Advogados ambientais expõem erros de conduta da Vale em Brumadinho
Sociedade civil precisa exigir da Vale transparência, respeito à vida e ao ecossistema do país
Quem levanta essa questão é o advogado ambiental e ex-secretário do Meio Ambiente do Distrito Federal, André Lima, para quem os resultados de auditorias públicas que expressem margens de lucro e que consequentemente, envolvam atividades de risco à natureza e às vidas humanas, devem ser transparentes, ao alcance da sociedade. Reduzir os custos ao limite é uma prática costumeira entre as empresas, assim como os lobbys mantidos com órgãos governamentais, explica Lima.
A advogada e coordenadora do GAAV (Grupo de Advocacia Animalista Voluntária) de São Paulo, Letícia Filpi, alerta que, além das vidas humanas interrompidas e o sofrimento dos familiares, condutas das quais a Vale tem de ser responsabilizada, há também o direito dos animais e seu bem-estar. Vacas atoladas na lama e que precisavam de resgate foram abatidas a tiros pela Polícia Rodoviária Federal, um método menos oneroso para a empresa, explica Letícia.
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“Por negligência a Vale colocou os animais naquela situação e agora estão atirando, o que configura crime de maus-tratos e responsabilização penal da empresa”. Na segunda 28, a Polícia Rodoviária Federal, submeteu bovinos ao abate, por meio de eutanásia durante um sobrevoo de helicóptero. A PRF esclareceu que a medida foi tomada a partir de orientação de veterinários. Após repercussão negativa da decisão, a Vale montou, no domingo 3, um hospital veterinário, em uma fazenda alugada na região de Brumadinho (MG), com o objetivo de cuidar dos animais resgatados.
A Lei de Crimes Ambientais nº 9.605/98 não estabelece dolo (quando há intenção de provocar o dano ou o crime) ou culpa (quando há a previsão de que o crime pode ocorrer, mas não há preocupação com a conduta que pode levar ao crime) e são de responsabilidade objetiva, que no direito ambiental, não é necessária a intenção de prática do crime, ou seja, aconteceu o dano ou crime, a responsabilização é vinculada automaticamente aos envolvidos, pois é necessária apenas a ligação entre a conduta do responsável e o dano causado por ele.
A biodiversidade afetada pela lama e seus efeitos a longo prazo, o desequilíbrio ecológico, as mortes e maus-tratos aos quais os animais foram submetidos configuram além de responsabilidade objetiva, responsabilidade solidária, isto é, sofrem de responsabilidade no crime todos aqueles que atuaram de forma direta ou indireta colaborando para que o desastre tenha acontecido.
Desta forma, além da Vale, por ter sido a responsável pela conduta que provocou o dano, o Ministério Público (MP) e seus promotores, caso nunca tenham ingressado com uma ação civil pública para tentar impedir a instalação das barragens em Brumadinho, podem também ser responsabilizados, explica a coordenadora do GAAV.
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Os crimes ambientais de Mariana e Brumadinho expõem as falhas na implementação da legislação de licenciamento ambiental, ou seja, de monitoramento, auditoria e fiscalização, afirma Lima. Segundo ele, a falta de rigor na legislação e a fragilidade dos órgãos destinados ao monitoramento de barragens contribuem.
O monitoramento não detectou as falhas, e a fiscalização “que não sei sequer se aconteceu e, ainda que tenha acontecido”, não detectou nenhum tipo de irregularidade ou alerta a respeito dos riscos, completa o ex-secretário. Lima explica que se houve o alerta, a responsabilidade é mais grave”.
Se foi detectada determinada falha e os órgãos responsáveis orientaram na tomada de alguma medida, mas a Vale ignorou, pode caracterizar crime ou mesmo dolo eventual. Não investir o recurso mínimo necessário para garantir a segurança nas empresas que operam em atividades de risco não significa que há intenção de matar, mas a mineradora poderia dimensionar que o risco é grande” e que poderiam haver consequências, explica o ex-secretário.
Uma lei ambiental só é boa quando permite que mecanismos e ferramentas garantam que o que a lei estabelece seja de fato executada. André Lima cita como exemplo a lei ambiental que proíbe o desmatamento ilegal. Essa lei é boa? Indaga Lima. Depende. Para o advogado, lei boa é aquela que é implementada. “Se não temos as ferramentas para garantir a lei, essa lei não é boa”.
No caso do desmatamento ilegal foi criado, em 2015, o Cadastro Rural pelo Incra e Receita Federal, que consiste em uma foto de satélite que define os limites de propriedade e permite ao órgão ambiental fazer o monitoramento. O cadastro rural é uma ferramenta que viabiliza a aplicação da lei e foi possível, dessa forma, criar um embargo do uso da área desmatada ilegalmente e desestimular o desmatamento.
ex-secretário de Meio Ambiente do DF ainda completa que a legislação é boa quando “garante máxima transparência”, que permita que a sociedade fiscalize o fiscalizador, monitore quem monitora, audite quem audita. “Existem centenas de barragens espalhadas pelo país e não temos transparência sobre cada uma delas, como foram os resultados das auditorias, os critérios adotados para definir os graus de risco e essa discussão precisa ser feita.”
Ele ressalta que a legislação precisa garantir que órgãos independentes de controle como o Ministério Público, Tribunal de Contas, auditorias, controladorias e Organizações da Sociedade Civil de interesse público possam, por meio de ferramentas, serem informadas com transparência para monitorar e cobrar dos órgãos responsáveis a fiscalização, monitoramento e auditorias adequadas.
“As iniciativas populares são importantes e podem ser eficientes quando há de fato mobilização e discussão qualificada, de conteúdo, que não sejam simplesmente reivindicações pontuais, episódicas para um problema estruturante.”
No caso dos crimes que a Vale cometeu ao ecossistema da região, e que se estenderá a outros locais, Letícia explica que os animais silvestres são protegidos e as indenizações a estes crimes podem ser exigidas pela sociedade por dano moral coletivo. Isto porque, a morte de todos os animais e os danos ambientais que ocorreram em Brumadinho geraram uma comoção social. Na esfera penal só o Ministério Público pode denunciar os crimes ambientais e, se acatado pelo juiz, dá-se início ao processo penal.
Na esfera civil, ONGs, MP e órgãos da administração direta e indireta podem ingressar com ação civil pública para responsabilizar civilmente todos os envolvidos nos crimes ambientais. “O crime ambiental causa um dano e gera a responsabilidade civil. Essa responsabilidade civil decorre das atitudes dos dirigentes da mineradora ao deixarem a barragem se romper”, diz Letícia. Na ação civil pública, o reflorestamento, a retirada da lama e projetos ambientais para recuperar a área podem ser exigidos, enquanto que na ação penal, a prisão, a interrupção das atividades, o fechamento da empresa são penalidades previstas na Lei de Crimes Ambientais.
Ainda segundo Letícia, o promotor de Justiça pode pedir indenização por cada animal morto pela Vale, tanto os domésticos quanto os silvestres. “Para cada animal que a Vale matou é um crime com uma pena, que se somam. A empresa matou esses animais, não há dúvidas quanto a isso, existindo um nexo de causalidade entre a conduta e a morte. Se não fossem negligentes com a segurança da barragem, os animais não teriam morrido”.
“Se há nexo de causalidade, há responsabilidade”, completa. A Vale foi alertada pelo Ibama da possibilidade de rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em dezembro de 2018. E por terem sido alertados, a Vale foi negligente ao prosseguir com suas operações. “Não é possível que um ser humano, ciente de tudo o que poderia acontecer, ainda continuasse seguindo o mesmo caminho. A ganância cegou essas pessoas”, diz a coordenadora, referindo-se à diretoria da Vale.
Ela explica que as organizações não governamentais de proteção da causa animal e ambiental podem agir em conjunto para responsabilizar a mineradora por ação civil pública. Já o cidadão portador de título de eleitor pode se manifestar pela ação popular, com coleta de assinaturas, reivindicando a recomposição do meio ambiente, indenização por danos morais coletivos e danos materiais. “As penas aos culpados temos de aguardar as ações do Ministério Público, mas quanto aos danos ambientais e morais na esfera civil, as ONGs podem entrar com ação civil pública e os cidadãos, com ações populares, no âmbito dos direitos difusos e coletivos.”
Ao completar uma semana na sexta de 1º de fevereiro, o desastre da reincidente Vale em Brumadinho (MG) se consolida nas primeiras posições entre os crimes ambientais que envolveram vítimas humanas e consequências incalculáveis ao meio ambiente.
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