Rafael Correa: 'Restauração conservadora é um Plano Condor 2'
por Murilo Matias — publicado 19/03/2018 17h39, última modificação 19/03/2018 19h37
Em entrevista a CartaCapital, ex-presidente equatoriano acusa Lenín Moreno de traição e deixa em aberto retorno a seu país
Roberto Stuckert Filho/Agência Brasil
Dilma e Correa em 2016: líder do Equador condena golpe contra petista
Rafael Correa deixou a presidência do Equador depois de dez anos no poder e quatro eleições vencidas, mas continua intensamente presente na política de seu país. Após sua Revolução Cidadã eleger o sucessor, Lenín Moreno, e 74 de 130 congressistas, uma inesperada guinada de rumo do novo mandatário coloca dúvidas sobre a continuidade do movimento responsável pela inclusão social de mais de dois milhões de equatorianos, redução das desigualdades e enfrentamento a setores da classe dominante.
No Brasil para uma série de encontros com líderes como Lula, Dilma e Mujica, o ex-presidente, que está engajado na formação de um novo partido político, falou com exclusividade a CartaCapital sobre a situação da esquerda em seu país, as dificuldades do campo progressista na América Latina, a perseguição a figuras populares e as novas estratégias da direita a serem enfrentadas pelo campo popular.
CartaCapital: Como a disputa política, de tão difícil compreensão sobretudo para quem está distante, tem afetado a vida da população?
Rafal Correa: Desde 24 de maio, a Revolução Cidadã foi interrompida. Há uma ofensiva conservadora para derrubar tudo que foi criado ao longo de uma década. Claro que não podem destruir as escolas, acabar com as estradas, mas podem entregar o poder aos de sempre. Essas pessoas esperavam um momento para nos trair, já que não conseguiam nos vencer nas urnas, e buscaram um traidor para roubar nosso triunfo e frear a continuidade do nosso projeto de esquerda, o que é gravíssimo para o povo.
CartaCapital: Como a disputa política, de tão difícil compreensão sobretudo para quem está distante, tem afetado a vida da população?
Rafal Correa: Desde 24 de maio, a Revolução Cidadã foi interrompida. Há uma ofensiva conservadora para derrubar tudo que foi criado ao longo de uma década. Claro que não podem destruir as escolas, acabar com as estradas, mas podem entregar o poder aos de sempre. Essas pessoas esperavam um momento para nos trair, já que não conseguiam nos vencer nas urnas, e buscaram um traidor para roubar nosso triunfo e frear a continuidade do nosso projeto de esquerda, o que é gravíssimo para o povo.
Não se trata de diferentes formas de ser, são coisas muito profundas, ideológicas e éticas. A ditadura perfeita é a que tem a cumplicidade dos meios de comunicação e Lenín pactou com a imprensa mais corrupta. É como se aqui ganhasse Dilma e ela se aliasse ao grupo Globo, ou Scioli aderisse ao Clarín, na Argentina. Foi o que fez Moreno ao conseguir juntar toda a direita, nossos adversários e parte do poder público para perseguir e destroçar dez anos de profundas mudanças no Equador. Estamos fora do estado de direito, colocaram uma vice-presidenta inconstitucional, promoveram uma consulta que rompeu a divisão de poderes e impuseram um presidente da Assembleia. Estão perseguindo pessoas inocentes, o mesmo que estão fazendo com Lula.
CC: Como o progressismo rebate a utilização de instrumentos democráticos como consultas e referendos que ao fim servem a interesses de grupos hegemônicos e antipopulares?
RC: Realizamos quatro consultas nacionais, além de locais, todas pela Constituição. A última consulta popular foi na verdade feita pela oposição derrotada nas urnas. Dizem que o governo venceu. Como, se depois de toda campanha de mentiras, de perguntas induzidas ainda houve resistência como no caso em que se tratava da proibição da reeleição inclusive com efeito retroativo a de anos exatamente para impedir que eu participe, porque sabem que nas urnas nós os barramos? Eu mesmo defendi a transitoriedade, rejeitei assinaturas públicas e qualquer movimento de nossa bancada no congresso para eu apresentar uma nova candidatura porque essa é a minha ética democrática. Dizem que a proibição é para garantir a alternância democrática, mas é para tirar o direito do eleitor de escolher quem queira.
Leia também:
No Equador, a esquerda se fragmenta
CC: Sobre a questão da reeleição, o senhor declarou que quando governos se reelegem na Europa trata-se de maturidade democrática, enquanto se o cenário for a América Latina a continuidade significa caudilhismo e ditadura.
RC: Esse é o erro que muitos analistas cometem. Há países europeus com reeleição indefinida. Hoje, os EUA podem ter um Trump ou não ter presidente que vão seguir funcionando, mas o sistema nasceu com reeleição ilimitada. Roosevelt ganhou quatro eleições e quando morreu no poder a direita e a esquerda, democratas e republicanos uniram-se para limitar o instituto e fazer um pacto oligárquico pelo controle do Estado. Ninguém deve ser imprescindível, mas há pessoas muito necessárias. Se um governo funcionou, por que mudá-lo? Basta de ingenuidade.
CC: Como o progressismo rebate a utilização de instrumentos democráticos como consultas e referendos que ao fim servem a interesses de grupos hegemônicos e antipopulares?
RC: Realizamos quatro consultas nacionais, além de locais, todas pela Constituição. A última consulta popular foi na verdade feita pela oposição derrotada nas urnas. Dizem que o governo venceu. Como, se depois de toda campanha de mentiras, de perguntas induzidas ainda houve resistência como no caso em que se tratava da proibição da reeleição inclusive com efeito retroativo a de anos exatamente para impedir que eu participe, porque sabem que nas urnas nós os barramos? Eu mesmo defendi a transitoriedade, rejeitei assinaturas públicas e qualquer movimento de nossa bancada no congresso para eu apresentar uma nova candidatura porque essa é a minha ética democrática. Dizem que a proibição é para garantir a alternância democrática, mas é para tirar o direito do eleitor de escolher quem queira.
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RC: Esse é o erro que muitos analistas cometem. Há países europeus com reeleição indefinida. Hoje, os EUA podem ter um Trump ou não ter presidente que vão seguir funcionando, mas o sistema nasceu com reeleição ilimitada. Roosevelt ganhou quatro eleições e quando morreu no poder a direita e a esquerda, democratas e republicanos uniram-se para limitar o instituto e fazer um pacto oligárquico pelo controle do Estado. Ninguém deve ser imprescindível, mas há pessoas muito necessárias. Se um governo funcionou, por que mudá-lo? Basta de ingenuidade.
É o povo que deve decidir, com eleições transparentes e universais. Atentam até contra a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que ratifica como razões exclusivas para impedir a participação política a nacionalidade ou o local de residência, mas nunca já haver ocupado um cargo. Trata-se de uma zona de terror em que buscam soluções extra-democráticas por meio da judicialização da política. Eu não pensava em me candidatar, mas só o temor de que poderia voltar foi suficiente. Pode-se enganar e manipular o povo com recursos da democracia direta. Trata-se de impedir a mim e ao progressismo. Já basta dessa dupla moral.
CC: Com a judicialização da política, há uma permanente tentativa de associar governos de esquerda à corrupção, além da perseguição a líderes. O vice-presidente Jorge Glass está preso e há muitos processos contra o senhor, Lula, Cristina Kirchner...
RC: A América está calada e se seguirmos assim só nos faltará a volta dos militares. As ditaduras dos anos 70 não regressam porque não se necessita, existem estratégias supostamente democráticas que impulsionam o 'lawfare', tudo aparentemente com uma imprensa livre. Estamos retrocedendo em nível constitucional e de direitos humanos. Há indícios claros de fraude em Honduras, perseguição ao kirchenrismo na Argentina com Cristina acusada de traição a pátria, algo que só acontecem em situação de guerra, e ninguém diz nada. Onde estão o Sistema Interamericano, a União Europeia? Se o que fazem contra Lula, Glass - que está preso sem nenhuma prova -, Cristina, Dilma fosse feito a um opositor na Venezuela, o país já teria sido invadido.
CC: Com a judicialização da política, há uma permanente tentativa de associar governos de esquerda à corrupção, além da perseguição a líderes. O vice-presidente Jorge Glass está preso e há muitos processos contra o senhor, Lula, Cristina Kirchner...
RC: A América está calada e se seguirmos assim só nos faltará a volta dos militares. As ditaduras dos anos 70 não regressam porque não se necessita, existem estratégias supostamente democráticas que impulsionam o 'lawfare', tudo aparentemente com uma imprensa livre. Estamos retrocedendo em nível constitucional e de direitos humanos. Há indícios claros de fraude em Honduras, perseguição ao kirchenrismo na Argentina com Cristina acusada de traição a pátria, algo que só acontecem em situação de guerra, e ninguém diz nada. Onde estão o Sistema Interamericano, a União Europeia? Se o que fazem contra Lula, Glass - que está preso sem nenhuma prova -, Cristina, Dilma fosse feito a um opositor na Venezuela, o país já teria sido invadido.
O mesmo ocorre comigo, não sei quantos processos tenho. A cada semanas casos de desvios são tratados como show pelos meios de comunicação para dar a entender que tudo é corrupção em nossa época. Nunca dizem onde está o dólar roubado, mas semeiam a dúvida. No caso Odebrecht perceberam ser rentável politicamente decretar que éramos corruptos quando o atual presidente e seu grupo formavam parte da administração. Se houve corrupção generalizada, onde estiveram nesses anos todos? Foram cúmplices, tontos ou estão mentindo? Para nos perseguir e desprestigiar inventam dados sobre a economia e repetem mentiras jogando com o que há de mais sagrado num revolucionário, a moral. É impossível não haver casos de corrupção, mas o que faz um governo ser honesto é sua não tolerância com essa prática, e nós não toleramos a corrupção.
CC: O senhor vivenciou os golpes de Honduras, Paraguai e Brasil na condição de presidente e sofreu também uma tentativa de afastamento. Que papel a Unasul teve nesses momentos e que posição adota agora?
RC: Nunca houve um golpe de Estado contra um governo de direita, sempre contra a esquerda. Houve o golpe fracassado contra Chávez em 2002, ações separatistas na Bolívia e em seguida o golpe exitoso contra Zelaya em Honduras com descarada participação militar. Houve a deposição de Lugo (no Paraguai) aproveitando-se de incidentes violentos ocorridos no campo. Logo veio contra mim, quando estive mais de dez horas detido por grupos armados que ameaçavam tomar aeroportos e a Assembleia. Obtive o apoio das ruas para derrotar esse movimento. Recentemente, a consulta popular foi um golpe contra mim para impedir uma possível nova candidatura. O que se passou no Brasil é impensável. Um golpe parlamentar criado a partir de um bombardeio midiático que cria insatisfação ao dizer que tudo está mal. O PT tirou 38 milhões da pobreza, mas onde estiveram essas pessoas quando destituíram (Dilma) ilegalmente?
CC: Há um incremento no Brasil da presença dos militares em postos estratégicos. O Rio está sob intervenção militar e há um aumento da repressão a movimentos sociais e da violência, inclusive com crimes políticos como o cometido contra a vereadora Marielle Franco. Como se chegou a essa situação?
RC: O poder civil deve prevalecer. Temer as forças armadas é um retrocesso e é o que faz o atual governo. Lenín diz que confia muito nas forças armadas para dizer que sem eles não pode governar. Tive enfrentamentos fortes com o alto comando para que os soldados tivessem boas casas, bons salários. A repressão no Equador não é noticiada. Muitas pessoas vão à porta da cadeia em apoio a Glass e são repimidas.
CC: Diante do avanço da direita, fala-se em uma restauração conservadora. Qual a debilidade demonstrada pela esquerda para que a situação se apresente tão desfavorável?
A direta mudou suas estratégias. Em 2014, observamos uma organização de forças conservadoras com discursos articulados nacional e internacionalmente. A restauração é um Plano Condor 2. Nos anos 70 havia desaparecimentos e assassinatos, que ainda persistem como o ocorrido com a vereadora Marielle, mas agora não se respeita a democracia e os direitos humanos de formas mais sutis através do linchamento mediático, da judicialização. Nossos governos foram exitosos, mas claro que tiveram desgastes, como variações de ciclo econômico, a queda de preço de alimentos, minerais, do petróleo que chegou a cem reais o barril e depois estava em dezesseis. Tivemos anos difíceis ainda com terremotos, multas por conta de tratados de comércio e apressadamente falavam em fracasso e condenavam nossas políticas públicas ao invés de reconhecer que elas evitavam o colapso do país.
CC: Como está a formação do novo partido depois da ruptura da Aliança País e como se dá a relação de forças no Congresso a partir do novo cenário?
RC: Ganhamos a eleição presidencial e a maioria na Assembleia não por causa de Lenín, mas pela Revolução Cidadã. Soubemos agora que já durante o segundo turno Lenín estava pactando com a direita e ao chegar ao poder passou a promover o programa da oposição. Dos 74 eleitos, ficamos com 29 e o restante está com o governo. Há muita gente leal, mas o que me surpreendeu foi que a maioria das pessoas se enganaram, outras se venderam por cargos ou covardia e várias foram ameaçadas. Já me ligaram chorando dizendo que não podiam fazer diferente, mas outras pessoas passaram pelo mesmo e fizeram diferente. Agora, no Congresso, não há maioria e a gestão se alia à direita, rompe a Constituição, compra a imprensa e a direção do partido, por isso estamos formando um partido novo. Mesmo que eles fiquem com nossa tradição, a infraestrutura, o povo está conosco. A Aliança País passou de ser a legenda com maior apoio popular, com 30%, para o patamar de 8%.
CC: Durante seu mandato o senhor promovia sabatinas para estar em contato com a população. Como deve ser feito o enfrentamento no campo comunicacional?
RC: Se a esquerda não entendeu que a imprensa burguesa é o principal inimigo, não entendemos nada. Sem a imprensa, a direita não poderia fazer o que faz. Eu tinha mais credibilidade do que a imprensa e capacidade de comunicação a partir do governo. Em 2007, de sete canais nacionais, cinco eram de oposição. Nenhum pobre tem canal de televisão. Os meios de comunicação são comprados para defender os interesses dos grupos dominantes, não para informar. Precisamos mudar as relações para o poder estar na mãos da maioria e transformar o Estado para servir a todos, principalmente aos mais pobres. É necessário mudar a imprensa imoral e corrupta que domina a América Latina e age para manter o status quo.
CC: Como avalia o cenário de eleições em Brasil, México e Venezuela, e a perspectiva da retomada da esquerda em países centrais da região?
RC: Em 2013, vivemos a época de ouro do progressismo. Oito de dez países sul-americanos tinham governos de esquerda, com exceção de Peru e Colômbia. Quatro anos depois, ocorre essa mudança brutal. A América Latina é uma região de surpresas. Não sabemos o que vai ocorrer nos próximos meses e anos. Maduro deve ganhar na Venezuela, por isso a oposição quer postergar a disputa. Lula deve ganhar no Brasil e Obrador no México. Se Evo Morales concorresse, venceria na Bolívia e o mesmo se passaria conosco no Equador. Nossos povos podem se aturdir, mas despertarão e a retomada será importante.
CC: Com a nova situação política o senhor decidiu regressar em definitivo ao Equador ou permanecerá na Bélgica?
RC: Somos uma família que não deseja luxos. Sempre vivemos em nossa casa de classe média, minha mulher permaneceu como professora primária por dez anos e minhas filhas somente foram estudar fora por conta da pressão mediática a que estavam expostas. Meus planos eram me retirar da política equatoriana por um tempo pelo menos, mas a traição sofrida e os companheiros que precisavam de apoio exigiam minha presença. Agora, meu futuro está indefinido.
CC: O senhor vivenciou os golpes de Honduras, Paraguai e Brasil na condição de presidente e sofreu também uma tentativa de afastamento. Que papel a Unasul teve nesses momentos e que posição adota agora?
RC: Nunca houve um golpe de Estado contra um governo de direita, sempre contra a esquerda. Houve o golpe fracassado contra Chávez em 2002, ações separatistas na Bolívia e em seguida o golpe exitoso contra Zelaya em Honduras com descarada participação militar. Houve a deposição de Lugo (no Paraguai) aproveitando-se de incidentes violentos ocorridos no campo. Logo veio contra mim, quando estive mais de dez horas detido por grupos armados que ameaçavam tomar aeroportos e a Assembleia. Obtive o apoio das ruas para derrotar esse movimento. Recentemente, a consulta popular foi um golpe contra mim para impedir uma possível nova candidatura. O que se passou no Brasil é impensável. Um golpe parlamentar criado a partir de um bombardeio midiático que cria insatisfação ao dizer que tudo está mal. O PT tirou 38 milhões da pobreza, mas onde estiveram essas pessoas quando destituíram (Dilma) ilegalmente?
CC: Há um incremento no Brasil da presença dos militares em postos estratégicos. O Rio está sob intervenção militar e há um aumento da repressão a movimentos sociais e da violência, inclusive com crimes políticos como o cometido contra a vereadora Marielle Franco. Como se chegou a essa situação?
RC: O poder civil deve prevalecer. Temer as forças armadas é um retrocesso e é o que faz o atual governo. Lenín diz que confia muito nas forças armadas para dizer que sem eles não pode governar. Tive enfrentamentos fortes com o alto comando para que os soldados tivessem boas casas, bons salários. A repressão no Equador não é noticiada. Muitas pessoas vão à porta da cadeia em apoio a Glass e são repimidas.
CC: Diante do avanço da direita, fala-se em uma restauração conservadora. Qual a debilidade demonstrada pela esquerda para que a situação se apresente tão desfavorável?
A direta mudou suas estratégias. Em 2014, observamos uma organização de forças conservadoras com discursos articulados nacional e internacionalmente. A restauração é um Plano Condor 2. Nos anos 70 havia desaparecimentos e assassinatos, que ainda persistem como o ocorrido com a vereadora Marielle, mas agora não se respeita a democracia e os direitos humanos de formas mais sutis através do linchamento mediático, da judicialização. Nossos governos foram exitosos, mas claro que tiveram desgastes, como variações de ciclo econômico, a queda de preço de alimentos, minerais, do petróleo que chegou a cem reais o barril e depois estava em dezesseis. Tivemos anos difíceis ainda com terremotos, multas por conta de tratados de comércio e apressadamente falavam em fracasso e condenavam nossas políticas públicas ao invés de reconhecer que elas evitavam o colapso do país.
CC: Como está a formação do novo partido depois da ruptura da Aliança País e como se dá a relação de forças no Congresso a partir do novo cenário?
RC: Ganhamos a eleição presidencial e a maioria na Assembleia não por causa de Lenín, mas pela Revolução Cidadã. Soubemos agora que já durante o segundo turno Lenín estava pactando com a direita e ao chegar ao poder passou a promover o programa da oposição. Dos 74 eleitos, ficamos com 29 e o restante está com o governo. Há muita gente leal, mas o que me surpreendeu foi que a maioria das pessoas se enganaram, outras se venderam por cargos ou covardia e várias foram ameaçadas. Já me ligaram chorando dizendo que não podiam fazer diferente, mas outras pessoas passaram pelo mesmo e fizeram diferente. Agora, no Congresso, não há maioria e a gestão se alia à direita, rompe a Constituição, compra a imprensa e a direção do partido, por isso estamos formando um partido novo. Mesmo que eles fiquem com nossa tradição, a infraestrutura, o povo está conosco. A Aliança País passou de ser a legenda com maior apoio popular, com 30%, para o patamar de 8%.
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CC: Como avalia o cenário de eleições em Brasil, México e Venezuela, e a perspectiva da retomada da esquerda em países centrais da região?
RC: Em 2013, vivemos a época de ouro do progressismo. Oito de dez países sul-americanos tinham governos de esquerda, com exceção de Peru e Colômbia. Quatro anos depois, ocorre essa mudança brutal. A América Latina é uma região de surpresas. Não sabemos o que vai ocorrer nos próximos meses e anos. Maduro deve ganhar na Venezuela, por isso a oposição quer postergar a disputa. Lula deve ganhar no Brasil e Obrador no México. Se Evo Morales concorresse, venceria na Bolívia e o mesmo se passaria conosco no Equador. Nossos povos podem se aturdir, mas despertarão e a retomada será importante.
CC: Com a nova situação política o senhor decidiu regressar em definitivo ao Equador ou permanecerá na Bélgica?
RC: Somos uma família que não deseja luxos. Sempre vivemos em nossa casa de classe média, minha mulher permaneceu como professora primária por dez anos e minhas filhas somente foram estudar fora por conta da pressão mediática a que estavam expostas. Meus planos eram me retirar da política equatoriana por um tempo pelo menos, mas a traição sofrida e os companheiros que precisavam de apoio exigiam minha presença. Agora, meu futuro está indefinido.
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