A democracia e os direitos fundamentais sob risco
Enquanto celebramos os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a democracia e os direitos fundamentais estão sendo conspurcados no cenário político e social brasileiro. As declarações daquele que foi ungido presidente da República exprimem com uma clareza ímpar a vitória da filosofia da violência brasileira alicerçada nos preconceitos e discriminações sociais, raciais e de gênero oriundos da dinâmica da Casa-Grande e senzala.
Mas é preciso considerar que esta vitória político-institucional nos revela que esta filosofia dispõe de raízes e bases sociais amplas e profundas. Não à toa uma parte relevante da sociedade iniciou ataques violentos contra os “diferentes” e “anômalos” ao status quo ignorante e bárbaro. Abriu-se a caixa de Pandora.
O diagnóstico sociopolítico não dá margens a dúvidas: vivemos tempos em que os direitos humanos estão em sob ataque. Se por um lado comemoramos os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que inaugurou um nova era das Relações Internacionais e do Direito Internacional, por outro, no Brasil dos tristes trópicos, são estas mesmas conquistas que estão ameaçadas.
Mas é preciso que se diga com letras maiúsculas: nossa Constituição Federal de 1988 inspirou-se na DUDH. Ou seja, é também nossa Constituição que está em xeque. Estamos falando, por exemplo, do Título I “Dos princípios fundamentais” da Constituição e do Título II “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Valerá a pena ler e reler estes direitos pois são eles que estão e estarão ameaçados nos próximos 4 anos.
Estamos imersos na crise mais grave da história recente do País, desde a redemocratização. A crise econômica apequena-se perto desta. Jair Bolsonaro e sua expressiva votação revelam uma crise dos valores e direitos mais caros da Constituição que, como se sabe, cumpre a função de uma pedra de abóboda na sociedade.
A Constituição como a bandeira de luta
Se este diagnóstico recobra certa acuidade então a luta pela democracia e os direitos humanos se tornaram, por óbvio, os imperativos contemporâneos na política brasileira progressista. Nossa grande luta será salvaguardar a democracia e os direitos humanos e, assim, a constituição cidadã. Por ora, os programas políticos partidários devem ser deixados de lado para que emerja um só programa político: preservar a Constituição. Neste sentido, a ideia da Frente Ampla recobra magnitude.
E tenhamos claro, não estamos mais tratando de forças políticas e partidárias de esquerda, mas a Frente Ampla deve incluir, inclusive, parcela expressiva do PSDB, do PMDB e de outros; de todos aqueles que defendem de forma intransigente os direitos humanos constitucionais, também resguardados na DUDH e em outros instrumentos do direito internacional humanitário.
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A Constituição se tornou um dos últimos refúgios da democracia. Em certo sentido é o documento e o “programa” para salvaguardar a democracia e os direitos humanos no País.
A Educação e a formação para o exercício da cidadania
Mas não podemos nos furtar de pensar no médio e longo prazo e, desta feita, precisamos de uma vez por todas entender que a Educação constitui-se como o farol da democracia. Talvez o lócus mais importante para o estabelecimento de uma sociedade democrática seja realmente a sala de aula. Pois se a Constituição assenta as bases para a defesa da democracia e dos direitos humanos é só a Educação que propiciará o conhecimento, a introjeção e a defesa destes princípios e direitos.
Sem a Educação e a Cultura a Constituição é letra morta. Aliás, o fenômeno Bolsonaro e a emergência de sua filosofia da violência, nada mais é que um sintoma da falência educacional brasileira. Ao fim e ao cabo, precisamos ser honestos, não conseguimos cumprir com um dos desígnios basilares da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996: formar cidadãos.
É preciso recordar e gravar em letras garrafais o Artigo 2 da Lei 9.394 de 1996:
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (Lei 9.394, 1996)
De tempos para cá, o governo federal conferiu prioridade ao segundo eixo estruturante da educação, o trabalho. Assim o é também nos mais variados estados da federação, independente da coloração partidária.
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Se a finalidade de educar para formar cidadãos não teve o papel que merecia no período pós ditatorial, ela ficou ainda mais em segundo plano nos governos recentes.
Assim como quer os interesses da Casa-Grande e, de igual forma, das grandes fundações empresarias nacionais e internacionais da educação.
O “saber fazer” tomou tamanha proporção que o “saber pensar”, do ponto de vista crítico e reflexivo, se tornou peça rara nas Escolas de Ensino Médio. A ênfase é no ensino integral, técnico e profissionalizante, o lema é o “Trabalho”.
Estas eleições e a representatividade do recém-eleito presidente, para grande parte da população brasileira, nos providencia um diagnóstico simples. Nosso sistema de ensino, no que se refere a propiciar conhecimentos adequados sobre princípios, direitos e valores da democracia e direitos humanos, falhou peremptoriamente.
Está aí o maior nó górdio da sociedade brasileira. A educação é o fiel da balança entre a civilização e a barbárie. Enquanto não entendermos isso ficaremos à mercê das conjunturas políticas habituais.
Não à toa, das primeiras medidas do governo Temer, duas delas se referiram à educação: o congelamento dos gastos sociais e a reforma do ensino médio que, lembremos, foi lançada no primeiro mês do governo golpista enquanto Medida Provisória.
Não à toa também os vitoriosos destas eleições presidenciais, adeptos da filosofia da violência, amantes do capitalismo neoliberal e selvagem e da opressão dos mais pobres, propõem a privatização do ensino superior, a introjeção no ensino no ensino básico do sistema de educação à distância, bem como promovem o projeto “Escola sem Partido” no Congresso e insuflam perseguições atentando contra direitos de liberdade de expressão e de cátedra consagrados também na Constituição.
É chegada a hora de compreender que a educação e a sala de aula são os locais por excelência para se alcançar uma sociedade livre e democrática. É principalmente na sala de aula que se formam cidadãos plenos, cônscios e defensores dos direitos humanos consagrados nacional e internacionalmente.
Não compreender e atuar decididamente em todos os âmbitos possíveis, para construção de currículos, programas, formação de professores, etc. é permitir que a filosofia da violência siga prevalecendo em nossos frágeis trópicos. A educação é nossa Helena nessa marcante Guerra de Tróia.
* Carlos Enrique Ruiz Ferreira é mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, pós-doutor em Filosofia pela mesma casa e, atualmente, é professor de Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba e presidente do Conselho Estadual de Educação da Paraíba. Integrante do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI. cruiz@usp.br
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