Política
Democracia
Em 2018, a continuidade democrática estará em jogo
por Marcio Pochmann* — publicado 12/01/2017 00h11, última modificação 11/01/2018 10h37
O País caminha para o ponto ótimo do caos. Ele vai gerar uma saída inesperada como em outros momentos?

Proclamação da República, outro momento histórico para o qual o povo não foi convidado
Nos momentos de maior inflexão histórica no Brasil, o sucesso das forças de direita expressou como ingrediente máximo o recurso da “fuga para a frente”.
Isto é, a comprovação do crescimento econômico como resposta à oposição democrática, o que garantia, com isso, que a modernização almejada se processaria ancorada, em geral, na preservação dos princípios autoritários do liberal conservadorismo.
A melhor versão do que se comprovaria posteriormente em diferentes períodos mais agudos da trajetória brasileira ao longo do tempo foi enunciado pelo jornalista Hipólito José da Costa, em 1815: “Ninguém deseja mais do que nós as reformas úteis; mas ninguém aborrece mais do que nós, que essas reformas sejam feitas pelo povo; pois conhecemos as más consequências desse modo de reformar; desejamos as reformas, mas feitas pelo governo; e urgimos que o governo as deve fazer enquanto é tempo, para que se evite serem feitas pelo povo”. Reformas, sim, porém sem o povo e, por isso, muitas vezes, contra o povo.
Na recente experiência democrática brasileira, o programa de governo adotado pelo condomínio de interesses que sustentam Michel Temer dificilmente sairia vitorioso em disputa eleitoral. Ainda mais se lembrado o resultado alcançado, por exemplo, pelas experiências da era dos Fernandos nos anos de 1990 (Collor, 1990-1992, e Cardoso, 1995-2002).
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Mas, se impossibilita a democracia por uma interrupção autoritária, a pretensa modernização libertária dos interesses minoritários dos poderosos e conservadores viabilizaria ação governamental programática distinta da vontade dominante das urnas.
Foi assim em 1964, quando a pauta das reformas de base em execução pelo governo democrático vigente à época terminou de forma abrupta e autoritária substituída pelo receituário da modernização conservadora definida pelos interesses dos privilegiados ao longo de 21 anos de existência do regime militar.
- Dizia Hipólito José da Costa: 'Desejamos as reformas, mas feitas pelo governo; e urgimos que o governo as deve fazer enquanto é tempo, para que se evite serem feitas pelo povo'
Dessa forma, o corte de recursos públicos apresenta-se seletivo, possibilitando a maior captura de recursos públicos para a sustentação do rentismo improdutivo nas próximas duas décadas.
Diferentemente de 1964, contudo, o golpe de 2016 não parece conseguir cumprir, ao menos até o presente momento, o conjunto de promessas voltadas para o reequilíbrio das contas públicas e o retorno do crescimento econômico nacional.
Mesmo com a implementação das reformas liberal-conservadoras, os resultados esperados não apareceram. Ao contrário. Prolongam a agonia fiscal e a instabilidade do sistema produtivo.
Para 2018, dois anos após a ascensão do governo Temer, o Brasil tende a perseguir como futuro o retorno ao longo atraso do passado. Com o abandono das políticas públicas exitosas dos governos petistas, a garantia do pleno emprego, a elevação do poder de compra do rendimento dos ocupados e a redução da desigualdade da renda tornam-se cada vez mais distantes, conforme percebe cada vez mais o conjunto da população.
Nesses termos a desilusão parece tomar maior corpo entre os brasileiros, inclusive no interior das forças políticas e econômicas que pertencem ao condomínio de interesses que sustentam o governo Temer.
O fato mais alarmante a ganhar dimensão nacional decorre da observável incapacidade dos golpistas de construírem uma candidatura presidencial que possa reproduzir os mesmos interesses no processo eleitoral de 2018.
O afastamento da perspectiva de poder para além de 2018 permite aos golpistas procurar uma forma de combater a desilusão que se generaliza trilhando caminhos de continuidade antidemocrática.
Uma espécie de segunda etapa do golpe iniciada em 2016 poderia ocorrer por meio de obstáculos jurídicos, políticos e econômicos variados para impossibilitar a realização das eleições presidenciais livres.
Recorde-se que, em 1964, diversos democratas apoiaram a intervenção militar na perspectiva de que o deslocamento para a ilegalidade do governo Jango e a força do PTB abririam nova oportunidade democrática em 1965 para as eleições presidenciais. Como se sabe, os golpistas de 1964 frustraram o grupo democrata que inicialmente os apoiou, estendendo por 21 anos o autoritarismo.
- Quem tramou a derrubada de Jango se escoraria mais tarde no crescimento da economia para justificar seus atos. Nem isso os golpistas de 2016 podem oferecer (Foto: Library of Congress)
Acontece que o ano de 2017 aponta para o empate entre a recessão e o crescimento econômico. O zero a zero da economia brasileira não permite validar a imagem da simples saída do processo recessivo.
Uma espécie de parada no ritmo de decréscimo recessivo pode estar presente em 2017, ocasionada por fatores exógenos da política econômica, como a safra agrícola e a melhora do comércio internacional. Sem a presença de um vetor dinâmico de recuperação econômica, não se deve descartar a possibilidade de que em 2018 o Produto Interno Bruto possa passar por uma nova queda.
Isso não seria estranho. Nas duas grandes recessões passadas (1981-83 e 1990-92), o Brasil registrou forte queda no PIB em 1981 e 1983, bem como em 1990 e 1992, intermediado por leve pontuação positiva do PIB nos anos de 1982 e de 1991.
Se aprovada pelo Parlamento, a proposta orçamentária enviada pelo governo Temer para o ano de 2018 levará a um aperto ainda maior no setor público do que aquele observado desde o começo da recessão. O seu efeito contracionista sobre o conjunto da economia não será desprezível.
Com isso, a persistência do desajuste nas contas públicas e o distanciamento da recuperação econômica e seus efeitos positivos para os brasileiros. Por isso, a perspectiva de uma segunda etapa do golpe iniciado em 2016 pode se transformar em grande tragédia nacional, levando a enormes riscos institucionais e de distúrbios à ordem pública.
Nessa situação, a participação de todos no processo eleitoral de 2018 pode ser mais uma incógnita a ser desvelada. Por que participar se não houver perspectiva de vitória?
Está no ar a consideração de que o ciclo político da Nova República iniciado em 1985 estaria definitivamente encerrado. Quando uma parte dos partidos derrotados em 2014 não mais aceitou o resultado eleitoral, conforme havia sido feito desde 1989, a estabilidade democrática foi rompida.
O conjunto das forças golpistas, sem participar do processo eleitoral, ou ainda participar simbolicamente, apontariam não apenas para a afirmação da tese do fim da experiência democrática. Mas, sobretudo, para a enorme dificuldade de governo do próximo presidente a ser eleito em 2018.
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Em se admitindo essa possibilidade, as eleições deixariam de ser solução democrática para o complexo impasse nacional atual. Soluções fora do tradicional são possíveis, mas lançariam o País em um cenário ainda mais tumultuado e incerto.
Em decorrência, a preservação do regime democrático nacional compreenderia a urgente e necessária formação de uma nova maioria política capaz de convergir com um inédito centro estabilizador das forças vivas da nação. Um acordo mínimo a garantir que a solução do atual impasse nacional implicaria a devolução aos brasileiros do poder de decisão seria fundamental.
- Os dados econômicos deste ano não permitem alardear o fim do processo recessivo (Foto: Fabio Scremin/APPA)
Essa grandiosidade pode ocorrer. Ao menos historicamente, o Brasil sofreu inflexões ocasionadas pela emergência da situação de caos, como a confusão e ameaças na transição da Monarquia para a República na década de 1880 e a passagem da sociedade agrária para a urbana e industrial a partir dos anos de 1930.
Mais do que a espera de um milagre, o Brasil caminha para o ponto ótimo, perfeito, do caos. Se no passado ele foi responsável pela geração de saídas inesperadas e contrárias aos interesses dominantes, que seja bem-vindo neste ano de 2018.
As apostas têm sido feitas enquanto o jogo segue jogado. Logo mais, em 2018, a torcida vai poder, porém, entrar em campo e o imprevisível torna-se uma realidade sem medo de o povo voltar a ser feliz.
*Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas
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