quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

O fascismo por ele mesmo: Emílio Garrastazu Médici

O fascismo por ele mesmo: Emílio Garrastazu Médici

General governou Brasil entre 1969 e 1974, colocando em prática estratégia de repressão instaurada pelo AI-5 que perseguiu jornalistas, estudantes e sindicalistas

REDAÇÃO

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Opera Mundi publica, nesta semana, um especial sobre fascismo - contado pelos próprios fascistas. São discursos e entrevistas de Adolf Hitler (Alemanha), António Salazar (Portugal), Francisco Franco (Espanha), Rafael Videla (Argentina), Benito Mussolini (Itália), Emílio Garrastazu Médici (Brasil) e Philippe Pétain (França) que mostram como estas figuras pensavam as sociedades que governavam e justificavam os atos de seus regimes. 

Emilio Garrastazu Médici (1905-1985) nasceu em Bagé, Rio Grande do Sul. Filho de fazendeiros imigrantes italianos. Influenciado pelos ideais golpistas de Getúlio em 1930, formou-se oficial na Escola Militar de Realengo, engatando uma longa carreira no Exército. Em 1957 assume a chefia do Estado-Maior da 3ª Região Militar e, quatro anos mais tarde, é promovido a general-de-brigada. Médici mobilizou seus comandados da Academia Militar das Agulhas Negras, no Rio de Janeiro, após o golpe militar de 1964, colaborando com a ditadura e exercendo o cargo de adido militar em Washington. É nomeado chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) e, em seguida, torna-se comandante do 3º Exército, em 1969. 
No mesmo ano, é escolhido pelos militares para governar o país até 1974, quando é substituído pelo general Ernesto Geisel. Durante sua liderança, Médici põe em prática a máquina de repressão iniciada pelo Ato Institucional Nº 5, decretado em 1968. O ditador restringe liberdades democráticas, censura a imprensa e combate movimentos estudantis – fatos maquiados por uma massiva propaganda patriótica que atribui a reorganização nacional ao processo de industrialização. Em 1974, ao encerrar seu mandato, o general abandona a vida política. Morre aos 79 anos em 9 de outubro de 1985 – mesmo ano em que os 21 anos de ditadura são encerrados no Brasil. A causa da morte foi apontada como insuficiência renal aguda e respiratória, originada por um Acidente Vascular Cerebral (AVC). 
Após a morte do marechal Costa e Silva em 1969, assume a Junta Governativa Provisória. Pouco tempo depois, Médici é escolhido. Em 07 de outubro daquele ano, o então futuro presidente discursa no rádio e na televisão. 

Discurso: O jogo da verdade
Mensagem lida ano rádio e na televisão em 7.out.1969
Recebo a indicação do meu nome para a Presidência da República consciente da responsabilidade excepcional dessa missão que me foi imposta pelo consenso das Forças Armadas e tornada irrecusável pelo confiante acolhimento da Nação.
Fiz tudo o que estava ao meu alcance para que meu nome não fosse cogitado. Não consegui, porém, demover meus pares, que tomaram a seu cargo a tarefa de resolver o problema sucessório, nem mesmo os três Ministros Militares foram sensíveis ao meu apelo.
Não valeram e nem foram consideradas as razões que me levaram a declarar, mais de uma vez, meu veemente desejo de não ocupar tão elevado cargo.
Há 45 anos sirvo ao Exército e a ele, somente a ele e à Nação, consagrei todo o meu preparo profissional.
Quis o Alto Comando das Forças Armadas, auscultando os altos comandos das Forcas Singulares, selecionar meu nome para substituir o presidente Costa e Silva, como capaz de manter coesas e unidas as Forças Armadas da Nação em torno os ideais da Revolução de Março de 1964.
Impõe-me, assim, o Alto Comando das Forças Armadas, mais um dever a cumprir. Não me cabe o direito de fuga.
Revolucionário desde a mocidade, atuei, em 1964, diretamente sob as ordens do Marechal Costa e Silva, a cujo governo também pertenci. Durante esse estreito convívio, aprofundou-se a minha amizade e admiração por aquele eminente Chefe militar e estadista. É, portanto, compreensível que, ao sentimento de pesar de todos os brasileiros pelo sofrimento que atingiu o Presidente, acrescente-se, em meu íntimo, a tristeza maior do companheiro de mocidade, de vida militar e de serviço público. Não desejaria substituí-lo, muito menos em tão duras circunstâncias. Mas aprendi, com o próprio Marechal Costa e Silva, que o destino do soldado não lhe pertence. Nem lhe é permitido escolher encargos.
Sei de minhas dificuldades, mas procurarei ultrapassá-las pela escolha de auxiliares capazes, dignos e patriotas que, em qualquer circunstância, tenham os interesses nacionais acima, e muito acima de seus próprios.
A Revolução de Março de 1964 deu um novo destino ao Brasil, e sua obra, começada com o Marechal Castelo Branco — de saudosa memória — não pôde ser concluída pelo Marechal Costa e Silva.
Cabe-me, portanto, por imposição de meus pares, prosseguir no rumo tragado por esses dois eminentes brasileiros. 
O meu governo vai iniciar-se numa hora difícil. Sei o que sente e pensa o povo, em todas as camadas sociais, com relação ao fato de que o Brasil ainda continua longe de ser uma nação desenvolvida, vivendo sob um regime que não podemos considerar plenamente democrático. Não pretendo negar essa realidade, exatamente porque acredito que existem soluções para as crises que a criaram ou que dela decorrem. E estou disposto a pô-las em prática.
Desse modo, ao término do meu período administrativo, espero deixar definitivamente instaurada a democracia em nosso país e, bem assim, fixada às bases do nosso desenvolvimento econômico e social. Advirto que essa não poderá ser obra exclusiva da administração pública, e, sim, uma tarefa global da Nação, exigindo a colaboração dos brasileiros de todas as classes e regiões. Democracia e desenvolvimento não se resumem em iniciativas governamentais: são atos de vontade coletiva que cabe ao Governo coordenar e transformar em autênticos e efetivos objetivos nacionais.
É preciso ficar claro que não vamos restabelecer as instituições que nos levaram à crise de 1964. Jamais voltaremos àquele sistema político que subjugava completamente a vontade popular ao jogo das manipulações de cúpula.
Nem àqueles desregrados impulsos de desenvolvimento, mais intuitivos que racionais, e que acabaram redundando na torrente inflacionária.
Temos viva a lembrança de que, por efeito daquele sistema, foram-se distinguindo, no País, uma minoria integrada nas instituições e uma grande maioria marginalizada. Com o tempo, passamos a enfrentar o risco de uma cisão interna, chegando ao ponto que obrigou as Forças Armadas a intervirem para salvar a unidade nacional, evitando a desagregação e o caos. Desse modo, as instituições não foram assaltadas pelos militares, como pretendem apregoar os inimigos da Revolução, mas, de fato, foram sustentadas pelos mesmos, no auge da crise, que ameaçou cindir a Nação, entre uma minoria com participação na ordem econômica e política e, de outro lado, uma maioria não dispondo de qualquer renda e, consequentemente, sem meios práticos de poder exercer ou exigir os seus próprios direitos, vivendo em condições que, como observou o papa João VI, na sua histórica visita ao nosso Continente, não se coadunam com a dignidade espiritual do homem.
Por tudo isso, é inaceitável o retorno à situação pré-revolucionária.
Repudiamos a pregação dos extremistas, que exigem, e de forma primária, a destruição das instituições.
E também o apelo de oligarquias que recomendam a sua inalterável manutenção. Nosso deve é impor-lhes uma profunda transformação pela qual deixem de servir aos privilégios de minorias, para atender aos supremos interesses do País.
Essa reforma das instituições econômicas, sociais e políticas não será obtida com simples medidas corretivas ou repressivas, adotadas ao sabor dos acontecimentos. Exige, na verdade, uma revolução.
Foi isso o que a Forças Armadas se decidiram a fazer: completar o movimento de 1964, transformando-o em autêntica Revolução da Democracia e do Desenvolvimento, em consonância com as mais lídimas aspirações nacionais.
Vamos dar efetividade a esses objetivos revolucionários. Nesse sentido, iremos ouvir os homens de empresa, os operários, os jovens, os professores, os intelectuais, as donas de casa, enfim, todo o povo brasileiro. 
Será um diálogo travado sobre o nosso País, os nossos problemas, os nossos interesses e o nosso destino. Naturalmente, esse entendimento requer universidades livres, partidos livres, sindicatos livres, imprensa livre, Igreja livre. Mas livres, acima de tudo, daqueles grupos minoritários que ainda hoje, jogando com todos os processos de uma técnica subversiva cada vez mais aprimorada e audaciosa, pretendem servir a ideologias que já estão sendo repudiadas e superadas nos seus próprios países de origem. Na medida em que os estudantes, os políticos, os operários, os jornalistas e os religiosos conseguirem livrar-se dessas manipulações e manobras, assegurando autenticidade às manifestações de sua vida institucional, estarão conquistando a própria liberdade que - é bom deixar esclarecido - não cabe ao governo outorgar, mas, apenas reconhecer. Estarei atento a esse esforço de libertação, em cada dia do meu governo. Mas não me deixarei iludir, nem iludir ao povo. Chegou a hora de fazermos o jogo da verdade.
Apresentarei à Nação, oportunamente, um plano econômico e administrativo, resguardando basicamente os resultados já obtidos pela Revolução, fixando as metas de incremento da produção e de expansão do mercado, tendo em vista a prioridade dos setores da educação, da saúde e da alimentação, o atendimento das regiões menos desenvolvidas, à estabilidade monetária, a correção dos desequilíbrios regionais de renda, a redução das desigualdades na distribuição das rendas individuais, os salários justos e a participação dos trabalhadores nos benefícios do desenvolvimento e, bem assim, os critérios das reformas institucionais.
Entretanto, insisto em afirmar que não acredito em nenhum plano de governo que não corresponda a um plano de ação nacional. Na marcha para o desenvolvimento, o povo não pode ser espectador. Tem de ser o protagonista principal. Daí, o apelo que nesta oportunidade, dirijo ao País: que todos os indivíduos, classes, organizações sociais e políticas e centros culturais, em todos os recantos do território nacional, formulem os seus programas e reivindicações para o momento presente. Asseguro que nenhuma sugestão deixará de ser devidamente apreciada. Mobilizarei, para esse estudo e analise, não só os órgãos de planejamento, mas, inclusive, as diversas instituições de pesquisa – civis e militares – a fim de realizar o levantamento global das sugestões e a adequada formulação da sua síntese. Com isso, poderemos completar o plano de ação a ser executado nos próximos anos. 
Precisamos reproduzir, na vida político-administrativa, aquilo que conseguimos, até hoje, nas atividades esportivas ou artísticas. De fato, é significativo que tenhamos obtido expressivos triunfos exatamente naqueles setores em que ocorre uma entusiástica e comovida participação do povo. No entanto, não é possível que, no século das conquistas espaciais, no momento em que os modernos sistemas de computação e informação marcam o fim das soluções meramente ideológicas, no instante em que a extraordinária revolução da técnica possibilita o arranco de tantas nações para o desenvolvimento, não é possível, repito, que um pais como não venha registrar, também, realizações e êxitos marcantes na história da civilização. O Brasil é grande demais para tão poucas ambições. E está a exigir dos seus filhos uma atuação que realmente corresponda à magnitude do seu território, bem como aos alevantados ideais das gerações que nos legaram todo esse imenso patrimônio. Uma atuação, enfim, que se eleve á altura dos incontidos sonhos da mocidade que se prepara para dirigi-lo e cuja meta não pode ser outra, senão o triunfo final na arrancada para o desenvolvimento econômico e social.
No curso do Governo, jamais procurarei impor o meu programa administrativo, mediante efeitos de propaganda ou a simples divulgação de resultados estatísticos. A última palavra será dada, de acordo com os reflexos que efetivamente se verifiquem nas condições de vida. Igualmente, qualquer sacrifício a ser imposto nos setores privados corresponderá, previamente, a um ato ou reforma do próprio Governo. 
Simultaneamente, ficarão fixados os limites em que o Estado atuará e aqueles dentro dos quais terão atuação, em maioria, os setores particulares nacionais e, bem assim, os investidores estrangeiros que nos tragam a sua indispensável colaboração de técnica ou de capital.
Manteremos os nossos compromissos internacionais, deixando claro que os mesmos implicam em reciprocidade de tratamento. Vamos cumprir o que nos cabe e exigir o que nos é devido. Não pretendemos aceitar e, muito menos, impor lideranças de qualquer tipo, respeitando a lição da história contemporânea que nos ensina que a convivência internacional só pode ser mantida nos termos de uma comunidade de nações livres e soberanas.
Permaneceremos unidos com os países do Hemisfério na luta em prol do nosso desenvolvimento e sempre no sentido da plena efetivação dos princípios cristãos da cultura ocidental. E continuaremos identificados com todas as demais nações, no esforço comum pela paz e pela mais justa distribuição das conquistas do nosso tempo, por todos os povos da terra. 
É com essa disposição que encaro minhas novas e graves responsabilidades. Espero que cada brasileiro faça justiça aos meus sinceros propósitos de servi-lo. E confesso, lealmente, que gostaria que o meu governo viesse, afinal a receber o prêmio da popularidade, entendida no seu legítimo e verdadeiro sentido de compreensão do povo. Mas não pretendo conquista-la, senão com o inalterável cumprimento do dever. 
Desejo manter a paz e a ordem. Por isso mesmo, advirto que todo aquele que tentar contra a tranquilidade pública e a segurança nacional será inapelavelmente punido. Quem semear a violência colherá fatalmente a violência. 
Quero transformar em dever de Chefe de Estado o desejo sincero de garantir a harmonia do empenho dos senhores juízes, legisladores e governantes, no âmbito federal como no estadual, para a convergência de esforços e colaboração mútua na consecução de nossos objetivos comuns. 
Considero, também, que não podemos perder mais tempo, recordando os erros de administrações anteriores. Em vez de jogar pedras no passado, vamos aproveitar todas as pedras disponíveis para construir o futuro. 
Interpreto os anseios de afirmação nacional do povo brasileiro como uma tendência irrecusável em nossa época.
E procurarei ser fiel aos seus imperativos simplesmente realizando um governo do Brasil, pelo Brasil e para o Brasil, dentro do concerto das nações livres da América e do mundo.
Impor-me-ei, como Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, a consciência de que todas as minhas atitudes e determinações terão a plenitude da correspondência de meus chefes comandados, dentro do rigor e da justeza das normas militares que, institucionalmente, nos regem a todos.
Com base indiscutível no mais amplo respeito há disciplina, na fiel observância da cadeia hierárquica e sob o manto de inquebrantável coesão estarão garantidas as condições primordiais do preparo profissional militar e da disposição para manter o ímpeto revolucionário, marcado na alma e na vontade de cada soldado no Brasil. 
São esses os meus propósitos. Que Deus, atendendo às minhas orações, me dê força, a coragem e a firmeza de cumpri-los. 
(*) Transcrição: Haroldo Ceravolo Sereza

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