sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Um amado comunista

Um amado comunista

CULTURA
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Leia o perfil de Jorge Amado, publicado na edição 245 de Caros Amigos, que pode ser encontrada na loja virtual https://goo.gl/1FEXbd 
Por João Batista Cesar
Especial para Caros Amigos
No auge da ditadura militar, poucos brasileiros tidos como comunistas podiam circular com tanto desembaraço quanto Jorge Amado. Com sólida reputação no País e famoso em todo o planeta, não se recusava a falar de nada e suas palavras invariavelmente terminavam na manchete de jornais. Talvez um Oscar Niemeyer, reverenciado como gênio da arquitetura, um João Saldanha, o técnico da Seleção. E, numa dimensão um pouco abaixo, um Dias Gomes, um Mário Lago, os comunistas famosos da Globo.
No entanto, desde 1956, Jorge Amado não era mais militante do Partido Comunista Brasileiro. Desgostoso com os rumos do PC, abalado pelas denúncias feitas ao stalinismo no XX Congresso do PCUS (Partido Comunista da União Soviética), insatisfeito com a chamada literatura proletária, que vinha praticando, por orientação do Partido, desde a década de 1930. Seus livros ainda tinham o povo como personagem central. Continuavam a retratar luta, a miscigenação, a religiosidade e a alegria de um povo miserável, mas não seguiam mais a cartilha do realismo socialista.
Jorge explicou que abandonava a militância para se dedicar integralmente à literatura. De fato, este empenho resultou em Gabriela, Cravo e Canela, lançado neste mesmo ano. Livro escrito já com suas novas concepções, que fugia do maniqueísmo das concepções stalinistas. Os personagens não estavam mais cumprindo determinações do partido, estavam vivendo a vida. Gabriela  foi saudado como um grande livro e teve reconhecimento internacional imediato.
Jorge Amado continuou de esquerda o resto da vida. Mas, a partir daí, ora estava próximo, ora distante do velho PC, ao qual estava ligado desde a década de 30.
Era o principal escritor do Brasil — vendeu 20 milhões de exemplares no País e 6 milhões no exterior — e, cuja obra foi traduzida em 49 idiomas. Durante a ditadura, combateu o regime, apoiou candidaturas progressistas, tomou parte ativamente do processo de redemocratização. Também aproveitou seu renome mundial para defender a política dos países do Bloco Socialista, a independência dos países africanos e combater ditaduras.
Cacau
Nascido em 1912, em Itabuna, coração da região cacaueira da Bahia, Jorge Amado era de família de “coronéis”, de latifundiários. Passou a infância naquele mundo violento, injusto, cruel, que ao mesmo tempo era doce, festivo e sensual. A paixão por escrever veio desse tempo. Mas foi em Salvador, em 1926, que ele começou a ter “vida literária”. Tinha 14 anos e participava da “Academia dos Rebeldes”, grupo de jovens dispostos a revolucionar a literatura baiana. Aos 15 anos, torna-se repórter policial do Diário da Bahia e pouco depois de O Imparcial.
Em 1927 conhece o pai de santo Procópio e se aproxima do candomblé, que terá papel fundamental em sua vida. Pai Procópio fará de Jorge um ogã (protetor), o primeiro de seus muitos títulos no candomblé. Publica seu primeiro romance, O País do Carnaval, em 1931, recebido com boa aceitação.
No prefácio, Augusto Frederico Schmitd destaca: “Um forte documento do que somos hoje. Seus personagens não procuram apenas o sentido de pátria, da terra, mas procuram o sentido de si próprios” — citado por Luiz Gustavo Freitas Rossi em As Cores da Revolução: a Literatura de Jorge Amado nos Anos 30).
Neste mesmo ano, vai estudar Direito no Rio de Janeiro. Para sobreviver prossegue no jornalismo. Se aproxima do comunismo pelas mãos da amiga e também escritora Rachel de Queirós e, já em 1932, está na Juventude Comunista, ligada ao PC. Começa a nascer a literatura engajada de Jorge Amado. Em 1933, ele vai para o coração da zona cacaueira, no interior da Bahia, disposto a retratar a vida miserável dos camponeses, da qual ele também era fruto. O ciclo do cacau será retratado numa trilogia épica e o sertão baiano será assunto no mundo. Suas concepções literárias estão em perfeita sintonia com a ideologia comunista, com o realismo socialista propugnado por Moscou. É um, entre dezenas de escritores de todo o mundo, que procura uma literatura proletária. Em agosto de 1933 é lançado Cacau, seguido de Suor e Jubiabá, um a cada ano.
Em 1935, ano do levante, os comunistas estão de prontidão. Reunidos ao redor da Aliança Nacional Libertadora (ANL), a esquerda se agrupa numa grande frente, sob a liderança de Luiz Carlos Prestes. Teve um crescimento exponencial. Jorge participava da luta como repórter de A Manhã, o jornal da ANL. Ele chega a cobrir uma viagem do presidente Getúlio Vargas ao Uruguai e à Argentina. Com a derrota do levante, inicia-se uma grande perseguição contra comunistas. Em 1936, Jorge Amado é preso pela primeira vez. Neste ano, publica Mar Morto e traz os pescadores para seu universo.
Em 1937, Jorge circula pela América do Sul e pelos Estados Unidos para sair um pouco do ambiente adverso. No retorno, quando está em Manaus, é informado do golpe de Estado de Getúlio e da implantação do Estado Novo. Tenta fugir, mas logo é preso. Muitos de seus livros são apreendidos e queimados em praça pública, como em Salvador, onde foram queimados 1.700 exemplares.
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Neste mesmo ano, Jorge lança Capitães de Areia, um clássico da literatura engajada. Os meninos de rua de Salvador além de protagonistas da história tornam-se agentes da revolução. O livro foi lançado pouco depois do golpe do Estado Novo e também foi queimado em praça pública. Jorge Amado é preso novamente.
Em 1941, por sugestão do Partido exila-se na Argentina. Está engajado na luta para libertar Prestes, preso desde 1936. Jorge tinha a missão de escrever a biografia do líder comunista, já pensando num movimento de anistia. O livro A Vida de Luiz Carlos Prestes, escrito meio às pressas, é publicado na Argentina, em 1942. No Brasil — essa edição em castelhano — é vendida clandestinamente e só será publicado em 45, após a queda de Getúlio, com o título O Cavaleiro da Esperança. No retorno ao País, Jorge é preso no desembarque em Porto Alegre.
Em janeiro de 1945, Jorge participa do Encontro Brasileiro de Escritores que emite uma contundente crítica contra a ditadura Vargas — já agonizante — a que se seguirá uma manifestação pública. Jorge será preso novamente. Em compensação, quando solto, será apresentado, pelo Barão de Itararé, a Zélia Gattai, com quem se casará e viverá até o fim da vida. Jorge vem morar em São Paulo, onde é editor, tanto do Hoje, jornal do Partido Comunista, quanto da Folha da Manhã.
Com a queda de Getúlio, a redemocratização e a legalização do Partido, um grande comício é organizado pelos comunistas no Estádio do Pacaembu. O clima era de euforia. Prestes iria fazer um pronunciamento histórico, era a segunda vez que falava após dez anos de prisão. Ele nunca havia discursado para uma multidão como aquela, mais de 100 mil pessoas. O clima era de eleições presidenciais. Jorge Amado, juntamente com o poeta chileno Pablo Neruda, foram dois destaques. Prestes não concorreu. Temia-se um novo golpe, caso ele se candidatasse. O Partido lança o desconhecido Yedo Fiuza — que nem filiado ao PC era — para a presidência. Mesmo assim, Fiuza obtém cerca de 10% dos votos. Prestes é eleito senador, junto com dezesseis deputados comunistas. Entre eles Jorge Amado (15.315 votos), Carlos Marighella, João Amazonas, Maurício Grabóis e Gregório Bezerra, comunistas históricos.
Como deputado, Jorge Amado foi o autor da emenda que garantiu a liberdade religiosa no País. Os cultos africanos eram perseguidos, atacados, sofriam toda sorte de preconceito. Como pessoa graduada no candomblé sabia do que estava falando. Empenhou-se de corpo e alma até conseguir a aprovação da sua emenda, tornando a liberdade religiosa lei. Também foi autor da emenda que garantia direitos autorais aos artistas.
Com o acirramento da guerra fria e o retrocesso político praticado no governo Dutra, o Partido Comunista tem suas atividades proibidas em 1947 e volta para a ilegalidade. A situação ficou tão tensa, que até o pacifista Jorge Amado andou armado, por orientação do Partido. Embora ele fizesse a ressalva que andava com a arma descarregada. Seu mandato de deputado federal será cassado, sua casa invadida e ele perseguido até que, em janeiro de 1948, deixa o País.
Em Paris, inicia uma maratona de atividades como uma espécie de embaixador oficial do “comunismo stalinista” comparecendo a todo tipo de compromisso. Trava amizade com Jean-Paul Sartre, Picasso e outros expoen tes da literatura e da arte mundial. Tem atividade política intensa. Ajuda seu amigo Pablo Neruda, também um comunista exilado, a entrar clandestinamente em Paris, escondido no porta-malas de seu carro. Será uma das razões porque será banido da França, em 1949.
Sai Stalin, entra Gabriela
Em fevereiro de 1956, a velha guarda do Partido Comunista toma conhecimento, atônita, do discurso que o secretário do partido Nikita Khrushchov pronunciou no XX Congresso do PCUS. Foram denunciadas a violência, as deportações, os expurgos, as limitações à liberdade impostas pelo regime de Stalin. A Revolução Russa entra num novo patamar. Dissidências acontecem em partidos comunistas de todo o mundo. No Brasil, o racha resulta num novo partido e na dicotomia PCB e PCdoB.
Jorge ficou abalado, claro. Em 1951, ele havia recebido, em Moscou, o Prêmio Internacional Stalin. Ele conta, entretanto, que já andava descontente com a linha do Partido e que conhecia as acusações contra Stalin desde 1954. Saía do Partido, explicou, porque queria se dedicar integralmente à literatura. “Esse engajamento estava me impedindo de ser escritor”, resumiu. A partir desse momento, ora se aproxima, ora se afasta do Partido. Refugiado em Petrópolis, no Rio, escreve Gabriela, Cravo e Canela, em 1958, um símbolo de sua nova fase.
A crítica social estava suavizada, a visão de mundo era otimista, não havia mais personagens “militantes”. Jacob Gorender, em artigo no Novos Rumos, jornal do Partido, fez dura crítica ao livro: “Jorge abandonou a inspiração revolucionária e caiu numa visão amoralista e carnavalesca das coisas humanas”.
Claro, Jorge Amado não apoiou o golpe militar de 1964, nem a ditadura, embora defendesse opiniões diferentes do PCB. No noticiário dos jornais — mesmo com a censura — sua opinião sempre foi clara: criticou o regime militar, a censura, a tortura, apoiou a redemocratização, a luta dos estudantes, a legalização do PCB, a anistia, a constituinte. Ele viu o golpe assim: “Desperto com a notícia, nem por esperada menos infeliz: os gorilas tomaram das armas, depuseram o governo João Goulart. [...] Os telefonemas se sucedem, sabemos de prisões, casas invadidas, estamos preparados, Zélia e eu, para o que der e vier”, diz em Navegação de Cabotagem. Ele sabe que está na mira.
Em 1989, Jorge Amado vai assistir pela televisão o colapso daquele mundo, no qual ele tinha sido personagem de destaque. Numa entrevista ao jornalista Geneton de Moraes, não escondeu a decepção e assombro que aquilo lhe causava. Estava impressionado com as imagens que via. Sua frustração política ele sintetizou na afirmação: “O coletivo não é o oposto do indivíduo. Sem considerar o indivíduo como ser humano, não se pode pensar em socialismo”. E definiu: “O mundo era um, antes da revolução na Rússia. Passou, depois, a ser outro. Estados ditos socialistas — mas que não eram, na realidade — podem deixar de existir. Isso não quer dizer, que os valores novos trazidos pela Revolução de outubro — como uma consciência coletiva maior e fraternal — não persistam. Persistem. O que acontece é que o mundo não será mesmo igual. Já não é. O capitalismo de hoje também já não é o mesmo de antes”.

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