, o lobby é legalizado. Aqui, não é e acabou o
financiamento empresarial – embora seja provável que continue existindo o caixa
2 e outras formas de burlar essa proibição. Nesse processo com impeditivos do
ponto de vista formal, a importância da mídia tradicional aumenta ainda mais
nesse jogo da captura da política por esse poder financeiro-econômico?
Aqui a captura do poder se
deu de maneira extremamente ampla. Temos a presença das multinacionais, não sei
se você reparou, mas todas as multinacionais instaladas no Brasil financiam
políticos da mesma maneira que a Odebrecht e outras empresas nacionais, mas não
há uma só multinacional estrangeira mencionada nesse processo.
Os norte-americanos estão
intervindo pesadamente, porque têm interesse em desestabilizar o processo que
estava em curso na América Latina, mas, além da apropriação da mídia, há uma
tradicional penetração dos poderes econômicos no Judiciário. Curiosamente, o
conjunto das medidas tomadas agora, que são uma regressão para o Brasil, é ditado
por um presidente com 5% de apoio e um Congresso eleito por um sistema ilegal,
financiado por corporações.
Visto por outro ângulo, com o
presidente Lula e em determinado momento com a presidenta Dilma, um grupo tem a
presidência e diz-se que está no poder, mas ele tem que entregar uma série de
ministérios porque não tem maioria no parlamento. Tem apenas parte do
Executivo, não tem o Judiciário, o parlamento, nem a mídia.
Quem criou essa crise é quem
está no poder. Essas outras forças tiveram a capacidade de estrangular o que o
Banco Mundial chamou de “Década de Ouro”, quando o Brasil teve resultados
fantásticos.
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No livro o senhor fala dos quatro motores da economia
brasileira: as exportações, a demanda das famílias, as iniciativas empresariais
e as políticas públicas. Como o poder financeiro afetou esses motores e acabou
travando a economia?
É importante entender que a
gente sabe fazer funcionar a economia. Na Europa do pós-guerra houve a elevação
dos salários, fortes investimentos em políticas sociais e infraestrutura, forte
presença reguladora do Estado. A grande demanda por parte da população gerava
mercado para a produção crescente. E era uma política financiada em grande
parte pelo Estado, mas como existia um aumento da demanda, havia como consequência
um aumento de produção e os impostos indiretos tanto sobre o consumo quanto
sobre as empresas, e os diretos sobre a renda, passaram a alimentar o caixa
estatal para que se continuasse a financiar a dinamização da economia. Esse é o
caminho. Isso funcionou na crise de 1929 nos EUA, com o New Deal, funcionava na
Europa, com o Welfare State, que depois se chamou de social democracia, e
também na China, cuja economia tem a importância dos produtos importados, mas é
essencialmente o mercado interno que domina. Funcionou na Coreia e, agora, em
Portugal, que ao invés de austeridade, que na prática é tirar dinheiro dos
pobres para dar aos ricos, dinamiza a base de consumo da população, o principal
motor da economia.
Nós temos hoje um dado
mostrando que temos 61 milhões de adultos inadimplentes no Brasil, ou seja,
gente que não consegue nem pagar sua própria dívida, quem dirá consumir. Quando
se travou o consumo, travou-se também a produção das empresas. Vangloriam-se
que abaixaram a inflação, mas na verdade quebraram a economia. Travou-se a
produção e assim se gera desemprego, o que reduz mais ainda a capacidade de
consumo. O país entrou num processo descendente.
Com as empresas produzindo
menos e as pessoas consumindo menos, o governo arrecada menos com impostos.
Então, o governo que chegou ao poder em nome de restabelecer o equilíbrio
fiscal está aprofundando o contrário. Corta investimentos sociais e em
infraestrutura, mas, como paralisou a economia, isso faz entrar menos dinheiro
ainda. Reduziu os gastos, mas reduziu ainda mais as entradas. Isso é um crime
contra a teoria econômica.
Uma das principais críticas
no segundo mandato de Dilma se baseava no crescimento da relação entre dívida
pública e PIB, quase um fetiche entre economistas com viés liberal. Essa relação
caiu no governo Lula e, na crise econômica, voltou a subir. Mas entre o começo
do primeiro e o início do segundo governo FHC, essa relação dobrou...
O estoque de dívida do Japão
é de 250% do PIB. Isso não tira pedaço, o Japão está indo bem. Nos Estados
Unidos, é mais de 100%. O problema não é esse estoque – que é dinheiro das
pessoas que têm dinheiro e não da população em geral, dos bancos que têm o
nosso dinheiro. Compram títulos da dívida pública, tudo bem, só que no Brasil,
quando foi criado, em julho de 1996, o sistema de taxas elevadas de juros sobre
a dívida pública, permitiu-se aos bancos se financiarem aplicando em títulos em
vez de buscarem fomentar a economia. Naquela época o índice estava em um
patamar de 25% para uma inflação já baixa. Enquanto nos EUA é 0,5%, na Europa é
0,75%, e no Japão é zero. Esse é o problema, quando o banco pega o meu
dinheiro, minha poupança, paga uma merreca e aplica em títulos do governo.
O Lula pegou a Selic com
24,5%, baixou para 14%, e a Dilma baixou isso para 7,25%. Ao mesmo tempo,
ofereceu às famílias enforcadas em juros, empresas e pessoas físicas, taxas
mais baixas nos bancos oficiais, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, o
que aliviou essa população, mas tirou a principal forma de ganho de todas as
elites e da classe média alta. A partir de meados de 2013, não se tem mais
governo, mas uma guerra. Aí a lógica é política, não é econômica. Foi assim que
pioraram todos os indicadores.
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Naquele momento, o rentismo acabou com a conciliação
política.
Perfeito. Acabou o que era
representado pela Carta aos Brasileiros, de junho de 2002, em que o Lula disse
que respeitaria os contratos. O “esquemão” que o Fernando Henrique Cardoso
montou era muito simples: você corta a inflação, faz o acordo com os bancos –
que precisavam desse acordo porque, com a economia globalizada, não se consegue
entrar com uma moeda que muda de tamanho todo dia – que perderam uma gigantesca
fonte de renda à época, a inflação. Você perdia seu dinheiro todo dia, mas o
banco sempre recuperava. O que eles perderam com inflação, Fernando Henrique
entregou de volta em forma de taxa Selic. Eles podiam ganhar 25% pagos por meio
de dinheiro público.
Criou-se um sistema de
“desvio dos impostos”, que por lei deveriam servir para investimentos públicos
e para políticas sociais, mas passaram a ser desviados para os bancos. Por isso
Fernando Henrique foi aumentando a carga de impostos, que era a forma de captar
mais dinheiro para transferir. E aumentou em particular os impostos indiretos,
que hoje são 56% de toda a carga tributária, que prejudica os mais pobres.
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Naquele momento foi gestado um modelo para preservar
os ganhos das instituições financeiras.
Exatamente. Lula, em junho de
2002, fez a Carta aos Brasileiros dizendo que manteria os contratos, mas chegou
um momento em que a população brasileira ficaria estrangulada. Como não havia
mais o artigo 192 da Constituição, o governo não tinha poder de interferência
sobre a taxa de juros de pessoas físicas e jurídicas, só sobre a Selic. Hoje,
existe uma taxa do rotativo do cartão de 480%. Uma piada. Economista que me
visita não acredita. Nós estamos frente a um sistema de agiotagem que paralisou
o país.
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O senhor fala dessa questão do endividamento dos
Estados nacionais no livro, e de como as instituições conseguem acabar
capturando esses governos por conta disso. Como se dá esse processo?
No livro, cito o Wolfgang
Streeck que diz: “antes, o governo tinha que responder à cidadania; agora, ele
responde aos intermediários financeiros”. Antes se calculava quantos votos tem,
hoje se calculam quantos empréstimos.
É só contar a quantidade de
governos eleitos pela esquerda, e com programas de esquerda, que acabam fazendo
política de direita. Não é porque são bandidos, mas porque há uma grande
pressão – e não é só uma pressão nacional, mas mundial, já que envolve grandes
bancos como o Citibank, Santander etc. Por isso Temer não está nem aí se só 5%
da população o apoia, quem o está apoiando são os três grupos que dão a nota de
investimento para um país. O peso externo, a confiabilidade dos mercados pesa
mais que o interesse nacional.
E os bancos recebem para dar
essa nota.
Isso é denunciado pela The
Economist.
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O senhor falou dos governos de esquerda e da relação
que se estabelece com o poder financeiro. Como a esquerda pode sair dessa
armadilha? Existe um modelo a ser adotado hoje?
Não diria nem de esquerda,
mas eu chamaria de capitalismo civilizado. E produtivo. Você pode pegar o livro
do Joseph Stiglitz, Reescrevendo as Regras (Rewriting the Rules of the American
Economy: An Agenda for Growth and Shared Prosperity), e a fórmula está aí. Vai
encontrar isso em inúmeras propostas, como a do Bernie Sanders nos EUA e a do
Jeremy Corbyn na Inglaterra.
O caminho é extremamente
simples. No caso brasileiro, tem que se usar as reservas, o compulsório, os
bancos públicos, o BNDES, para reforçar empréstimos a baixo custo para a
população e para as empresas. Dinamizando a capacidade de as famílias
consumirem, mesmo aumentando o buraco – o que não é necessário, porque o Brasil
tem US$ 400 bilhões em reservas e pode convertê-los –, reforçando o consumo das
famílias isso se traduz em consumo imediato, que vai redinamizar as empresas,
pois os estoques vão se reduzir e elas vão voltar a produzir. Se voltar a
produzir, vão voltar a empregar, temos um efeito multiplicador. Com mais
consumo das famílias e mais empregos, é mais dinheiro em forma de impostos e
isso cobre o buraco inicial. É assim que funciona o crédito.
Não estamos em crise de
capacidade produtiva, mas em uma crise de paralisia gerada pelo sistema
financeiro. O caminho é claro, não tem mistério. O problema é conseguir o poder
político correspondente para impor isso, porque você não vai poder montar uma
coisa dessas com a população pagando 400% de juros. O banco, dentro desse tipo
de proposta, tem que voltar a ser aquilo para o qual foi criado e estava no
artigo 192 da Constituição: o sistema financeiro nacional deve servir para o
desenvolvimento equilibrado do país. Coisa que qualquer banqueiro deveria saber
fazer. Você põe uma agência bancária, identifica na sua cidade empresários
locais e vê que ali tem uma fábrica de sapatos mas não tem curtume, porque não
investiram. O banco, como financiador, vai estimular o processo produtivo e
gerar lucro para o dono da empresa, que vai poder pagar o empréstimo. Ou seja,
é o banco a serviço do desenvolvimento, e não o desenvolvimento a serviço do
banco. Acaba com o que os norte-americanos chamam de “o rabo abanando o
cachorro”.
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Para concluir, o senhor citou, nesse aspecto de
modelos, Sanders e Corbyn, mas nenhum brasileiro. A esquerda brasileira pensa
pouco na economia?
Não. Na situação atual, se
fizer a proposta como descrevi aqui, vão dizer: “você está brincando, sabe quem
está no poder?”
A esquerda tem imensa
dificuldade, apesar de ter várias propostas surgindo, como a da Fundação Perseu
Abramo e outras de estratégia para o Brasil. Há tempos nós fizemos com Ignacy
Sachs e Carlos Lopes uma proposta com uma visão de elementos básicos para uma
economia funcionar. São 13 eixos, sendo todos já experimentados onde foram
instalados.
O que trava é que não estamos
mais numa democracia. Temos decisões trágicas para o país tomadas por um
Congresso eleito de forma ilegal e com um presidente que tenta salvar a pele,
além de uma mídia que bate palmas. Estamos vivendo uma curiosa estrutura
formalmente legal, mas que, a meu ver, não é democrática.
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O senhor enxerga saída em curto prazo?
Não em curto prazo. E a
presença de um Trump nos Estados Unidos é muito ruim para nós, estimula visões
racistas, conservadoras e destruidoras do meio ambiente, veja que se retomou a
destruição da Amazônia... Estamos com grupos nacionais e internacionais que
estão se lambuzando na entrega do petróleo do país. O pessoal diz que voltou o
investimento externo... Claro, estão comprando a preço de banana, se
apropriando do país.
Na realidade, para mim e para
outros economistas preocupados com interesse nacional e não com rentabilidade
financeira, é difícil fazer propostas quando não temos a força política
necessária para as mudanças que temos que fazer. Uma impotência institucional.
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