PRIMAVERA
Esquivel vê democracia desprotegida pelo Judiciário e insistirá por visita a Lula
Impedido de visitar o ex-presidente, argentino afirma que democracia não se ganha, mas é conquistada. Prisão de Lula é ápice de agressão à democracia, diz parlamentar Argentina
por Redação RBA publicado 19/04/2018 09h10, última modificação 19/04/2018 10h42
RICARDO STUCKERT
São Paulo – Barrado em sua tentativa de visitar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nesta quarta-feira (18), o ativista argentino Adolfo Pérez Esquivel afirmou à noite, durante evento na Universidade Federal do Paraná (UFPR) que a prisão do petista leva a uma reflexão "sobre que tipo de democracia queremos, que tipo de construção pensamos, para onde vamos, e por isso precisamos de unidade na diversidade". Ele evitou comentar a decisão judicial que impediu sua visita a Lula. "Não quero falar dos juízes", disse, duas vezes, "porque todos já sabemos."
Mesmo com a negativa judicial, Esquivel informou na manhã desta quinta-feira, por meio de advogados, que estará na unidade da Polícia Federal, "apesar de a juíza da 12ª Vara Federal de Curitiba, Carolina Lebbos, responsável pela custódia do ex-presidente, ter comunicado nos autos que não permite a realização de inspeção". De acordo com nota distribuída na manhã de hoje pela advogada, a juíza não chegou a despachar sobre a autorização da visita pessoal do Nobel da Paz. "Essa demora (em responder sobre a visita pessoal) a mim me parece muito perversa", diz Tânia.
"Assim que confirmou seu período de estadia na capital paranaense, suas advogadas protocolaram dois documentos junto ao Judiciário do Brasil no Paraná, com relação a visita ao ex-presidente Luiz Inacio Lula da Silva na prisão", diz o comunicado. No primeiro documento, Esquivel formalizou pedido para visitar Lula no cárcere, no dia estipulado para visitas da família e amigos.
Em resposta, o Ministério Público Federal atribuiu a Lula a autorização ou não de uma visita. "Por meio de seu advogado, Lula rapidamente respondeu que não só autorizava, como desejava ver o amigo argentino nesta quinta-feira. A imprensa noticiou a resposta de Lula e a juíza ignorou a petição, que até o presente momento não foi apreciada."
O ativista argentino assinala que, ao deixar de se manifestar (até o fechamento deste texto) sobre o pedido de visita, em sua condição de amigo pessoal, "protocolado antes e em caráter de urgência", a juíza Carolina Lebbos impede que um homem de 87 anos saiba se poderá se solidarizar com Lula, seu amigo há 36 anos.
Democracia do pós-guerra
Esquivel foi a último a falar no ato denominado Primavera da Constituição, que fez referência aos 30 anos da Carta, com críticas ao Supremo Tribunal Federal – e particularmente ao ministro do STF Edson Fachin, que saiu daquela universidade – e à decisão que resultou na prisão do ex-presidente. Para o reitor da UFPR, Ricardo Macedo Fonseca, em "tempos estranhos", como os atuais, de empobrecimento do debate público, é preciso que a instituição de ensino assuma protagonismo.
Ele citou um modelo de democracia constitucional firmado, depois da Segunda Guerra, em centralidade dos direitos e zelados por uma corte com papel em de "uma instância em que todos nós devemos confiar, que deve estar acima de qualquer suspeita e que tem de obedecer princípios imunes a pressões da mídia, de grupos, para não falar idiossincrasias ou vaidades pessoais".
Mas, segundo ele, este é um tempo "em que os tribunais constitucionais não desempenham aquelas missões que foram confiadas naquele modelo, em que defender direitos humanos passa a ser coisa de extremistas, em que universidades são censuradas quando decidem fazer eventos como este".
Esquivel lembrou que o evento de ontem à noite se tratava de um ato de paz, solidariedade e para reclamar a liberdade de Lula. Reafirmou que a democracia não se concretiza no simples fato de depositar o voto na urna. "A democracia é direito, é igualdade para todos e todas, não para alguns. Democracia não se ganha, se constrói, e paz não é ausência de conflito", disse o argentino. "Temos de estar unidos, superar as diferenças, ver aquilo que nos identifica, nos une." O ativista comparou o episódio no Brasil à deposição do presidente de Honduras, Manuel Zelaya, em 2009. "Mesma metodologia", afirmou. Teria sido uma "experiência piloto", acrescentou, referindo-se a a ação do sistema de Justiça, Ministério Público à frente, como estopim para o golpe que tirou do poder um presidente progressista.
Ele voltou a falar de sua campanha para que Lula ganhe o Prêmio Nobel da Paz, por suas políticas, quando presidente, voltadas para o combate à pobreza. Até as primeiras horas desta quinta (19), mais de 234 mil pessoas haviam aderido ao abaixo-assinado. Esquivel contou que na véspera foi à Favela da Maré, no Rio de Janeiro, e chamou a vereadora Marielle Franco de "lutadora". Ela e outras pessoas "são sementes de vida", acrescentou.
A deputada argentina Paula Cecilia Merchán (coligação Frente para a Vitória), do Parlamento do Mercosul, disse que também em seu país há presos políticos e pessoas que são mortas por lutar. "Os ataques à democracia têm como ponto mais alto a prisão de Lula", afirmou.
O ex-chanceler Celso Amorim citou "interesses internacionais" que se manifestaram no golpe brasileiro. "Não se trata apenas de direito individual do presidente Lula. É o direito do povo brasileiro de escolher seu presidente", disse Amorim, identificando "traços fascistas que se espelham em várias situações nós temos vivido". Para ele, "vivemos um tempo excepcional, de autoritarismo já manifesto, que possibilitou esse retrocesso social".
Pré-candidato ao governo do Rio de Janeiro, ele criticou o processo de intervenção no estado, que tem como "marco do fracasso" o assassinato de Marielle, além da recente execução de cinco jovens em Maricá, na região metropolitana do Rio. O diplomata também criticou o ataque de Estados Unidos, França e Inglaterra à Síria sem autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas. "Temos de lutar por Lula livre, Brasil independente e América Latina solidária", disse Amorim.
Processo legal
Apresentada como a primeira mulher a ocupar o cargo de diretora da Faculdade de Direito da UFPR, a professora Vera Karam de Chueiri falou em "procedimentos duvidosos, que romperam com a regra do jogo democrático e fizeram do princípio republicano uma quimera", referindo-se ao processo de impeachment de Dilma Rousseff. "Se nós partimos de uma visão progressista do constitucionalismo e da democracia, o princípio do devido processo legal deve ser o fundamento de todo e qualquer procedimento, sobretudo na seara da justiça", disse Vera, para quem isso seria preciso para garantir que não haverá "juízo de exceção". Mas ela observou que esse princípio "tem sido negligenciado nos últimos tempos".
O escritor e teólogo Leonardo Boff apontou uma fase de "barbárie" talvez sem precedentes. "Nunca na nossa história houve tanto ódio, tanta discriminação, tanta violência." Ele citou a elevada concentração da riqueza nas mãos de poucas pessoas e o comportamento de "casa-grande" das elites brasileiras. Contou ainda que o xale vermelho que usava seria dado a Lula, que em vídeo recente, pouco antes de ser preso, cobrou o presente do amigo. Boff defendeu uma "democracia sócio-cósmica", que considere, além dos seres humanos, animais e plantas, além do próprio planeta.
Artista plástico, Esquivel mostrou no palco um painel que pintou em 1990, Paño de Cuaresma, uma via-crúcis latino-americana, na qual aparecem personagens da região como Chico Mendes, Zumbi, Monsenhor Romero, Tupac Amaru, camponeses, favelados, meninos de rua, mães e avós em busca de seus filhos e netos sumidos pela ditadura. Lembrou que ele mesmo era um "sobrevivente do horror", representado pela repressão argentina, mas que trazia uma mensagem de "muita força e esperança".
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