terça-feira, 4 de setembro de 2018

Eleições 2018 Rio de Janeiro, uma eleição nas ruínas

Política

Eleições 2018

Rio de Janeiro, uma eleição nas ruínas

por Rodrigo Martins — publicado 04/09/2018 00h30, última modificação 03/09/2018 18h27
Em uma das mais graves crises de sua história, o estado também padece com a ausência de alternativas políticas
MIDIA SOCIAL
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Eduardo Paes tenta desvincular-se de Sérgio Cabral, seu padrinho na política
Há pouco mais de dois anos, o governo fluminense decretou situação de calamidade financeira no Rio de Janeiro. Reconhecida por lei e válida até o fim de 2018, a medida evitou a demissão de servidores e permitiu que o estado ficasse fora do alcance da Lei de Responsabilidade Fiscal.
O corte de gastos públicos e a renegociação das dívidas com a União não foram capazes, porém, de reverter o dramático cenário. Aprovada pela Assembleia Legislativa em julho, a Lei de Diretrizes e Bases Orçamentárias prevê um rombo de quase 10 bilhões de reais nas contas públicas pelos próximos três anos.
A economia local segue patinando. Um quinto da força de trabalho está subutilizada e 15,4% dos trabalhadores estão desempregados, bem acima da média nacional – que já é trágica e atinge 12,4% da população economicamente ativa. A regressão social assusta. As taxas de pobreza e extrema pobreza mais que dobraram desde 2014.
Pela enésima vez, o emprego das Forças Armadas na segurança pública mostra-se inócuo para conter a violência. Entre março e julho, já sob intervenção federal, houve um aumento de 3% no número de homicídios, sem falar da alta de 38% das mortes decorrentes de intervenções policiais.
Embora de responsabilidade da União, o incêndio no Museu Nacional na noite do domingo 2 é o mais recente retrato da ruína fluminense. A perda de um patrimônio histórico de valor inestimável por falta de recursos e fiscalização adequada do poder público é mais um triste episódio da penúria vivida pelo estado e o País.
Com a prisão do ex-governador Sérgio Cabral e de outros integrantes da cúpula do MDB fluminense, grupo que controla o estado há mais de uma década, o catastrófico quadro econômico e social poderia representar o triunfo da oposição.
Ou, quem sabe, ensejar um robusto movimento de renovação política, como tem propalado a mídia, sempre disposta a fabricar “novidades” para os eleitores. As mais recentes pesquisas acenam, porém, para uma disputa entre velhos conhecidos da população do Rio.
Nas primeiras sondagens eleitorais, divulgadas em maio, o ex-jogador Romário figurava na liderança isolada da corrida pelo Palácio da Guanabara, com mais de 10 pontos de vantagem sobre o segundo colocado.
Outsider na disputa, embora seja senador e tenha um mandato de deputado federal no currículo, o candidato do Podemos desidratou e pode ter perdido a dianteira. De acordo com pesquisa do Datafolha, publicada em 22 de agosto, agora o líder é o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes, do DEM, com 18% das intenções de voto.
Na sequência, vem Romário (16%) e o ex-governador Anthony Garotinho, do PRP (12%). Como a margem de erro é de 3 pontos porcentuais, eles estão tecnicamente empatados.
Em outra sondagem, publicada pelo Ibope dois dias antes, Romário ainda figurava na dianteira, com 14%. Paes e Garotinho vinham na sequência, com 12% cada. Novamente, em virtude da margem de erro de 3 pontos, o trio estava em empate técnico.
O crescimento dos adversários, antes mesmo do início da propaganda na tevê, acendeu um sinal de alerta na campanha de Romário. A sua coligação, a incluir Rede, PR e PPL, terá apenas 44 segundos no horário eleitoral gratuito.
Embora o tempo seja ligeiramente superior ao de Garotinho, o ex-governador conta com o apoio de igrejas evangélicas e do prefeito do Rio, Marcelo Crivella, enquanto o ex-jogador, mais reconhecido pela habilidade nos gramados do que na política, tem limitadas opções de palanque.
Nesse quesito, Paes é imbatível: conta com o respaldo de numerosos prefeitos do interior e terá 3 minutos e 43 segundos na tevê aberta. O tempo é mais de cinco vezes superior ao de seus principais oponentes, Romário e Garotinho. E quase o triplo do reservado à petista Marcia Tiburi, dona do segundo maior espaço (um minuto e 22 segundos).
“Houve certo açodamento da mídia em apostar que a renovação política seria a grande marca destas eleições. Balela, isso não ocorre nem na corrida presidencial nem nas disputas regionais”, observa o cientista político João Feres Júnior, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e coordenador do Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública, ligado à instituição de ensino.
“Na verdade, as pesquisas qualitativas, feitas com grupos focais, revelam um profundo descrédito da população com a classe política como um todo. Nem por isso se entende que o novo é necessariamente melhor. Ademais, as eleições têm data definida e os eleitores vão escolher entre as opções que estão à mão.”
É justamente o descrédito generalizado com os políticos, combinado com as circunstâncias locais, que impede a esquerda de tirar melhor proveito da implosão do MDB e da crise que castiga a população fluminense, avalia o especialista.
“Houve uma fragmentação muito forte de candidaturas. O PSOL tem uma estrutura partidária muito pequena. Lula é bastante popular no Rio, mas o PT, não. Muitos criticam o fato de o partido ter priorizado o projeto nacional nos últimos anos, entregando o estado para os emedebistas. A bem da verdade, o PT nunca teve muita força no Rio, que tem poucos sindicatos fortes.”
Hoje com 2% das intenções de voto, a candidata do PT confia na popularidade de Lula para crescer. Professora de filosofia, feminista, benquista por intelectuais e artistas, Tiburi pode rivalizar com o PSOL na disputa pelas preferências da classe média. Seu nome foi referendado pelo ex-presidente, que incumbiu ao ex-ministro Gilberto Carvalho a tarefa de auxiliá-la na disputa. 
Vereador da capital e professor licenciado, Tarcísio Motta, do PSOL, hoje figura com 5% das intenções de voto. Apesar dos míseros 9 segundos na tevê aberta, tem potencial para ampliar um pouco a margem. Há quatro anos, quando também disputou o governo do estado, conseguiu amealhar 712,7 mil votos, 8,9% do total.
Agora, espera superar a marca com um cabo eleitoral de peso: Marcelo Freixo, que chegou a disputar o segundo turno das eleições para a prefeitura do Rio e hoje concorre a uma vaga na Câmara dos Deputados, com a missão de ajudar o partido a superar a cláusula de barreira.
Dificilmente a esquerda conseguirá, no entanto, rivalizar com as velhas lideranças locais. No início do ano, Paes desfiliou-se do MDB e buscou abrigo no DEM do deputado Rodrigo Maia, candidato à reeleição e presidente da Câmara.
Embora o antigo partido figure na sua coligação, busca desesperadamente se desvincular da imagem de Cabral, seu padrinho na política.
O ponto frágil é habilmente explorado pelos adversários, que não hesitam em constrangê-lo nos debates com embaraçosas perguntas sobre a Lava Jato e o escândalo da máfia dos ônibus, que também arrastou para a cadeia o emedebista Jorge Picciani, homem forte da Assembleia Legislativa do Rio.
Preso com a esposa no fim de 2017 e denunciado por corrupção, organização criminosa e crimes eleitorais pelo Ministério Público, Garotinho também é alvo da artilharia dos adversários nos debates. Acusado de abastecer campanhas eleitorais com recursos ilícitos da JBS, confia no apoio dos evangélicos e na falta de memória dos eleitores sobre os resultados de sua gestão para crescer na disputa.
Sem experiência no Executivo, Ro-mário é o que demonstra maior fragilidade em temas econômicos. Visivelmente nervoso no primeiro debate, promovido pela Band, esquivou-se de perguntas sobre a situação financeira do estado de modo idêntico ao do presidenciável Jair Bolsonaro.
Disse não ser “especialista em economia” e indicou o assessor Guilherme Mercês para tratar do tema em sua campanha. Também faltou no último encontro dos candidatos, promovido pelos jornais O Globo e Extra.
Este último debate acabou marcado pelos ataques mútuos entre os adversários. Motta citou a delação de ex-dirigentes da Odebrecht, segundo a qual Paes teria abastecido suas campanhas com recursos ilícitos, por caixa 2. O ex-prefeito é apontado como o “Nervosinho” nas planilhas da empreiteira.
Garotinho não perdeu a oportunidade de fustigá-lo: “O Eduardo está bastante nervoso, é visível. Justifica o apelido de Nervosinho”. No fim do evento, o ex-prefeito rebateu a provocação. “O Garotinho é um pouco... Sabe o punguista da Primeiro de Março? Que bate a carteira e grita ‘pega ladrão’? Difícil disputar com um sujeito que foi preso três vezes.”
Em meio à troca de acusações entre os favoritos na disputa, o debate sobre as propostas para retirar o Rio do atoleiro fica em segundo plano. Recentemente, a Assembleia Legislativa do Rio derrubou um veto do atual governador, Luiz Fernando Pezão, a um projeto que concedeu 5% de reajuste para servidores do Judiciário e do Ministério Público.
O ato representa um descumprimento do acordo firmado pelo estado com o governo federal. Para suspender o pagamento das dívidas com a União e obter aval do Tesouro para contrair empréstimos, o governo fluminense aderiu a um rígido programa de austeridade fiscal, além de se comprometer a privatizar empresas públicas como a Companhia Estadual de Água e Esgoto (Cedae).
Desde que aderiu ao Regime de Re-cuperação Fiscal, em setembro de 2017, o estado do Rio deixou de pagar à União 18,8 bilhões de reais. Se decidir abandonar o programa ou acabar excluído por descumprimento das exigências, terá de ressarcir o valor, com pesados encargos financeiros.
“Para se ter uma ideia, temos uma folha salarial de 3 bilhões de reais por mês. Seriam de cinco a seis meses sem pagar os servidores”, alertou o secretário estadual da Fazenda, Luiz Cláudio Gomes, ao O Globo.
Garotinho anunciou que pretende renegociar os termos do acordo. Paes garantiu que não pretende privatizar a Cedae. Romário, por sua vez, prometeu uma auditoria nas contas estaduais antes de decidir o que fazer.
De toda forma, o regime de recuperação fiscal imposto pelo governo federal parte do pressuposto equivocado de que o problema está no descontrole dos gastos, e não na queda das receitas, observa o economista Mauro Osório, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
“Não dá para simplesmente abandonar o programa, caso contrário o estado quebra, não terá condições de pagar sequer os funcionários públicos”, pondera Osório.
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As estatísticas evidenciam o fracasso da intervenção (foto: Mauro Pimentel)
“Mas os termos do acordo realmente deveriam ser revistos. A economia fluminense é excessivamente dependente do petróleo, cujo preço despencou no mercado internacional nos últimos anos. Entre 2013 e 2016, a receita proveniente dos royalties caiu de 12 bilhões para 4 bilhões de reais. Esse foi o estopim da crise que vivemos hoje.”
Para superar a crise, emenda o especialista, o estado não pode mais ficar tão dependente da extração da commodity. Precisa adotar uma estratégia de fomento ao desenvolvimento, voltado para os complexos econômicos que têm maior potencialidade, a exemplo da indústria de petróleo e gás. “Hoje, 80% dos fornecedores da Petrobras estão fora do Rio e 64%, no exterior”, lamenta. “Em vez 
de se preocupar apenas em cortar despesas, o governo deveria investir pesadamente para induzir a economia local. Há demanda por obras de infraestrutura na periferia da região metropolitana. Para se ter uma ideia, 40% das escolas de Duque de Caxias são abastecidas por carros-pipa.
Se o estado passar a investir nessas grandes obras, se criar uma espécie de Plano Marshall para a região, só terá benefícios. Vai favorecer as construtoras, gerar empregos e criar condições para a instalação de indústrias, ao mesmo tempo que dará resposta a demandas sociais reprimidas.”
Entre os líderes na disputa estadual não há, contudo, qualquer projeto consistente nessa direção. Enquanto isso, o cenário social ganha contornos cada vez mais dramáticos.
No segundo trimestre de 2018, a taxa de desocupação atingiu 15,4% dos trabalhadores fluminenses, quase o triplo do que havia há pouco mais de três anos (gráfico à pág. 29). Pelos cálculos de Osório, o Rio perdeu 540,8 mil empregos com carteira assinada de janeiro de 2015 a julho de 2018.
Não é tudo. No estado, a extrema pobreza mais que dobrou em apenas três anos, retrocedendo ao mesmo patamar de duas décadas atrás, revelam dados preliminares de um estudo conduzido pelo demógrafo Paulo Jannuzzi, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, por Marcelo Vieira, professor-associado da PUC Rio, e pela consultora Daniela Gomes.
A miséria atingia 1,3% da população fluminense em 2014, e passou a afetar 3,4% em 2016, um total de 567 mil desvalidos.
Para definir quem é extremamente pobre, os pesquisadores utilizam os parâmetros de público-alvo definidos pelo Plano Brasil Sem Miséria (renda mensal inferior a 70 reais em valores de 2011, o equivalente a 1,25 dólar por dia, o mesmo critério usado à época pelo Banco Mundial).
Os indicadores foram compilados com base em estatísticas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE. O estudo, obtido com exclusividade por CartaCapital, será publicado no fim do ano.
O porcentual de cidadãos na pobreza (a viver com até 140 reais mensais em valores de 2011) também aumentou significativamente, atingindo 6% da população em 2017, cerca de 1 milhão de cidadãos, o maior índice em dez anos. Na verdade, a regressão social pôde ser constatada em todo o País, mas a miséria avançou no Rio de forma muito mais intensa.
“O aumento da pobreza está associado ao crescimento do desemprego e ao desmantelamento da rede de proteção social. Não se expandiu o número de beneficiários do Bolsa Família e o valor dos repasses ficou congelado por dois anos”, diz Jannuzzi.
“Para 2018, não há nenhum sinal de reversão do processo de pauperização. A julgar pelo visível crescimento da população em situação de rua no Rio, é possível que o cenário tenha se agravado.” 

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