Estrella aponta a importância do pré-sal para um projeto de desenvolvimento
Perdemos o controle de um negócio estratégico e básico para a vida de todo cidadão
14/11/2018 10:42
Créditos da foto: Guilherme Estrella detalhou os riscos da privatização da Petrobras para a soberania nacional durante o II Congresso UFPE em Debate (Ivaldo Bezerra/Adufepe)
Considerado o Pai do Pré-Sal, o ex-diretor da Petrobras, o geólogo Guilherme Estrella, veio ao Recife participar do II Congresso UFPE em Debate, promovido pela Associação dos Docentes da Universidade Federal de Pernambuco (Adufepe), e fez o alerta. “Nós perdemos o controle de um negócio estratégico e básico para a vida de todo cidadão. Se for concretizado, vamos nos tornar um conglomerado heterogêneo de investimento estrangeiro”. A preocupação está ligada ao plano de governo de privatização anunciado pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, e que deu os primeiros passos ainda na gestão Temer. “Os países mais desenvolvidos do planeta são autossuficientes em energia. Petróleo é fator de segurança e soberania nacional. Quando você tem responsabilidade pelo que acontece, a cada momento aproveita a oportunidade do processo de produção para introduzir melhorias. É assim que a indústria funciona. Com a retirada da operação única da Petrobras, o que vai acontecer é que vão retirar o máximo no menor prazo para se ter mais lucro, e o futuro a Deus pertence”, disparou.
Ainda de acordo com o especialista, a privatização pode ser fatal para o pré-sal. “Ela interrompe um projeto. A partilha é importante porque o óleo pertence ao país e ao governo, mas nós não teremos o que falta para iniciar um processo de industrialização com inovação brasileira. Quando indústrias estrangeiras entrarem no negócio, a produção será para atender a demanda de energia dos países de origem. O pré-sal deve ser usado em um plano de governo escalonado a longo prazo. Ele nos dá segurança para investirmos em equipamento e em núcleos de inteligência, introduzindo as universidades brasileiras nesse processo, e avançando por 50 anos”, assegurou.
Para que fosse possível descobrir essas reservas naturais e operar com eficiência em águas profundas, foram desenvolvidas tecnologias próprias em parceria com fornecedores, universidades e centros de pesquisa. Foram contratadas sondas de perfuração, plataformas de produção, navios e submarinos com recursos que movimentam toda a cadeia da
indústria de energia. “Um operador único do consórcio é que decide o equipamento a ser utilizado e até mesmo o projeto de engenharia. Uma empresa estrangeira não terá entrosamento com as universidades brasileiras, por exemplo, e nem terá a mesma disposição para inseri-las, privilegiando sempre os centros de pesquisa internacionais. As empresas de fora ganham dinheiro tirando a Petrobras da operação única, pois o custo operacional é ressarcido ao operador em óleo de petróleo. Atualmente, nós temos o menos custo do mercado. Imagina como pode ficar daqui para frente”, ponderou Estrella.
"O pré-sal veio cobrir essa lacuna que nós temos de projeto de desenvolvimento autônomo pelos próximos 50 anos. Se continuar essa política que está nos jornais e que já foi praticada nesse governo que assumiu a direção do Brasil, nós teremos realmente perdido a maior oportunidade de sermos uma superpotência. Ficaremos submetidos ao grande interesse capitalista continental e seremos saqueados por interesses não brasileiros."
Guilherme Estrella
Ex-diretor da Petrobras
O que é o pré-sal?
O pré-sal é uma área de reservas petrolíferas encontrada sob uma profunda camada de rocha salina, que forma uma das várias camadas rochosas do subsolo marinho. As reservas do litoral do país são as mais profundas, onde já foi localizado petróleo em todo o mundo. Nelas, temos óleos raros e com quantidade imensa de gás, que somos carentes. Até hoje, temos que importar gás para gerar eletricidade. O pré-sal tem gás à vontade e, mais do que isso, é rico em matéria-prima petroquímica e de fertilizantes. Outros insumos dos quais somos carentes. Para você ter ideia, somos os segundos maiores produtores de alimentos do planeta, mas importamos 80% dos nossos fertilizantes. Até o comércio está sendo desnacionalizado, é só observar as redes de supermercado, são Walmart, Carrefour e muitos outros. Hotéis estrangeiros estão em todo o litoral brasileiro. Estamos vendendo as nossas terras.
O que justifica o alto custo dos combustíveis e do gás de cozinha se temos a maior província de pré-sal do planeta?
Quando assumimos, a Petrobras já estava fragilizada por governos federais anteriores, porque já se falava sobre privatizações. Nós assumimos com a orientação do governo de recompor o que a gente chamava de empresa integrada de energia. Com a operação única, furamos o pré-sal e retiramos, nessa fase inicial, o máximo de amostras diretas. Foi uma operação caríssima. Nenhuma empresa entrou. Gastamos muito, mas houve o desenvolvimento geocientífico. Antes, era tudo subdividido em unidades de negócio. Essas mesmas unidades competiam entre si para a venda de produtos. Até o jurídico era espalhado por todo o país. Nós reintegramos a companhia no sistema produtivo de petróleo e gás natural e criamos uma estrutura cíclica. O sistema todo era estável e compensava o alto custo de um lado com as vendas nos outros compensando tudo como numa balança. No final, o consumidor tinha o menor preço assegurado. Não somos os melhores geólogos e engenheiros do mundo, mas com o monopólio estatal quem entende do Brasil é a Petrobras. A experiência é nossa e nenhuma empresa sabe como fazer isso funcionar sem repassar o custo para a população. Temos o menor preço do barril de petróleo. Acontece que o sistema todo tem que ser sustentado e, novamente, estão esquartejando a empresa, dissociando os elos. A exploração e produção do pré-sal são mais lucrativas. A empresa fica com a produção do pré-sal, que tem maior lucratividade, e o restante é fatiado. Por isso, cobram até R$ 80 no botijão de gás, por exemplo.
O Brasil é capaz de explorar o pré-sal sem capital estrangeiro?
Nós estamos falando de um projeto escalonado de desenvolvimento. O Brasil é o quinto maior território emerso do mundo, 10% de todo o oxigênio da atmosfera vem da Amazônia, temos a mais extensa rede hidrográfica do planeta e, além disso, temos a maior biodiversidade. Se pararmos para pensar, temos a matriz energética mais equilibrada do planeta, e todos os países fizeram riqueza com base em energia. É a base para qualquer desenvolvimento industrial. Petróleo é questão de segurança e soberania nacional para todo o mundo, tem que ser no Brasil também. Estamos falando de um formato que não vai eliminar a empresa privada. A partilha é uma coisa importante, mas deve ser feita com o controle brasileiro. É preciso privilegiar as empresas nacionais. A maioria das empresas estatais que nós temos vieram de indústrias estrangeiras que passaram por um processo de nacionalização. São raras as que não são assim, como a Petrobras e a Embrapa. A Petrobras foi fundada pelo Estado brasileiro com herança do Conselho Nacional de Petróleo. O processo está desequilibrado, e a perda disso compromete a estrutura da companhia e também o projeto de país a longo prazo. Não queremos eliminar o investimento de empresas privadas, mas é preciso abrir espaço para o que é nosso. Para se ter uma ideia, quando nós descobrimos a Bacia de Campos, quem mais entendia sobre o reservatório era a Universidade do Texas. Temos que colocar um freio para que as coisas não se transformem em ameaças. A ideia de privatizar a estatal é desesperadora.
O que pode ser feito para barrar essa exploração internacional?
Primeiro, existe uma ação imediata de defesa do patriotismo. Há uma clara indicação de que a democracia brasileira está em risco e não é de agora. A própria prisão de Lula (ex-presidente) é a prova disso. A Justiça brasileira não está funcionando. A prisão de um homem sem provas é terrorismo do Estado, significa a extinção da segurança jurídica de qualquer cidadão. Agora, precisamos formar grupos de defesa com todo mundo e depois discutimos as questões menores.
Qual a ameaça que o presidente eleito, Jair Bolsonaro, exerce para os recursos naturais do país?
O governo eleito é confuso em suas projeções e precisamos pensar em ações para a hora em que ele se instalar. Pelas declarações, estamos diante de uma tragédia ambiental. Ele quer reduzir o poder do Estado e privatizar tudo. Os recursos naturais serão entregues a empresas estrangeiras representando seus países. Vamos perder o controle do Brasil. Ele não tinha o direito de fazer isso. Estamos falando de um patrimônio natural que pertence a nós. Era para se fazer um plebiscito ou algo do gênero antes de uma decisão como essa. O pré-sal não se descobre em qualquer país do mundo. O Brasil vai ser saqueado mesmo tendo um mercado interno riquíssimo. A reação precisa ser rápida porque o sistema de produção é gigantesco e estamos falando de um produto estratégico e que precisa ser propriedade de gestão do Estado.
*Publicado originalmente em op9.com
Ainda de acordo com o especialista, a privatização pode ser fatal para o pré-sal. “Ela interrompe um projeto. A partilha é importante porque o óleo pertence ao país e ao governo, mas nós não teremos o que falta para iniciar um processo de industrialização com inovação brasileira. Quando indústrias estrangeiras entrarem no negócio, a produção será para atender a demanda de energia dos países de origem. O pré-sal deve ser usado em um plano de governo escalonado a longo prazo. Ele nos dá segurança para investirmos em equipamento e em núcleos de inteligência, introduzindo as universidades brasileiras nesse processo, e avançando por 50 anos”, assegurou.
Para que fosse possível descobrir essas reservas naturais e operar com eficiência em águas profundas, foram desenvolvidas tecnologias próprias em parceria com fornecedores, universidades e centros de pesquisa. Foram contratadas sondas de perfuração, plataformas de produção, navios e submarinos com recursos que movimentam toda a cadeia da
indústria de energia. “Um operador único do consórcio é que decide o equipamento a ser utilizado e até mesmo o projeto de engenharia. Uma empresa estrangeira não terá entrosamento com as universidades brasileiras, por exemplo, e nem terá a mesma disposição para inseri-las, privilegiando sempre os centros de pesquisa internacionais. As empresas de fora ganham dinheiro tirando a Petrobras da operação única, pois o custo operacional é ressarcido ao operador em óleo de petróleo. Atualmente, nós temos o menos custo do mercado. Imagina como pode ficar daqui para frente”, ponderou Estrella.
"O pré-sal veio cobrir essa lacuna que nós temos de projeto de desenvolvimento autônomo pelos próximos 50 anos. Se continuar essa política que está nos jornais e que já foi praticada nesse governo que assumiu a direção do Brasil, nós teremos realmente perdido a maior oportunidade de sermos uma superpotência. Ficaremos submetidos ao grande interesse capitalista continental e seremos saqueados por interesses não brasileiros."
Guilherme Estrella
Ex-diretor da Petrobras
O que é o pré-sal?
O pré-sal é uma área de reservas petrolíferas encontrada sob uma profunda camada de rocha salina, que forma uma das várias camadas rochosas do subsolo marinho. As reservas do litoral do país são as mais profundas, onde já foi localizado petróleo em todo o mundo. Nelas, temos óleos raros e com quantidade imensa de gás, que somos carentes. Até hoje, temos que importar gás para gerar eletricidade. O pré-sal tem gás à vontade e, mais do que isso, é rico em matéria-prima petroquímica e de fertilizantes. Outros insumos dos quais somos carentes. Para você ter ideia, somos os segundos maiores produtores de alimentos do planeta, mas importamos 80% dos nossos fertilizantes. Até o comércio está sendo desnacionalizado, é só observar as redes de supermercado, são Walmart, Carrefour e muitos outros. Hotéis estrangeiros estão em todo o litoral brasileiro. Estamos vendendo as nossas terras.
O que justifica o alto custo dos combustíveis e do gás de cozinha se temos a maior província de pré-sal do planeta?
Quando assumimos, a Petrobras já estava fragilizada por governos federais anteriores, porque já se falava sobre privatizações. Nós assumimos com a orientação do governo de recompor o que a gente chamava de empresa integrada de energia. Com a operação única, furamos o pré-sal e retiramos, nessa fase inicial, o máximo de amostras diretas. Foi uma operação caríssima. Nenhuma empresa entrou. Gastamos muito, mas houve o desenvolvimento geocientífico. Antes, era tudo subdividido em unidades de negócio. Essas mesmas unidades competiam entre si para a venda de produtos. Até o jurídico era espalhado por todo o país. Nós reintegramos a companhia no sistema produtivo de petróleo e gás natural e criamos uma estrutura cíclica. O sistema todo era estável e compensava o alto custo de um lado com as vendas nos outros compensando tudo como numa balança. No final, o consumidor tinha o menor preço assegurado. Não somos os melhores geólogos e engenheiros do mundo, mas com o monopólio estatal quem entende do Brasil é a Petrobras. A experiência é nossa e nenhuma empresa sabe como fazer isso funcionar sem repassar o custo para a população. Temos o menor preço do barril de petróleo. Acontece que o sistema todo tem que ser sustentado e, novamente, estão esquartejando a empresa, dissociando os elos. A exploração e produção do pré-sal são mais lucrativas. A empresa fica com a produção do pré-sal, que tem maior lucratividade, e o restante é fatiado. Por isso, cobram até R$ 80 no botijão de gás, por exemplo.
O Brasil é capaz de explorar o pré-sal sem capital estrangeiro?
Nós estamos falando de um projeto escalonado de desenvolvimento. O Brasil é o quinto maior território emerso do mundo, 10% de todo o oxigênio da atmosfera vem da Amazônia, temos a mais extensa rede hidrográfica do planeta e, além disso, temos a maior biodiversidade. Se pararmos para pensar, temos a matriz energética mais equilibrada do planeta, e todos os países fizeram riqueza com base em energia. É a base para qualquer desenvolvimento industrial. Petróleo é questão de segurança e soberania nacional para todo o mundo, tem que ser no Brasil também. Estamos falando de um formato que não vai eliminar a empresa privada. A partilha é uma coisa importante, mas deve ser feita com o controle brasileiro. É preciso privilegiar as empresas nacionais. A maioria das empresas estatais que nós temos vieram de indústrias estrangeiras que passaram por um processo de nacionalização. São raras as que não são assim, como a Petrobras e a Embrapa. A Petrobras foi fundada pelo Estado brasileiro com herança do Conselho Nacional de Petróleo. O processo está desequilibrado, e a perda disso compromete a estrutura da companhia e também o projeto de país a longo prazo. Não queremos eliminar o investimento de empresas privadas, mas é preciso abrir espaço para o que é nosso. Para se ter uma ideia, quando nós descobrimos a Bacia de Campos, quem mais entendia sobre o reservatório era a Universidade do Texas. Temos que colocar um freio para que as coisas não se transformem em ameaças. A ideia de privatizar a estatal é desesperadora.
O que pode ser feito para barrar essa exploração internacional?
Primeiro, existe uma ação imediata de defesa do patriotismo. Há uma clara indicação de que a democracia brasileira está em risco e não é de agora. A própria prisão de Lula (ex-presidente) é a prova disso. A Justiça brasileira não está funcionando. A prisão de um homem sem provas é terrorismo do Estado, significa a extinção da segurança jurídica de qualquer cidadão. Agora, precisamos formar grupos de defesa com todo mundo e depois discutimos as questões menores.
Qual a ameaça que o presidente eleito, Jair Bolsonaro, exerce para os recursos naturais do país?
O governo eleito é confuso em suas projeções e precisamos pensar em ações para a hora em que ele se instalar. Pelas declarações, estamos diante de uma tragédia ambiental. Ele quer reduzir o poder do Estado e privatizar tudo. Os recursos naturais serão entregues a empresas estrangeiras representando seus países. Vamos perder o controle do Brasil. Ele não tinha o direito de fazer isso. Estamos falando de um patrimônio natural que pertence a nós. Era para se fazer um plebiscito ou algo do gênero antes de uma decisão como essa. O pré-sal não se descobre em qualquer país do mundo. O Brasil vai ser saqueado mesmo tendo um mercado interno riquíssimo. A reação precisa ser rápida porque o sistema de produção é gigantesco e estamos falando de um produto estratégico e que precisa ser propriedade de gestão do Estado.
*Publicado originalmente em op9.com
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