Jornalistas mexicanos investigaram fundador do CAM
Em entrevista à Pública, Témoris Grecko, um dos autores do livro sobre Jorge Serrano, conta por que ele foi processado por corrupção no México, onde nasceu a rede de sites armadilha que constrange mulheres que querem abortar
Sites armadilha buscam atrair mulheres com gravidez indesejada dando a entender que conseguirão um aborto, mas, quando elas chegam lá, são arrastadas para palestras pró-vida, exibição de slides grotescos e sessões de terrorismo psicológico para não abortar. Assim atua o Centro de Ajuda à Mulher (CAM), que, criado no México, hoje presente em muitos países da América Latina, incluindo o Brasil (leia a reportagem), com apoio da Igreja Católica. Curiosamente, seu fundador, um famoso pró-vida mexicano, está envolvido em escândalos de corrupção e desvio de recursos públicos. Em entrevista por e-mail, o jornalista mexicano Témoris Grecko, que escreveu com o jornalista Salvador Frausto o livro El vocero de dios. Jorge Serrano Limón y la cruzada para dominar tu sexo, tu vida y tu país (“O porta-voz de deus. Jorge Serrano Limón e a cruzada para dominar seu sexo, sua vida e seu país”), conta quem é esse homem e como os CAMs nasceram e se multiplicaram à custa de empresários e políticos de extrema direita.
Vocês escreveram um livro sobre Jorge Serrano. Pode contar aos leitores brasileiros quem é esse homem? E o que os motivou a fazer essa investigação?
Jorge Serrano Limón foi um líder da ultradireita católica mexicana, mas há dez anos precisou sair dos holofotes em consequência dos escândalos de opinião pública em que se envolveu e dos graves problemas judiciais por mau uso de recursos públicos. Sua desaparição pública coincidiu com a publicação de nosso livro em 2008, e temos a suspeita de que alguém o fez entender – ou ele entendeu por si próprio – que suas atividades públicas eram totalmente contraproducentes e que o melhor para ele e para seu movimento era se calar.
Como ativista católico, Serrano Limón encabeçou manifestações contra exibições de artes plásticas e filmes e também contra a legislação que estabeleceu o direito de a mulher decidir sobre seu corpo e reprodução em 2007. Em geral, essas ações provocavam o repúdio das pessoas e até mesmo favoreciam os que ele queria censurar, como ocorreu no caso do filme O crime do padre Amaro [brasileiro], que se converteu em um grande sucesso de bilheteria.
Nós escrevemos o livro porque na época Serrano Limón estava muito ativo. E também porque nos pareceu que era um bom exemplo de como se formaram os líderes ultradireitistas de sua geração.
Como funciona o trabalho do CAM no México? Aqui no Brasil eles têm um site para atrair mulheres que estão com gravidez indesejada, que os procuram acreditando que farão um aborto, mas na verdade serão convencidas de forma muito dura a não abortar. O método é semelhante?
Sim, é semelhante. Isto é o que escrevemos no livro: “Até 1989, o Comité Nacional Provida havia se limitado a atuar como um grupo contestador. Mas a partir deste ano deu ao seu trabalho um caráter mais integral com uma oferta de serviço”. No livro escrevemos: “Um abortista em um debate perguntou [a Serrano Limón] ‘o que você está fazendo para as mulheres que querem ter um aborto?’, se lembra Rocío Gálvez (que era o diretor do Provida). Jorge continuou pensando e meditando e depois foi aos Estados Unidos e viu o que as clínicas fizeram lá e levaram para o México”. Com a ajuda da estadunidense Laura Nelson, inaugurou o primeiro Centro de Ajuda à Mulher (CAM) em 15 de agosto de 1989. “Nós o colocamos na Cidade do México”, explicou Serrano em entrevista a nós para o livro. “E começamos a evitar abortos, um e outro e outro, tiramos essa ideia da cabeça das mulheres e depois levamos o programa a Monterrey, Puebla, Veracruz, Guadalajara, e continua crescendo. Hoje [2008] temos 42 centros na República Mexicana”. O método para atrair as clientes nesses primeiros anos era colocar anúncios nos jornais em que lançavam um anzol: “Gravidez inesperada? Existe uma solução para sua gravidez! Garantido: Não deixamos você estéril nem furamos seu útero”, e ao lado o número telefônico do Provida. Serrano Limón descreve o que acontece depois: “Elas nos ligam: ‘Oi, quanto me cobram pelo aborto?’. ‘Não posso te dar informações pelo telefone, venha’. Chegam, lhes damos um questionário, se faz um procedimento e desistem de abortar”. O procedimento inclui práticas em que lhes explicam que o aborto é “um assassinato e um pecado mortal” e lhes mostram um filme com imagens impactantes.
Os CAMs multiplicaram-se e tiveram êxito tal que ganharam não só apoio financeiro para ampliar, mas respaldo econômico pessoal para o próprio Serrano Limón, que assim pôde se dedicar de forma integral ao Provida. “Depois que fundei o de cá e o de Monterrey, um empresário me disse: ‘Ei, eu preciso de mais centros em Guadalajara’, e eu disse: ‘Não posso, porque tenho que vender casas, vou fazendo com o tempo que me sobra’. E ele disse: ‘Não, isso leva tempo integral, quanto você precisa para viver?”. Serrano era franco: ‘Eu preciso de 8 milhões de pesos’. E ele disse: ‘Eu dou para você’. Foi quando eu deixei os imóveis e comecei a me dedicar em tempo integral ao Provida”. Durante suas três décadas no comitê, diz Jorge Serrano Limón, “nunca” tirou dinheiro do grupo, mas “recebe apoio financeiro de quatro empresários”, dois de Monterrey, um de San Luis Potosí e um da Cidade do México. Não disse seus nomes: “Ah, prefiro não, conservo o anonimato, eles vêm me apoiando e quero evitar possíveis ataques contra eles”.
Aqui, o CAM é diretamente ligado à Igreja Católica, liderado por padres e bispos e está nos programas da CNBB. No México funciona da mesma maneira?
Não depende da Igreja, mas do Provida, que é uma das organizações do entorno eclesiástico. O problema legal em que está envolvido Serrano Limón tem a ver com o financiamento dos CAMs com dinheiro público: em 2002, o presidente do Comitê de Orçamento da Câmara dos Deputados era Luis Pazos, um ultradireitista. O comitê tinha acordos que Pazos modificou ilegalmente para desviar 30 milhões de pesos de um programa de planejamento familiar e entregar ao Provida para os CAMs, apesar de os objetivos do Provida serem declaradamente opostos aos dos programas públicos, que promovem métodos contraceptivos. Esse desvio foi detectado por organizações civis e denunciado, mas o problema para Serrano Limón veio quando ele foi incapaz de comprovar o uso adequado desses fundos públicos. Por isso foi processado.
Pazos não foi questionado pelo juiz sobre a forma ilegal de repassar esses recursos ao Provida.
Pode contar como foram os escândalos de corrupção que envolveram Serrano e sua organização pró-vida? Ele chegou a ser preso duas vezes, pelo que entendi. Sabe como está o processo hoje?
Em 2005, o Ministério do Serviço Público ordenou que Serrano Limón devolvesse 25 milhões de pesos, que se recusou a pagar. E conseguiu recursos legais para evitar isso. Em 2012, um juiz federal condenou-o a quatro anos de prisão pelo mau uso de 2 milhões e 496 mil pesos para o CAM. Em fevereiro de 2016, Serrano Limón foi detido por dois dias por crime de peculato por 25 milhões de pesos (é o mesmo processo). De alguma maneira – provavelmente recebeu apoio de alguém com muito dinheiro –, ele conseguiu pagar fiança e atualmente enfrenta o processo em liberdade.
No México, a legislação sobre o aborto é regional, certo? Como anda a atuação dos grupos pró-vida? Pergunto porque no Brasil vivemos uma onda reacionária que ameaça os poucos direitos conquistados pelas mulheres…
Em 2007, a Cidade do México aprovou a descriminalização total do aborto, que garante que qualquer mulher do mundo possa praticar um aborto gratuitamente em hospitais públicos da cidade, nas primeiras 13 semanas de gravidez. Até então, em todo o país, as leis estatais permitiam o aborto em certos casos, como estupro, má-formação ou perigo de vida para a mãe. Mas a resposta da direita religiosa tem sido cancelar esse direito em mais da metade dos estados, que têm aprovado normas que protegem o direito à vida. Atualmente, na conjuntura das eleições presidenciais, as igrejas convergem em um movimento “pela família” que pretende aniquilar o direito ao aborto e ao casamento homossexual.
Fonte: Pública
Nenhum comentário:
Postar um comentário