segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Como ser oposição ao governo Bolsonaro pela esquerda e pelas forças democráticas

Política

Como ser oposição ao governo Bolsonaro pela esquerda e pelas forças democráticas

Não é possível enxergar capacidade de governabilidade nestes atores que foram relevantes em criar uma oposição ao governo de esquerda e caminham para ocupar postos administrativos relevantes

 
19/11/2018 15:52
 
 
O terremoto que se abateu sobre as forças democráticas e a esquerda no Brasil com a eleição de Jair Bolsonaro está criando uma névoa em torno das alternativas de oposição democrática ao próximo governo. E elas precisam ser discutidas. Duas alternativas estão sobre a mesa e é necessário analisá-las cuidadosamente. A primeira análise diagnostica o quase fim da democracia no Brasil, a ascensão de um governo fascista e coloca o problema da mobilização contra o governo fora do campo institucional (vide por exemplo a entrevista da historiadora francesa ChirioMaud a Folha de S. Paulo ou a recente entrevista de Paulo Arantes ao Brasil de Fato).Na minha opinião,essa análise tem alguns elementos reais que podem ou não ocorrer nos próximos anos, mas ela renuncia à ação política capaz de evitar que esta configuração política negativa ou a ingovernabilidade absoluta se efetivem. Alternativas para que isso não ocorra estão à mão e têm que ser discutidas pelas forças democráticas no Brasil. É isso que me leva à segunda alternativa, ação concertada das forças democráticas no campo institucional associada à forte mobilização da sociedade civil e dos movimentos sociais. Essa me parece a via para conter o Bolsonarismo e suas propostas mais radicais.

Vale a pena analisar a vitória de Jair Bolsonaro e as forças que o apoiaram para tentar refletir o que seria a oposição ao seu governo e às forças que ele mobiliza fora do campo institucional. Por mais surpreendente que seja a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro, ela está diretamente ligada a duas grandes ficções produzidas ad naseum pela grande mídia nos últimos anos: de um lado, a ideia que a corrupção no Brasil está ligada principalmente ao campo de esquerda, em especial ao Partido dos Trabalhadores, e de outro que todos os problemasda economia foram criados pelo governo Dilma, apesar de há quatro anos estarmos passando por uma política de ajuste liberal que penaliza os gastos socais e compromete as finanças da população trabalhadora. Todos os elementos de mediação desta análise foram obscurecidos pelo discurso político, desde o forte envolvimento das forças de dentro com a corrupção, até os limites de uma abordagem ortodoxa da economia que surpreendentemente foi colocada pela primeira vez pelo articulista do New York Times, Paul Krugman. O discurso sem mediações sobre a corrupção e a economia permitiu que as forças do sistema judicial, policial e do mercado acabassem sendo os principais eleitores  em uma campanha despolitizada que não passou por instâncias públicas de discussão. Pelo contrário, ela passou apenas  pelas igrejas e pelas listas privadas de whatasapp. Assim, há um enorme espaço de discussão sobre as políticas de estado como a educação, que estão sob ataque do presidente eleito, ao lado dos direitos garantidos constitucionalmente, dos direitos sociais e do meio-ambiente, que também parecem estar sob fogo cerrado. A questão que se coloca é: como organizar institucionalmente uma oposição que vá além da contestação/reclamação nas redes sociais? Aqui vão algumas ideias.

Me parece bastante inócua a concepção bastante difundida nas últimas semanas, que o STF sozinho poderá ou irá querer fazer oposição a todos esses aspectos do governo Bolsonaro. Em primeiro lugar, ele não poderá fazê-lo porque uma parte da agenda deste governo será determinada no Congresso e não é concebível que o STF declare inconstitucionais todas as matérias que porventura o Congresso venha a aprovar. Assim, é preciso outra estratégia que combine os elementos contra majoritários do poder judiciário com as formas de maioria próprias ao sistema político. Me parece que uma aliança entre o Senado e o STF em questões fundamentais pode surgir como a âncora da democracia brasileira neste momento. O Senado desponta como força relevante por diversos motivos: porque ele está menos exposto aos arroubos da eleição de 2018. Assim, diversas lideranças políticas de centro estão presentes no Senado,como Tasso Jereissati, Antônio Anastasia, Paulo Rocha, Humberto Costa e outros eleitos como Cid Gomes, Jaques Wagner e Renan Calheiros parecem ser os nomes de influência no Senado. Entre os que continuarão os seus mandatos e os recentemente eleitos, o Senado pode exercer um papel moderador em propostas do novo governo como “Escola Sem Partido” ou “Carteira de trabalho verde e amarela”. Na verdade, é possível afirmar que o Senado já desempenhou esse papel no começo da gestão Eduardo Cunha na Câmara e poderá voltar a fazê-lo. Poderá ser uma instância do sistema político que terá que assumir a tentativa de moderação das propostas do governo.

Cabe perguntar o papel das diferentes forças políticas neste processo.Existe um movimento cujo sucesso parece bastante improvável de isolar o PT do resto da oposição. Evidentemente não existe motivo para isso, dado o desempenho do PT, que elegeu o maior número de governadores e a maior bancada na Câmara. A oposição unida terá uma força relativa e dividida não terá força alguma . Este movimento que dá a impressão de uma renovação do debate do primeiro turno não deve prosperar, mesmo porque não me parece que os irmãos Gomes terão capacidade de ser os únicos propositores de um movimento de oposição devido tanto ao fraco resultado da candidatura Ciro Gomes quanto ao seu isolamento político em um estado, no Ceará. Ainda assim surpreende a ausência auto impostado PT dos debates públicos pós-eleitorais e especialmente a ausência daquele que tem capacidade de ser um dos lideres da oposição a partir de janeiro, Fernando Haddad.Acho que o que pode surgir em janeiro é uma concertação do centro democrático que,tal como fazia a oposição no início dos anos 80, não deve ter apenas um líder.

Devido  ao amplo trânsito que Haddad adquiriu no segundo turno entre atores políticos, artistas e grupos religiosos justamente ao descentrar a narrativa nós versus eles que caracterizou o PT durante boa parte da crise, ele deve tentar ser parte de uma liderança que deve ter outros atores do PDT, do PSOL e do PSDB se possível. Mas, é preciso que os senadores e a bancada do PT deem a Fernando Haddad o respaldo que ele precisa para articular a oposição em torno principalmente das causas democráticas que estarão sendo disputadas nos próximos meses.

Por último, temos a questão dos movimentos sociais e de atores da sociedade civil. Alguns movimentos sociais que são importantes na disputa política em curso no país serão atacados nos próximos meses. As universidades também serão alvo, ainda que com níveis mais baixos de truculência. O MST e MTST são os candidatos principais a serem fortemente atacados. É importante entender o papel destes movimentos. Eles questionam uma estrutura absurda de organização da propriedade que não é liberal e nem é democrática. São propriedades rurais improdutivas ou propriedades urbanas que segundo o estatuto da cidade não poderiam continuar constituindo um estoque especulativo. Mesmo o agronegócio - suposta vitrine dos atores modernos do campo- usa frequentemente da violência e não segue a lei ambiental. Ainda assim, o estado brasileiro em todas as suas dimensões tem sido leniente com estas formas privadas que associam o pré e o pós moderno no uso da propriedade na cidade e no campo.Os movimentos que tensionam a propriedade agem no interior da ordem liberal democrática que permite sim a desobediência civil. Estes movimentos acatam as decisões judiciais e portanto não constituem óbice ao estado de direito. Atacá-los ou proscrevê-los seria um crime contra a própria democracia que dificilmente passaria pelo STF, cujo papel deverá ser o de arbitrar disputas desta natureza.

A oposição ao governo Bolsonaro terá que ser uma oposição multi nível e multi atores e nela devem caber umconjunto de atores que discordarão entre si sobre diversos temas, mais uma vez como a oposição ao regime autoritário fazia no início dos anos 80. Questões como reformas econômicas e da previdência vão naturalmente dividir o campo oposicionista, como dividiram no ano passado ou até mesmo em 2003 quando a reforma proposta pelo ex-presidente Lula teve votos contrários na própria bancada do PT. Outras questões como meio-ambiente poderão agregar outros atores do campo liberal ou liberal conservador, uma vez que não há incompatibilidade entre liberalismo econômico e meio-ambiente, tal como vemos na França e na Alemanha. O importante é que exista uma oposição unida em relação à pauta democrática.

O que o Brasil e a oposição democrática necessitam hoje é nenhuma transigência emrelação a direitos democráticos e direitos civis.Políticas de forte repressão da população negra nas favelas, de repressão a movimentos como o MST ou a minorias têm que ser respondidas imediatamente.Esse tem que ser o momento no qual os diversos atores políticos com seus projetos distintos digam um alto e sonoro não ao presidente e à sua provável tropa de choque no Câmara. Esses também devem ser os casos em que oposição e STF unam-se não para governar e sim para colocar um basta em possíveis abusos.

Não sei se Bolsonaro, tal como Trump, chorou quando viu que ganhara as eleições, mas acho que ainda mais que Trump, Bolsonaro não está preparado para governar. O nível dos parlamentares que apoiam o seu governo e devem se tornar ministros importantes como OnixLorenzonni e Magno Malta antecipa um bate cabeça político do qual estamos assistindo apenas um trailer, com idas e vindas sobre MEC, universidades públicas, previdência, meio-ambiente entre outros tópicos. O desconhecimento do super ministro da economia em relação ao orçamento também assusta. Por fim, sobram poucos ministros com credibilidade e tudo aponta para um governo que vai buscar o apoio das forças conservadoras tradicionais no Congresso e fora dele. Muitas destas forças eram apenas atores com visibilidade, quando pensamos em Maitê Proença, Alexandra Frota e Kim Kataguiri. Não é possível enxergar capacidade de governabilidade nestes atores que foram relevantes em criar uma oposição ao governo de esquerda e caminham para ocupar postos administrativos relevantes. É difícil saber o que vai ser um governo Bolsonaro, mas a oposição democrática precisa estar atenta aos movimentos dentro e fora das instituições e começar a se organizar desde agora.

*Publicado originalmente no Jornal GGN

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