domingo, 1 de outubro de 2017

Mãos Limpas e Lava Jato, a comparação impossível

Opinião

Mãos Limpas e Lava Jato, a comparação impossível

por Carlos Eduardo de Athayde Buono — publicado 01/10/2017 00h10, última modificação 29/09/2017 09h33
Não há a mais pálida semelhança entre as operações. A italiana cumpriu a Justiça, aqui está tudo errado
Vicenzo Tersigni/FotoArena
Borrelli
Pelo tempo inteiro da Mãos Limpas, a operação comandada pelo juiz Borrelli evitou cuidadosamente os holofotes, com exceção do promotor Di Pietro, que ao cabo descambou para a política
A corrupção é tão antiga, vide as menções históricas e religiosas, que Deus teria dito a Moisés: “Nunca perdoarei aos culpados que receberem propinas, a shohadh”. Na China antiga, pagava-se um extra aos funcionários públicos, o Yang-liem, para alimentar a “não corrupção”.
No Brasil, pagam-se gorjetas, assinam-se contratos superfaturados e licitações forjadas, distribuem-se propinas em geral, mas todos dizem agir dentro da lei. Nunca levaram nada além de milhões ou bilhões de reais. E não há mudanças.

Hoje pululam especialistas na Operação Mãos Limpas. Conversa fiada. Conheço o assunto. Presidi a Comissão de Combate à Criminalidade Organizada no Ministério da Justiça durante o governo Itamar Franco, em 1994.
Em Brasília, em visitas ao Supremo Tribunal Federal e em conferência na Procuradoria-Geral da República, nos foi dada carta branca para a constituição do grupo, formado por grandes nomes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, os professores Paulo José da Costa Jr. e Geraldo de Camargo Vidigal. Entre os titulares, integrantes da Justiça e da Ordem dos Advogados do Brasil

A comissão, entre tantos anteprojetos, viabilizou a lei de interceptação telefônica e telemática, a criminalização do porte ilegal de armas e o tratado de cooperação em matéria penal com a Itália. Incorporamos sugestões do pool milanês da Mani Pulite.
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À época, vários jornais, ou praticamente todos os diários brasileiros de grande circulação, deram destaque à iniciativa. Os integrantes da Mãos Limpas sempre vieram ao Brasil por nosso intermédio, exclusivamente, entre eles Paolo Ielo, que participou de uma conferência no Superior Tribunal de Justiça. Dirigi-lhe o convite a pedido do então ministro Vicente Cernicchiaro. 

Nos últimos três anos, os participantes da Mãos Limpas foram ressuscitados em decorrência de uma oportunidade política. Há “especialistas” no tema que conheceram alguns dos integrantes da Mani Pulite 20 e tantos anos depois daquela investigação. Querem a glória, os holofotes.
Francesco Saverio Borrelli, que comandou a operação, e seus colegas nunca desejaram tanto destaque, à exceção de Antonio Di Pietro, obrigado a deixar a magistratura italiana após um episódio com Paolo Berlusconi, irmão de Silvio, segundo relatos dos jornais Corriere della Sera e La Repubblica, entre outros. Di Pietro mais tarde ingressaria definitivamente na política.

Ao contrário da operação italiana, prisões são mal feitas ou com grande estardalhaço. A delação premiada nasce no direito insular anglo-saxão, importado pela Itália na reforma do Código de Processo Penal, nada parecido com essa festa dos dedos-duros, nos moldes de Joaquim Silvério dos Reis, a que assistimos no Brasil. 

Por aqui, faltam informações a respeito das investigações preliminares. Os advogados, muitas vezes, não têm acesso às investigações. Os abusos ultrapassam os tempos da ditadura. Disse certa vez Norberto Bobbio: “O sistema democrático é um conjunto de regras procedimentais, pelo voto, divisão de poderes, de partidos, respeito ao dissenso, liberdade de opinião e proteção aos cidadãos”.
Onde está tudo isso? Há subversão de fatos, de ideias, que indicam um modo fascista de pensar: dar a vida pela democracia seria como dar a vida pelo sistema métrico decimal. E muitos brasileiros dão suas vidas para nada. Na verdade, em vez de prender os corruptos e os corruptores, os deixam viver em resorts. Prevalecerá a opinião daqueles que vivem em Miami?

No Brasil atual, praticam-se crimes de toda natureza. Há o reiterado descumprimento de decisões judiciais. Por que existem precatórios, filas para recebimento de atrasados de salários de servidores públicos? Por que não publicar a declaração anual de bens pela internet? Por que escondem, sob a tutela de sigilos, tantas informações?

Nossa Carta Constitucional não é respeitada. Há falsos heróis, escondidos por trás de assessores. Os ditos especialistas na Operação Mãos Limpas, ou seja, os inquisidores curitibanos, têm insuficientes conhecimentos jurídicos, inovam no que o Código Penal não prevê. Abusam da autoridade e não acontece nada.

Os abusos são tantos que a delação premiada está a um fio de credibilidade. Quem precisa mostrar as provas é o Estado acusador. E não podem ser afastadas ao talante de um juiz simplesmente por este achar que na Itália é assim ou assado. Não é. Essa conduta assemelha-se a atos institucionais da ditadura. Aquilo que aqui se faz aqui se paga, como em um motel.
Fonte: Carta Capital

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