A CRÍTICA DOS ELEITORES AO PT E À CENTRO-ESQUERDA
O cientista político Alberto Carlos Almeida faz uma extensa análise sobre as votações do PT nas eleições presidenciais e indica algumas lições que o partido deve aprender com o resultado das urnas neste ano; entre elas estão (1) estar atento ao surgimento de novos problemas e de novos temas e dar respostas às agendas inteiramente novas, que estejam fora das pautas tradicionais do partido; (2) governantes de centro e centro-esquerda não podem produzir crises que fragilizem o poder de compra dos mais pobres; e (3) abordagem mais técnica do eleitorado para realizar eventuais inflexões nas propostas e comunicação; "A mãe de todas as lições: é preciso alguma renovação nas propostas, na imagem, na comunicação e os quadros eleitorais"
7 DE NOVEMBRO DE 2018 ÀS 22:48 // INSCREVA-SE NA TV 247
247 - O cientista político Alberto Carlos Almeida faz uma extensa análise sobre as votações do PT nas eleições presidenciais e indica algumas lições que o partido deve aprender com o resultado das urnas neste ano.
Entre elas estão (1) estar atento ao surgimento de novos problemas e de novos temas e dar respostas às agendas inteiramente novas, que estejam fora das pautas tradicionais do partido; (2) governantes de centro e centro-esquerda não podem produzir crises que fragilizem o poder de compra dos mais pobres; e (3) abordagem mais técnica do eleitorado para realizar eventuais inflexões nas propostas e comunicação. "A mãe de todas as lições: é preciso alguma renovação nas propostas, na imagem, na comunicação e os quadros eleitorais", diz ele.
Leia, abaixo, o artigo na íntegra:
A CRÍTICA DOS ELEITORES AO PT E À CENTRO-ESQUERDA
por Alberto Carlos Almeida
Alberto Carlos Almeida é autor de vários livros publicados pela Editora Record, dentre eles A cabeça do brasileiro, A cabeça do eleitor, O voto do brasileiro, Erros nas pesquisas eleitorais e de opinião, O dedo na ferida e Quem disse que não tem discussão?
NÃO É NECESSÁRIA A AUTO-CRÍTICA
BASTA A CRÍTICA DOS ELEITORES
O voto e a democracia são os melhores conselheiros para quem é democrata. Fundamentado nessa premissa, esse texto procura depreender quais as mensagens e recados enviados pelas urnas nas últimas eleições presidenciais.
A sociedade brasileira, para efeito de eleição presidencial, é claramente dividida em dois pilares. Isso já foi abordado por mim no livro O voto do brasileiro (Ed Record, 2018), onde tive a oportunidade de mostrar que nas eleições de 2006, 2010 e 2014 dois partidos, PT de centro-esquerda e PSDB de centro-direita, dividiram o eleitorado brasileiro da forma esperada: o partido de centro-esquerda tendo proporcionalmente mais votos junto ao eleitorado pobre e o partido de centro-direita, ao contrário, tendo mais força relativa junto ao eleitorado de classe média ou menos pobre.
Em 2018 esse fenômeno se repetiu, mas desta feita não com o PSDB e seu candidato, mas sim com alguém com uma agenda de extrema-direita e sem um partido tal como são, ou eram, PT e PSDB. Neste ano tivemos a quinta eleição consecutiva em dois turnos, e a primeira na qual o PT foi derrotado.
A avaliação da trajetória eleitoral do PT importa para todos aqueles que se opõem ao governo Bolsonaro. Digo isso porque ao finalizar a eleição de 2018 o PT foi o partido que ficou com a maior bancada de deputados federais, o maior número de governadores, perdeu percentualmente menos senadores do que os demais grandes partidos, e teve um candidato com 45% de votos válidos no segundo turno da eleição presidencial. Além disso, o PT é o principal opositor de Bolsonaro. Nesse sentido, sem desconsiderar a relevância de partidos como PSDB, PSB, PDT, para citar apenas alguns, o PT permanece sendo o pião do jogo, neste caso do jogo daqueles que consideram o governo Bolsonaro um risco para a democracia. O capital político e eleitoral do PT o qualifica para ser o principal rival do Governo Bolsonaro.
Assim sendo, o que aconteceu e acontecerá ao PT importa para todos os partidos da extrema-esquerda até o centro, vale listá-los: Psol, PC do B, PDT, Rede, PSB, PPS, PROS, e muitos políticos do Solidariedade, do PSDB, MDB e até mesmo do Podemos e do Avante.
Feito este preâmbulo, cumpre situar o que aconteceu à votação do PT nas últimas cinco eleições presidenciais, como ela evoluiu, o que condicionou essa evolução e o que pode ser feito tanto pelo PT quanto por todos os interessados no bom funcionamento da democracia brasileira para manter o PT no centro do palco.
Vale aqui antecipar um dos temas que será abordado no final deste texto. Em algum momento o sistema partidário brasileiro caminhará para ter bem menos partidos. A atual regra eleitoral, ao proibir as coligações, fará com que os menores partidos se unam aos maiores. Está no horizonte a existência de dois grandes partidos, além de três ou quatro menores que permitam formar maiorias parlamentares. É possível que esses dois grandes partidos sejam um de esquerda, uma espécie de moderno partido social-democrata, e outro partido de direita, que eventualmente possa emergir sob a liderança de Bolsonaro, caso ele vá além de ações conflituosas e busque agregar, ao menos em seu campo político.
Esse grande partido social-democrata pode ter no PT seu núcleo, seu centro de gravidade. É claro que existem muitos obstáculos pela frente, a começar pela dificuldade comum em todos os casos de fusão de instituições, sejam elas partidos ou empresas, de culturas internas e histórias inteiramente diferentes e, com frequência, muito difíceis de serem compatibilizadas. Um movimento nessa direção ocorre por conta de fatores externos, que forçam os partidos a fazê-lo. A nova legislação eleitoral, se não for modificada, ajudará bastante na formação desses dois grandes partidos.
O QUE OCORREU NAS ÚLTIMAS ELEIÇÕES
É importante iniciar essa reflexão pela trajetória eleitoral em segundo turno do PT. O gráfico 1 mostra que as votações de Lula 1 e Lula 2 são praticamente idênticas no percentual final, em 2006 ele é apenas 0,5 pontos menor do que em 2002. A grande diferença, facilmente observada nos mapas eleitorais, tem a ver com a composição do voto.
A eleição de Lula 1 é caracterizada por sua vitória em todos os estados do Brasil à exceção de Alagoas. Vale destacar que foi a única vez na qual o PT venceu em São Paulo, seu berço político e eleitoral. A distribuição de votos da eleição seguinte é inteiramente diferente. Lula 2 perde em São Paulo, nos três estados da Região Sul, em Roraima e em Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Esses estados nunca mais dariam ao PT a vitória em segundo turno.
A partir de 2006 passou a vigorar a distribuição regional de votos que caracterizou todas as eleições seguintes. Quanto mais pobre fosse um estado, maior a votação do candidato do PT e quanto menos pobre maior a votação de seu adversário.
A cada nova eleição o PT passou a perder algum estado que nunca mais voltou a dar vitória ao partido no segundo turno. Em 2010 o PT passou a perder no Espírito Santo, em Goiás, em Rondônia e no Acre. Em 2014 aconteceu o mesmo, o partido comandado por Lula foi derrotado em segundo turno nos mesmos estados de 2006, acrescidos dos estados que ele havia perdido em 2010.
A novidade de 2018 é que o PT além de ficar atrás no segundo turno nos mesmos estados que já havia perdido em 2010 e 2014, foi derrotado também no Amapá e Amazonas, por margens muito pequenas, e em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, por diferenças muito grandes, particularmente neste último. Se tais derrotas vieram para ficar, como ocorreu nos outros estados que mudaram de voto, isso pode ser uma péssima notícia para o PT, pode significar que ele terá muita dificuldade de vencer as eleições presidenciais vindouras.
Entre o segundo turno de 2006 e o de 2018 o PT perdeu 16 pontos percentuais do eleitorado nacional. Isso equivale a pouco menos do que o eleitorado de Minas Gerais e do Rio de Janeiro somados. De 2014 para 2018 o PT perdeu pouco mais de 7 milhões de votos. Isso é equivalente a todo o eleitorado do Paraná, que disputa com o Rio Grande do Sul a posição de quinto maior colégio eleitoral do Brasil.
A LIÇÃO 1: A PRIMEIRA DERROTA EM SEGUNDO TURNO
As perdas eleitorais do PT tem sido contínuas desde 2010. Apenas no Nordeste e no estado do Pará o partido se manteve firme e forte. Em todos os demais estados o PT perdeu eleitores em 2010, 2014 e 2018. A grande questão para o partido e seus possíveis aliados é se a reversão da perda é factível e, em caso afirmativo, o que pode ser feito com esse objetivo. A resposta a essas perguntas depende de compreendermos a natureza das perdas.
O primeiro passo é compreender o que leva um candidato a vencer uma eleição, seja ela municipal, estadual ou nacional.
Dito de uma forma muito resumida, a democracia pode ser compreendida sob múltiplos ângulos, um deles é o que afirma que a democracia é um mecanismo de resolução de problemas. Em 1994 o problema era a inflação, e o eleitorado escolheu alguém para combate-la. Em 2002 o problema era o desemprego e a dívida social e o eleitorado convocou alguém que ele considerava talhado para atacar esse problema. Em 2018 o problema é a corrupção e o eleitorado agiu da mesma forma, chamou aquele que foi considerado o mais adequado para isso.
Atacar um problema não significa resolvê-lo em definitivo. A inflação foi contida, mas de tempos em tempos é preciso dar mais atenção a seu possível retorno. A dívida social do Brasil com a população pobre continua grande, mas uma parte relevante foi combatida e o tema foi colocado na agenda para não mais sair. Corrupção nunca acaba, porém é possível também colocar esse tema na agenda de maneira definitiva.
Em 1994 Fernando Henrique foi eleito porque o principal problema do país nos anos anteriores, desde pelo menos 1986, havia sido a inflação. Fernando Henrique tinha o currículo adequado para isso, ao menos a partir do segundo semestre do ano de sua primeira eleição quando elaborou e implementou o Plano Real. O candidato que dominou o principal tema da campanha venceu.
O controle da inflação resultou em uma explosão de consumo, cujos principais símbolos foram a possibilidade de a população ter acesso a dentaduras, iogurte e queijo. A consolidação do controle da inflação, acompanhada de seus benefícios quanto ao poder de compra, assegurou a reeleição de Fernando Henrique em 1998. Mais uma vez houve o encaixe perfeito entre o principal tema da campanha, o principal problema, e o candidato cujo currículo era o mais adequado para resolvê-lo.
Quatro anos mais tarde o segundo governo de Fernando Henrique estava mal avaliado. O Brasil vivia uma crise econômica caracterizada por um desemprego bastante elevado. Por outro lado, Lula havia disputado várias eleições presidenciais, o eleitorado o conhecia como sendo o ex-sindicalista, o líder dos movimentos sociais, alguém inteiramente dedicado à defesa dos interesses dos trabalhadores. Assim, quando na campanha ele fez a proposta de gerar 10 milhões de empregos, ele tinha credibilidade para isso. O candidato do Governo Fernando Henrique, Serra, não tinha porque pertencia a um time de administradores que havia destruído empregos. Novamente estávamos diante da combinação perfeita entre o principal problema do eleitorado e o candidato mais adequado para resolvê-lo.
É possível desenhar o resultado de todas as eleições presidenciais, estaduais e municipais, ou melhor, quase todas, no Brasil e no mundo, mostrando que o candidato que se torna o dono do principal problema, aquele que transmite ao eleitor a imagem que irá resolver o principal problema, acaba sendo o vencedor.
Bolsonaro não fez parte de nenhum governo nacional ou estadual, ele não ocupou cargos executivos, seja por eleição ou como ministro e secretário de estado, tampouco indicou pessoas de sua confiança para ocupá-los. Ainda que tenha sido deputado federal por quase três décadas, como ele mesmo Bolsonaro afirmou em entrevista durante a campanha na bancada do Jornal Nacional da Rede Globo, por ser um deputado do baixo clero ele não se envolveu em grandes escândalos de corrupção, cujo melhor exemplo foi, nos últimos anos, a Petrobras e o que foi investigado no âmbito da Lava-jato.
Depois de pelo menos quatro anos com forte cobertura midiática de escândalos de corrupção, o eleitorado passou a considerar esse o maior problema do país. Além disso, passou a ser uma visão predominante que a corrupção era a fonte de vários problemas, como o desemprego e a baixa qualidade de todos os serviços públicos. Assim, o candidato que prometesse de maneira mais crível combater a corrupção tenderia a ser o favorito. O eleitor médio enxergou em Bolsonaro esse ator.
Em 2014 a candidatura de Marina terminou o primeiro turno com 21,32% de votos válidos. Quem a escolheu não queria nem PT, nem PSDB. O voto em Marina era, de alguma maneira, o voto daqueles que rejeitavam os dois principais partidos que até então disputavam com chances de vitória a eleição presidencial.
Ocorre que de 2014 até 2018 a imagem do sistema político piorou muito. A crise econômica profunda e abrangente foi combinada com escândalos de corrupção inéditos na história do país. Os principais partidos do sistema eram PT e PSDB juntamente com o antigo PMDB, que sempre esteve presente nas alianças governamentais e, portanto, gozou em todo o período de muita visibilidade.
Nos quatro que se seguiram a 2014 vimos o desemprego aumentar, o poder de compra da população despencar, e o noticiário afirmar que o sistema político é inteiramente corrupto. As imagens televisivas de tubulações de esgoto jorrando dinheiro, superpostas àquelas telas retangulares com a legenda de gravações entre políticos negociando propinas, rechearam o noticiário assistido pela maioria dos eleitores.
Assim, nosso eleitorado chegou a duas conclusões simples: a atividade política é uma atividade criminosa e, não custa enfatizar, todos os nossos males derivam da corrupção. De posse dessa visão de mundo os eleitores passaram a procurar um candidato que os representasse. Foi então que encontraram Jair Bolsonaro.
O voto que levou Bolsonaro a vencer foi um voto anti-sistema. É interessante que ele tenha sido verbalizado durante a campanha como um voto anti-PT quando 30% de todo o eleitorado afirmava que "não votaria em um candidato do PT de jeito nenhum" e Bolsonaro teve 46 e 55% dos votos respectivamente no 1º e 2º turno. O voto que realmente decidiu a eleição foram os 16 pontos do 1º e 25 pontos percentuais do 2º turno de eleitores que não necessariamente eram anti-petistas. Em suma, o voto exclusivamente anti-PT não teria levado Bolsonaro à vitória.
Na realidade os resultados eleitorais tomados em conjunto, e relativos ao poder constituído em Brasília, isto é, às eleições para presidente, deputados federais e senadores mostram que o "sistema", para os eleitores, era composto de PT, PSDB e MDB. Esses três partidos foram os que mais sofreram perdas. PSDB e MDB foram claramente preteridos pelo eleitor em favor de marinheiros de primeira viagem, ao menos no voto para a Câmara dos Deputados. Nada menos do que 23% (118) dos deputados federais eleitos nunca exerceram mandato algum, sequer de vereador.
Se o voto em Bolsonaro tivesse sido simplesmente anti-petista o partido de Lula não teria saído da eleição com a maior bancada de deputados federais, não teria sido o partido que menos perdeu senadores (proporcionalmente, comparando-se com os demais partidos associados ao sistema), não teria perdido apenas um governador de estado, nem teria alcançado 45% de votos presidenciais no segundo turno.
O voto em Bolsonaro foi, certamente, para retirar o PT do poder, mas porque ele, como PSDB e MDB, fazem parte de um sistema no qual a corrupção é a causadora do desemprego, do péssimo atendimento de saúde, do baixo nível de nossos alunos em testes como o Pisa, e da violência e assassinatos generalizados. Portanto, Bolsonaro foi eleito para acabar a corrupção, preferencialmente, se possível, com a ajuda de Sérgio Moro e de outros juízes a ele assemelhados.
Aqui surge o que denominarei de LIÇÃO 1 da democracia e do voto: a elite política, em particular aquela que controla os principais recursos de poder, e o cargo de presidente é o maior deles, deve estar atenta para o surgimento de novas demandas e agendas, como foi o caso do combate à corrupção e, em menor medida, do problema do crime e da segurança pública.
A dinâmica política que antecedeu a reeleição de Lula em 2006 foi um alerta. Em meados de 2005 eclodiu o escândalo do Mensalão. A sua força midiática foi tão grande que suscitou nos principais atores políticos da oposição o debate acerca de se tentar ou não o impeachment de Lula. O escândalo de 2005 resultou em uma ação penal levada a cabo pelo Supremo Tribunal Federal com a condenação de nada mais nada menos do que José Dirceu, aquele que foi em algum momento considerado o possível sucessor de Lula.
O Mensalão foi uma mensagem clara ao PT acerca do problema da corrupção. Não é meu objetivo discutir o mérito e a veracidade de processos e acusações. Limito-me a avaliar a corrupção como um fenômeno de opinião pública e de imagem, passível de se tornar uma agenda relevante e de mobilizar o voto tal como vimos agora em 2018. Nesse sentido, o Mensalão foi mais do que um alerta, foi um aviso de que o partido poderia perder muito se seus líderes fossem associados à corrupção.
Assim, vamos a um resumo da LIÇÃO 1.
LIÇÃO 1: estar atento ao surgimento de novos problemas e de novos temas.
Procurar dar respostas às agendas inteiramente novas, que estejam fora das pautas tradicionais do partido, da esquerda e do centro.
O que o voto de 2018 revela é que o PT não foi visto pela maior parte do eleitorado como aquele que poderá atacar o problema da corrupção. Considero que a mensagem do Mensalão não tenha sido ouvida por duas razões: o sucesso eleitoral presidencial de Lula em 2006 e de Dilma em 2010, e a dificuldade de atacar as raízes do problema, que é o arranjo institucional que vigora nas relações entre o Congresso e o Poder Executivo.
Começando por esse último, uma das denúncias mais interessantes do escândalo da Lava-Jato diz respeito ao Partido Progressista (PP). Toda a imprensa noticiou as narrativas de vários réus e testemunhas da Lava-Jato acerca do fato de o PP não votar a favor das propostas do Governo Lula até o momento em que puderam nomear um diretor da Petrobras de sua confiança. Basta tomar esse exemplo como caso específico de uma prática generalizada. Para se governar é preciso distribuir cargos e, preferencialmente, dando total autonomia decisória a seu ocupante e às forças políticas que o indicaram. Se isso não for realizado, não há governo, pois ele perderia todas as votações nas duas casas legislativas. O sucesso dos governos do PT se deve ao fato de eles terem aceito essa prática usual.
O segundo fator que dificultou ao PT encarar de frente a mensagem do Mensalão foram as vitórias nas eleições presidenciais seguintes. A imagem da corrupção não havia impedido o partido de manter o controle da presidência, crescer no Senado, conquistar mais prefeituras e governos estaduais. A prova maior disso foi vitória de Fernando Haddad em 2012 na eleição para prefeito de São Paulo ao mesmo tempo em que o Mensalão era julgado pelo STF e inúmeros petistas eram condenados. O PT era o dono do tema da melhoria do bem-estar dos pobres. Bastava manter o controle dessa agenda que as vitórias eleitorais estariam sempre acompanhando o partido.
Isso era verdade até que veio o primeiro Governo Dilma e a eleição de 2014.
A LIÇÃO 2: A QUASE-DERROTA DE 2014
A derrota de 2018 motivou a busca da LIÇÃO 1. Contudo, há na quase-derrota de 2014 um grande ensinamento. Note-se que estou indo além de aprender com apenas um fracasso inteiramente constituído, mas proponho aprender também com o quase-fracasso.
O arredondamento facilita a memorização. Assim, podemos dizer que Lula venceu suas duas eleições em segundo turno abrindo 20 pontos percentuais de vantagem. Na eleição de Dilma 1 foram 12 pontos. Porém, agora não cabe arredondar, Dilma venceu Aécio por uma margem de somente 3,28 pontos. Isso ocorreu porque uma crise econômica eclodiu durante o Governo Dilma.
O que ocorreu antes de 2014 tem ligação com o resultado da eleição de 2018. Qualquer um poderá encontrar na internet pesquisas públicas da reta final do segundo turno de 2018, elas mostraram que Bolsonaro se saía melhor do Haddad como o candidato que iria gerar mais empregos e fazer o Brasil votar a crescer. Esse resultado só foi possível graças à crise econômica que teve início no primeiro Governo Dilma. O eleitorado se lembra desse período. E aqui entra a resposta a um enigma: por que nas pesquisas feitas antes da eleição Lula tinha muito mais votos do que Haddad? Por que o seu indicado ficou tão distante dos votos que Lula tinha? Isto é, muitos eleitores que declaravam voto em Lula, quando Lula saiu passaram a votar em Bolsonaro e não em Haddad que é do PT e tinha o apoio de Lula. Por quê?
Votar em Lula era sinônimo de sair da crise econômica. Nesse aspecto o eleitor separava dois governos do PT, o Governo Lula e o Governo Dilma. Se fosse para reviver os bons tempos do Governo Lula, tudo bem, o eleitor aceitava votar nele, porém, uma vez que Lula não seria o candidato, um segmento importante se sentiu livre para votar em alguém que representasse alguma esperança de mudança também na economia, e não apenas no combate à corrupção.
Lula eleito seria bom, seria a volta a uma vida de melhorias, seria o resgate de um passado feliz, seria o mesmo que trazer esse passado para o tempo presente. Bolsonaro eleito seria uma tentativa de mudança. Há implícita nessa escolha a má avaliação do Governo Dilma. Por isso, aos olhos do eleitor nem Dilma era Lula, e nem Haddad poderia sê-lo. Bastaram sete milhões de eleitores (um estado do Paraná) pensando assim para transformar o resultado de 2014 no resultado de 2018.
De volta à quase-derrota, a minha leitura da crise de 2014 é diferente da maioria dos analistas. Faço um paralelo com as manifestações de maio de 1968, interpretadas pela grande maioria dos intelectuais como algo romantizado, representando a luta dos estudantes por um novo mundo, sem exploração, porém, analisada com os pés no chão por Tony Judt em seu magistral livro, Pós-Guerra, mostrando que o motivador daqueles levantes foi a falta de vagas em universidades para a crescente demanda dos jovens. Judt revela que tais revoltas foram mais fortes justamente nos países que menos absorviam os egressos do ensino médio.
O acerto da leitura de Judt foi indiretamente reconhecido por Daniel Cohn Bendit, o grande líder das jornadas parisienses, ao afirmar que as revoltas não haviam deixado herança alguma no que tange à mudança das estruturas de poder, mas apenas um certo ideal não alcançado de um mundo melhor, a desmobilização foi instantânea. Uma coisa certamente ocorreu, o ensino superior francês sofreu uma forte expansão e abertura de vagas no final da década de 1960 e início dos anos 70.
Algo semelhante ocorreu em 2013 no Brasil. Muitos romantizam como o rompimento do eleitorado com o sistema, alguns afirmam que foram motivados por redes sociais obscuras. Todavia, poucos salientam a superposição de dois eventos, uma inflação de alimentos crescente que tradicionalmente é maior em maio, e os gastos com os estádios inaugurados para a Copa das Confederações. A inflação de alimentos atinge em cheio o orçamento da grande maioria das famílias brasileiras, e o futebol mobiliza todo o país. Inflação crescente e desperdício de recursos públicos, este último trazido ao centro do palco pelo esporte nacional, foram os motivadores dos protestos. A fagulha foi a agressão física à jornalista da Folha de São Paulo na Av. Paulista.
As manifestações eclodiram em todo o país e o resultado imediato foi a queda abrupta da avaliação do Governo Dilma. Ela só veio a recuperar parte de sua popularidade meses depois, a partir do final do ano. Mesmo assim a sua avaliação não retornou aos patamares anteriores às manifestações. Há um motivo para isso, a efetiva redução do poder de compra da população, em particular dos mais pobres.
Não sou economista e, portanto, não desejo entrar aqui em controvérsias acerca das razões da crise. O fato é que os gastos do governo aumentaram muito ao mesmo tempo em que várias desonerações foram concedidas, prejudicando a arrecadação. O BNDES recebeu aportes do Tesouro Nacional aumentando as despesas para-fiscais do Governo. O superávit primário diminuiu e o resultado final foram as pressões inflacionárias. Parte delas foi absorvida pela política de preços da Petrobras. Ainda assim, a média aritmética da inflação dos quatro anos que antecederam o primeiro Governo Dilma foi de 5,15% ao passo que entre 2011 e 2014 foi de 6,17%.
Os exemplos subsidiários e contrastantes de Pimentel em Minas Gerais e Jaques Wagner e Rui Costa na Bahia ajuda a ilustrar o meu argumento. No primeiro caso um estado com sérios problemas fiscais, e no segundo um estado com as finanças ajustadas, dando graus de liberdade para seus governantes investirem para melhorar o bem-estar da população.
É muito comum que os governantes sigam a regra do senso comum de apertar o cinto dos gastos públicos na primeira metade do mandato, e passar a gastar mais nos últimos dois anos, com a proximidade das eleições. O que vimos no primeiro Governo Dilma foi praticamente o inverso disso. Tratava-se de um experimento que podia dar certo ou não. Creio que não seguir regras costumeiras indica um certo grau de voluntarismo. Vale o parêntesis de que políticos podem vir a ser voluntaristas quando o assunto é economia, e economistas tendem a ser voluntaristas quando o assunto é política. Nos dois casos o resultado final tende a não ser bom.
Mais importante do que a crise econômica foi a percepção do eleitor acerca dos elementos- chave que influenciavam seu bem-estar econômico. Pesquisas que coordenei mostravam que em meados de 2014 que:
- 40% achavam que estava faltando emprego e a inflação estava aumentando;
- 32% consideravam que havia emprego para todo mundo, mas que a inflação estava aumentando;
- 8% diziam que estava faltando emprego, mas a inflação estava sob controle e
- 20% achavam que havia emprego para todo mundo e a inflação estava sob controle.
Esse 20% eram obviamente os que tinham a melhor percepção da situação econômica. Dentro desse grupo a vantagem de Dilma sobre Aécio era grande. O grande problema eram os 40% que tinham uma percepção negativa tanto da inflação quanto do desemprego. Note-se que a dupla percepção negativa (40%) era o dobro da dupla percepção positiva.
Na realidade, a causa principal da quase-derrota de Dilma em 2014 foi essa, uma parcela pequena do eleitorado tinha uma visão positiva da inflação e do emprego. É daí que se retira a LIÇÃO 2.
LIÇÃO 2: partidos e governantes de centro e centro-esquerda não podem se dar ao luxo de produzirem crises econômicas que fragilizem o poder de compra dos mais pobres. Esse é seu eleitorado primordial.
O corolário é que as causas das crises precisam serem antecipadas, daí a necessidade
de dar atenção à situação fiscal do setor público e afastar-se de doses elevadas de voluntarismo econômico.
Quando me refiro ao voluntarismo tenho em mente decisões e ações que são contrárias a alguns limites impostos pela realidade. Na política e na economia há algumas "leis", há alguns "dados da realidade" que convêm serem aceitos sob pena de se "dar murro em ponta de faca". Sabemos, por exemplo, que a reciprocidade é uma moeda importante na política. Quando se atende às demandas de seu eleitorado ou grupo político, eles retribuem com o voto e com apoio. A reciprocidade simbólica, social e política muitas vezes é incompreendida por economistas que, no afã de realizar reformas, acabam por errar ao tentar passar com um rolo compressor por cima das regras básicas do mundo político.
O oposto também se verifica. Na economia também existem regras dessa natureza. Quando alguém do reino da política ignora algumas dessas regras, tentando atropelá-las com um trator, há sempre o risco de que o resultado final não lhe seja favorável.
A LIÇÃO 3: O RIO DE JANEIRO, A CRISE E OS EVANGÉLICOS
A terceira lição para o PT e seus aliados vem do Estado do Rio de Janeiro. A maior perda de votos do PT – comparando-se o segundo turno de 2014 com o de 2018 – foi lá, a perda foi de 42%. Em 2014 a Dilma teve 54,9% dos votos naquele estado e em 2018 Haddad teve 32,1%. O desempenho no estado do Rio foi tão ruim que se igualou a São Paulo que já rejeita o PT faz tempo (no estado de SP a votação de Haddad foi 32%).
O Rio de Janeiro representa a soma de uma crise aguda – a que combina economia em queda, desemprego e corrupção – com o fenômeno do voto evangélico. É possível que a combinação desses dois fatores tenha sido o grande responsável pela redução abrupta dos votos do candidato petista no Estado.
Em 2013 as pesquisas que coordenei no início do ano mostravam que a população do Rio estava muito insatisfeita com a reforma do Maracanã. Circulava junto à população que os gastos eram muito elevados, que havia superfaturamento, e as pessoas relacionavam isso com a crise da saúde pública no estado. Isso, repito, no início do ano. Quando vieram as manifestações, não sei se o leitor se recorda, as maiores foram no Rio. Houve uma cujas estimativas ficaram em torno de 500 mil pessoas nas ruas, mais exatamente na Av. Presidente Vargas no centro da capital.
Depois vários acontecimentos se sucederam, Pezão ficou doente, se retirou do governo, Dornelles assumiu e o estado quebrou. A crise financeira caiu também no colo de Eduardo Paes, que nada tinha a ver com ela. Consequentemente sua avaliação na prefeitura despencou e ele sequer conseguiu levar o deputado Pedro Paulo, seu candidato, para o segundo turno da eleição de prefeito.
Não bastasse isso vieram as Olimpíadas e junto com ela várias denúncias de gastos elevados, que sempre eram confrontados com a situação dos serviços públicos na capital e no estado. O Rio de Janeiro também sofreu muito com a paralisação das obras do Comperj. O impacto no desemprego foi muito forte. Aliás, cumpre registrar que a taxa de desemprego do Estado é a maior da Região Sudeste. Adicione-se a isso a crise da Petrobras, cuja sede fica no Rio, e a redução das receitas advindas dos royalties do petróleo, que feriram gravemente o orçamento de inúmeras prefeituras e do próprio governo estadual.
Depois disso tudo Sérgio Cabral e vários de seus assessores próximos foram presos. Essa foi, para o eleitorado do estado, a prova definitiva que a crise era resultado da "roubalheira de Sérgio Cabral" e da corrupção de um modo geral. Essa percepção foi reforçada em função de todo o simbolismo em torno das posses de Sérgio Cabral: casa luxuosa em Mangaratiba, iate, viagens a Paris e, não bastasse tudo isso, um anel dado de presente para a esposa no valor de 800 mil reais.
Durante o Governo Cabral um dos temas mais batidos pela comunicação de governo era a parceria e a união com o Governo Federal. Assim, no Rio, MDB e PT estavam com suas respectivas imagens fortemente vinculadas. Essa comunicação era importante porque o Rio sempre havia sofrido com os conflitos de seus governadores – Brizola e Garotinho – contra o Governo Federal. Assim, o que foi muito bom no momento de bonança se transformou em um enorme problema no momento de crise aguda. Adicione-se a isso a tibieza do PT no estado, que permitiu inclusive que o Psol herdasse os votos de esquerda tanto na eleição municipal de 2016 quanto na de 2018. De um modo geral, onde há voto de esquerda e o PT é eleitoralmente fraco o Psol acaba por se fortalecer.
Não se pode falar de crise no Rio sem tocar no problema da violência, ele é absolutamente generalizado. Nas áreas pobres da cidade e da Região Metropolitana o crime domina, vê-se criminosos circulando livremente com armas, sem contar as áreas em que são proibidas a circulação de pessoas não autorizadas pelos bandidos, com os limites físicos das barricadas. Nas áreas não pobres ou ricas o crime também aparece por meio de arrastões, falsas blitzes, assaltos a shoppings e a bancos, tiroteios em favelas que resultam no bloqueio de ruas e avenidas. Por fim, todo isso em um estado e em uma Região Metropolitana com uma grande população pobre e evangélica.
O resultado final foi que o Rio castigou fortemente tanto o MDB, não elegendo Eduardo Paes disfarçado de DEM, quanto o PT, dando uma votação irreconhecível considerando-se o histórico das quatro eleições presidenciais anteriores.
A título de comparação, em Minas Gerais a redução da votação do PT foi bem menos acentuada, em 2014 ela foi de 54,2 no segundo turno e agora foi de 41,8. É possível que a avaliação do Governo Pimentel tenha tido algum impacto, a soma de ótimo e bom dele era baixa, da ordem de 25%. Também em Minas a crise nacional influenciou a votação das pessoas mais pobres no PT. Foi a primeira vez desde 2002 que o PT teve menos de 50% de votos no segundo maior colégio eleitoral do Brasil.
Inúmeros relatos atestam que uma parte importante da informação propagada pela campanha de Bolsonaro trafegou por meio de grupos de WhatssApp, muitas vezes apoiados por grupos de convívio pessoal, como é o caso da presença em cultos e atividades de igrejas evangélicas.
O Rio de Janeiro se notabilizou recentemente por forte presença de evangélicos, em particular nas áreas mais pobres da região metropolitana, como são os casos da Baixada Fluminense e de São Gonçalo, o segundo mais populoso município do estado. Nesses locais as inúmeras denominações de igrejas evangélicas desfrutam de enorme capilaridade, é possível encontrar templos em todos os bairros, configurando uma rede de locais físicos de convivência muito espalhada e disseminada.
Tive a chance de, na última eleição municipal, ir a um culto evangélico em um dos bairros de Santa Cruz da Serra, no município de Duque de Caxias. A construção sem luxo algum era imensa. No templo cabiam com facilidade 500 pessoas. O terreno contava com um estacionamento coberto. O mais interessante era o local, ficava afastado da principal via de acesso, em uma região estritamente residencial, com casas simples e habitada por uma população carente. As ruas do entrono não eram pavimentadas. Lá não se via sinal algum de uma igreja católica, ainda que tenha procurado por isso.
No artigo intitulado O voto evangélico garantiu a eleição de Jair Bolsonaro, José Eustáquio Diniz Alves mostra, utilizando a pesquisa do Datafolha de 25 de outubro, isto é, a três dias da eleição, que no Brasil 69% dos evangélicos declaravam voto em Bolsonaro e 30% em Fernando Haddad. Multiplicando-se esses percentuais pelos votos válidos da eleição tem-se que Bolsonaro abriu sobre Haddad uma vantagem de 11,6 milhões de votos. Ainda que vantagem final tenha sido menor, porque descontada de outros segmentos do eleitorado nos quais Haddad era mais forte do que seu adversário, esse dado é uma indicação sólida das dificuldades que o PT teve junto a esse público.
Sabemos que o voto tem interferência de muitas variáveis, e que somente tipos específicos de análises estatísticas podem revelar o peso de cada uma delas. O que Diniz Alves mostra é que no público evangélico Haddad perdeu na proporção de 2 para um, trata-se de uma diferença bastante relevante.
Fábio Marton, em um texto muito esclarecedor intitulado Eu cresci no Brasil de Bolsonaro, revela com base em sua experiência pessoal de crente evangélico (ele deixou de ser), que tudo que ele aprendera em cultos e no convívio com seus pares de religião estava no discurso de Bolsonaro. Seu pai, também evangélico, sempre lhe dissera que "quem é gay tá possuído pela Pomba-Gira", sempre fizera piadas de negros e nordestinos (baiano), o pastor afirmava que "o homem é a cabeça da mulher" (Efésios 5:23) e em seguida dizia que "Deus é a cabeça do homem".
Segundo Marton, na sua formação ele aprendeu a dividir o mundo entre aqueles que seguiam a palavra de Deus e os demais, possuídos ou influenciados pelo Demônio. Nesse grupo entravam todas as demais religiões, em especial as de matriz africana. A mídia tradicional também era demonizada em função de conteúdos supostamente mentirosos, e por difundir uma moral rejeitada na doutrina evangélica. A cruzada contra a ciência e a crença em notícias mentirosas também fazia parte de sua rotina. Em algum momento o autor se deu conta da mensagem anti-liberal de sua antiga religião, segundo ele fascista, e isso se tornou uma das razões que lhe fez deixar o credo.
O PT, a esquerda e o centro precisam compreender melhor esse fenômeno a fim de saber lidar com ele e contorná-lo: é preciso saber a sua abrangência, se ele é resultado de uma doutrinação religiosa ou, se ao contrário, a religião se adaptou a uma subcultura pré-existente, e muitas outras coisas que são importantes para que não sejam novamente surpreendidos em uma eleição.
Bolsonaro abriu 10.756.941 sobre Haddad. No Estado do Rio de Janeiro a vantagem foi de praticamente 3 milhões de votos, faltaram somente 4.327 para que isso ocorresse. Ou seja, o somente um estado, o terceiro maior colégio eleitoral do Brasil, com 8,6% dos votos totais correspondeu a 28% da vantagem que Bolsonaro teve sobre Haddad. Evidentemente há aí um recado das urnas.
LIÇÃO 3: é indicado que seja buscada uma abordagem mais técnica do eleitorado, por meio da compreensão de grupos específicos de eleitores, e de posse disso, realizar uma avaliação política acerca da propriedade de inflexões nas propostas e comunicação do partido e do campo político.
No sistema político italiano do pós-segunda guerra, a Democracia Cristã (DC) governou por 45 anos e o Partido Comunista Italiano (PCI) foi oposição durante o mesmo período. A força eleitoral da DC combinava o voto das regiões ricas do país, o norte da Itália (equivalente a São Paulo) com o voto das regiões mais pobres, o sul da Itália, o equivalente ao nosso Nordeste. Isso só foi possível porque nas áreas pobres a DC contava com a máquina associativa das igrejas católicas. Era ela que criava uma blindagem de votos contra o PCI, posto que alinhado à antiga União Soviética era tido como um partido anti-religioso e anti-clerical.
Estamos muito distantes da Guerra Fria, porém podemos estar próximos de um veto religioso a uma sigla partidária ou a visões de mundo de centro e de esquerda. É preciso colocar essa ameaça no horizonte e encontrar maneiras de lidar com ela.
LAST, BUT NOT LEAST: SÃO PAULO
No estado de São Paulo, berço do PT, do novo sindicalismo brasileiro, dos mais importantes intelectuais da esquerda no Brasil, estado onde o partido de Lula tem a sua espinha dorsal política, viu em 2018 a mais folgada vitória de seu adversário. Porém, há um dado muito importante. Vejamos as votações comparadas das duas últimas eleições:
Aécio: 15.296.289
Bolsonaro: 15.306.023
Bolsonaro teve somente 9.734 votos a mais do que Aécio quatro anos antes. Porém, a derrota mais elástica sofrida pelo PT se deveu à votação de seu candidato, que era de São Paulo:
Dilma: 8.488.383
Haddad: 7.212.132
Haddad teve 1.276.251 a menos que Dilma em 2014. Esses votos foram para nulo, branco e abstenções.
Isso mostra o teto de votação do adversário do PT, porém não revela o piso do PT. Nota-se que a rejeição ao partido motivou os eleitores do estado de São Paulo a reduzirem os votos dados ao PT, portanto nada teve a ver com o nome de Haddad, mesmo que não aumentassem o voto de seu opositor.
Esse dado singelo pode ser interpretado como a mãe de todas as LIÇÕES: é preciso alguma renovação nas propostas, na imagem, na comunicação e os quadros eleitorais.
A mensagem do eleitor paulista foi bastante eloquente: "PT, sei que você nasceu nesse estado, sei que no passado a minha vida melhorou por conta da atuação de seus políticos, mas não votaria em você. Não voto em seu adversário, mas no seu candidato também não. Se a postura fosse outra, quem sabe ..."
ANEXO DE DADOS
A votação do candidato do PT no segundo turno de cinco eleições por grandes regiões do Brasil: a votação no Nordeste segue inalterada, no Norte, pela primeira vez, ficou abaixo de 50%, a redução da votação – proporcionalmente falando – foi idêntica no Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
Abaixo a votação nos estados da região Sudeste, a queda no Rio de Janeiro foi a mais acentuada dentre todos os estados, a redução de 2014 para 2018 foi de 42%. Vale notar que com exceção do Espírito Santo, a votação do PT foi caindo a cada eleição. A queda da votação em toda a região foi de 21% (isto é, comparando-se 2018 com 2014 a votação do PT ficou reduzida por esse percentual).
No Nordeste a queda da votação foi muito pequena, de 3% (isto é, comparando-se 2018 com 2014 a votação do PT ficou reduzida por esse percentual). A votação do PT aumentou na Bahia, em Sergipe e na Paraíba, e foi um pouco menor em todos os demais estados:
Na votação para presidente, Acre, Rondônia e Roraima já eram anti-PT desde 2010. O Amazonas e o Amapá deram vitória apertada ao adversário. No Amazonas isso se deveu à capital, Manaus. No Pará e no Tocantins a vitória foi petista. Na região Norte como um todo a redução de votos foi de 15%.
No que tange à Região Sul destacaria a redução proporcional de votos no Rio Grande do Sul. Esse sempre foi um estado mais fiel ao PT. Em toda a região a redução foi de 23% (repito a explicação, comparando-se 2018 com 2014 a votação do PT ficou reduzida por esse percentual).
O último conjunto de dados refere-se à região Centro-Oeste onde a redução da votação foi da ordem de 21%. A redução da votação do PT em todo o Brasil foi de 13%. Note-se no Centro-Oeste a queda abrupta da votação do PT no Distrito Federal em 2014.
A votação de Ciro Gomes nas três eleições presidenciais que disputou. Em que pese o contexto de cada eleição ter sido diferente, assim como os partidos aos quais Ciro pertencia, é notável a estabilidade de sua votação, a variação é de apenas 1,5 pontos percentuais. O dado das votações de Ciro é relevante pelo fato de sua postulação de se tornar um líder eleitoralmente competitivo na centro-esquerda.
A votação de Marina nas três eleições presidenciais que disputou. É bastante impressionante a redução de sua votação em 2018. Votos que foram dela em 2014 migraram para Bolsonaro em 2018.
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