Vídeo de Moro se divertindo com Zucolotto repercute e gera a pergunta: ele pode tudo? Joaquim de Carvalho
Desde que mandou prender o doleiro Alberto Youssef em 2014, oito anos depois de tomar conhecimento de que ele continuava delinquindo, Sergio Moro se tornou uma das pessoas com maior poder no Brasil.
Juiz de primeira instância, poderia ter sido barrado nas instâncias superiores, mas, fazendo uso eficiente da velha imprensa, emparedou autoridades que tentaram se contrapor aos seus excessos.
O caso mais expressivo foi o de Teori Zavascki, que, alertado em habeas corpus da ilegalidade da Lava Jato, anulou todas as prisões da primeira leva, inclusive a de Paulo Roberto Costa.
Era inicio de 2014 e Moro, a seu modo, reagiu. A vara que ele chefia vazou para a versão online da revista Veja que, entre os soltos, estaria um homem preso por tráfico, cliente de Youssef.
O caso repercutiu no Jornal Nacional e Teori foi à TV se explicar. Libertou apenas Paulo Roberto Costa, e manteve todos os outros na prisão.
Teori nunca falou sobre sua motivação, mas é provável que seu recuo tenha sido por medo da manipulação que Moro aprendeu a fazer da chamada opinião pública (ou publicada).
Dois meses depois, Moro capturou de novo Paulo Roberto Costa, e desta vez ninguém mais se atreveu a contestá-lo. Hoje, solto por acordo de delação premiada e vivendo com um padrão de vida, Paulo Roberto sumiu do noticiário.
Mas Moro continua, e já não desperta tanto temor quanto antes. Continua forte — tanto que o Conselho Nacional de Justiça não vota a representação contra ele pelo vazamento ilegal das escutas telefônicas da então presidente Dilma Rousseff.
Mas é possível que tenha chegado à fase em que, depois de escalar o monte, começa a descer a ladeira. A conferir.
Um indício nessa direção é o vídeo vazado em que ele aparece, com a língua enrolada, pedindo mais uma rodada de cerveja no bar, ao lado de Carlos Zucolotto Junior, o advogado amigo que um réu da Lava Jato, o advogado Rodrigo Tacla Durán, acusa de tentar lhe vender facilidade em acordo de delação premiada. Vídeo abaixo.
No bar, estava o cantor Fagner, desafinado, que lhe homenageia com a música Borbulhas de Amor. O encontro de Fagner com o juiz foi proporcionado pelo empresário Joel Malucelli, envolvido num caso de corrupção investigado pela Lava jato.
Segundo o Ministério Público Federal, a empreiteira de Malucelli pagou propina para participar de um dos consórcios que construíram a usina de Belo Monte. Foi Malucelli, amigo de Moro, quem proporcionou a ida de Fagner a Curitiba, quando os tempos eram outros — Dilma ainda não havia sido cassada.
O bar em que se divertem é o Paraguassu Grelhados, de um irmão de Carlos Zucolotto Júnior, João Luiz Zucoloto (este é grafado com único Z).
A mãe de ambos, Olga Zucoloto, se livrou ha alguns anos de uma acusação fraude à execução fiscal, numa manobra que transferiu a propriedade de um imóvel penhorado a Carlos Zucolotto (para saber mais, veja reportagem).
Na época em que Moro se divertia no Paraguassu Grelhados com Fagner, em 2015, Olga almoçou com Moro e postou em seu facebook uma foto em que demonstra intimidade com o juiz Moro, que gerou um diálogo com amigas:
— Aeee dona Olga.. Tietando rs.
Outra, de sobrenome Moro, destacou:
— Quanto orgulho deste homem! Que Deus abençoe a vida dele, cada dia.
Outra perguntou:
— Conta aí dona Olga. Quando vai ser o dia dos rojões?
— Fala pra ele prender logo o Lula e a Dilma kkkkk.
Olga diz que perguntou:
— Já falei. Ele só deu risada, disse que seria o maior foguetório do Brasil, adoro.
E reforça:
— O maior foguetório no Brasil. Ele só sorri.
Os Zucolotos (ou Zucolottos) não têm intimidade apenas com Moro. João, o dono do Paraguassu Grelhados, também já divulgou fotos com Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal.
Evangélico, Dallagnol não toma cerveja em público, mas já foi ao Paraguassu.
Deve ter ido para provar o espetinho que é a especialidade da casa — miolo de alcatra, cebola, tomate e bacon, empanados.
O petisco está concorrendo ao concurso Comida di Buteco deste ano e, por conta disso, mereceu recentemente há uma generosa reportagem da RPC, a afiliada da Globo em Curitiba.
No capítulo sobre integridade pessoal e profissional, está escrito:
INTEGRIDADE PESSOAL E PROFISSIONAL
Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura.
Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral.
Art. 17.É dever do magistrado recusar benefícios ou vantagens de ente público, de empresa privada ou de pessoa física que possam comprometer sua independência funcional.
Art. 18. Ao magistrado é vedado usar para fins privados, sem autorização, os bens públicos ou os meios disponibilizados para o exercício de suas funções.
Art. 19. Cumpre ao magistrado adotar as medidas necessárias para evitar que possa surgir qualquer dúvida razoável sobre a legitimidade de suas receitas e de sua situação econômico-patrimonial.
Mas ele já coisas, digamos assim, mais chocantes, como aparecer em público, em conversa alegre e demonstrando intimidade, com um homem afundado até o pescoço na lama da corrupção: Aécio Neves. Neste caso, teria ferido o capítulo da imparcialidade:
IMPARCIALIDADE
Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.
Art. 9º Ao magistrado, no desempenho de sua atividade, cumpre dispensar às partes igualdade de tratamento, vedada qualquer espécie de injustificada discriminação.
Parágrafo único. Não se considera tratamento discriminatório injustificado:
I – a audiência concedida a apenas uma das partes ou seu advogado, contanto que se assegure igual direito à parte contrária, caso seja solicitado;
II – o tratamento diferenciado resultante de lei.
Moro tem carta branca, pelo menos no Tribunal Regional da 4a. Região, o mesmo que confirmou a condenação de Lula. Com apenas um voto contrário, a tribunal considerou que Moro conduz um caso único e, por isso, escapa do regramento genérico. A decisão foi tomada quando advogados reclamaram que Moro violou a Constituição ao divulgar escutas telefônicas da presidente Dilma Roussef.
O relator do processo, desembargador federal Rômulo Pizzolatti, não viu nenhum indício de infração disciplinar.
“É sabido que os processos e investigações criminais decorrentes da chamada operação ‘lava jato’, sob a direção do magistrado representado, constituem caso inédito (único, excepcional) no Direito brasileiro. Em tais condições, neles haverá situações inéditas, que escaparão ao regramento genérico, destinado aos casos comuns”, afirmou.
Desde então, se sabe que, em Curitiba, a 13a. Vara Federal Criminal é um juízo de exceção e seu titular, Sergio Moro, uma autoridade blindada.
Mas fica a pergunta: Até quando?
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