Sentença de Moro não passa das preliminares
Quem gosta de Direito – sim, já houve Direito nestas plagas – sabe que a argumentação jurídica divide-se em duas partes argumentativas: as preliminares e o mérito.
A primeira, como o nome indica, não é preliminar por acaso. Ela discute a regularidade do processo, desde a devida citação do réu até a competência do juízo para julgá-lo, passando por haver ou não conexão, continência ou litispendência com outra ação, nexo causal (relação entre causa e efeito) e outras regularidades formais do processo, porque a formalidade é requisito insuperável de um processo judicial, seja cível ou criminal.
A preliminar toca numa questão essencial ao Estado de Direito, desde pouco antes da Revolução Francesa: o juiz natural. Que é, essencialmente, não se poder escolher qual é o juiz do caso, visando um determinado resultado. Como com Sérgio Moro, por exemplo.
E foi exatamente isso que aconteceu com o caso do triplex, como descreve o jurista e ex-promotor Lênio Streck, em artigo no Conjur:
A denúncia (íntegra aqui) oferecida pelo Ministério Público Federal é clara ao afirmar com todas as letras, que os recursos que resultaram no tríplex do Guarujá derivaram de três contratos mantidos por consórcios integrados pela OAS com a Petrobras: um para obras na Refinaria Getúlio Vargas-Repar e dois para a Refinaria Abreu e Lima. Mas, vejam as contingências. Moro condenou Lula, mas não por isso. Condenou por ato de ofício “indeterminado”, figura “nova” no direito. Ou condenou “porque sim”. No fundo, Moro ignorou a denúncia. Que, na verdade, serviu mesmo para ele fixar sua competência. E se fi(x)ou unicamente na delação de Léo Pinheiro (sobre delações servindo como prova plenipotenciária nem é preciso mais falar — há jurisprudência do próprio TRF-4). Pois, fixada a competência, Moro já não precisava mais do “nexo causal Petrobras-Propinas”, tanto é que formalmente disso abriu mão ao responder aos embargos de declaração. Vejam o que disse o juiz Sérgio Moro:
“Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram usados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente”.
Neste caso, o procedimento do juiz é o da declinação de competência em favor de outro juízo ou, dependendo de outros fatores, a extinção da ação sem julgamento de mérito.
Em qualquer dos dois casos, não cabe ao juiz julgar quem está com a razão, ou seja, analisar o mérito da acusação ou da defesa, mesmo que isso seja objeto de negação anterior, porque a incompetência de juízo tem valor absoluto.
Falando sobre isso, Streck é claro:
Moro, ao dizer que não havia dinheiro dos contratos da Petrobras, perde-se nas palavras. Sem dinheiro da Petrobras, cessa tudo o que a antiga musa canta. Competência não se escolhe. Simples assim.(…)
No caso Lula, independente de outras questões que possam exsurgir, uma coisa ficou patente. Se acreditarmos no que disse o juiz Sergio Moro nos embargos de declaração — e não temos motivos para não acreditar no que disse — então ele mesmo tirou o chão onde pisava. Sua competência estava pendurada, calcada, fundada na Petrobras. Se ele mesmo disse que “este juízo não viu nada em relação à propina da Petrobras”, então ficou um vazio. Um sem chão.
Então, se Moro retirou o próprio chão onde pisava, resta saber ser o TRF-4 fará como o Barão de Münchhausen, quem, afundando no pântano com seu cavalo, conseguiu se erguer a si mesmo, puxando-se pelos próprios cabelos. Só que “puxar-se a si mesmo pelos próprios cabelos” — já que Moro retirou o próprio chão — é um paradoxo.
No caso Lula, independente de outras questões que possam exsurgir, uma coisa ficou patente. Se acreditarmos no que disse o juiz Sergio Moro nos embargos de declaração — e não temos motivos para não acreditar no que disse — então ele mesmo tirou o chão onde pisava. Sua competência estava pendurada, calcada, fundada na Petrobras. Se ele mesmo disse que “este juízo não viu nada em relação à propina da Petrobras”, então ficou um vazio. Um sem chão.
Então, se Moro retirou o próprio chão onde pisava, resta saber ser o TRF-4 fará como o Barão de Münchhausen, quem, afundando no pântano com seu cavalo, conseguiu se erguer a si mesmo, puxando-se pelos próprios cabelos. Só que “puxar-se a si mesmo pelos próprios cabelos” — já que Moro retirou o próprio chão — é um paradoxo.
Tanto é assim que o Ministério Púbico junto ao TRF-4, que não é o mesmo do de Curitiba, insiste no vínculo entre o apartamento e os contratos da Petrobras, o que contraria a sentença de Moro.
De modo que, juridicamente, estamos diante de um paradoxo, mais benéfico ao réu se acatada a tese da acusação do que se aceita a tese da defesa, que serve de título ao artigo de Streck no Consultor Jurídico:se o MPF ganhar, Moro perde
É que, acolhidos os argumentos do MP junto ao TRF-4, revoga-se a sentença, por desconsiderar fato existente e, se aceitos os da defesa, apenas se remete o processo à Justiça Paulista, desconstituindo-se a sentença mas validando os atos processuais havidos em Curitiba.
Minha sábia avó dizia o velho rifão: é mais fácil pegar um mentiroso que a um coxo.
O problema é que este país está cheio de mentirosos capazes de proclamar que a sentença de Moro não é capenga.
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