Mineradoras desconsideram danos ao ecossistema e à sociedade
As empresas do setor tendem a só levar em conta a poluição que geram porque isso é regulamentado por lei, diz estudo
Mineradoras tendem a considerar que os impactos ambientais causados pela sua atividade são só a poluição, seja do ar, da água ou sonora, todas elas regulamentadas pelo poder público e perdem de vista o enorme efeito da mineração sobre o ecossistema e a comunidade ao redor, alerta Maria Amélia Enríquez, professora da Universidade Federal do Pará e da Universidade da Amazônia, em análise do tema realizada com colegas da USP e da UFRJ.
Segundo Enríquez, “sem ecossistemas íntegros dificilmente se pode pensar em desenvolvimento sustentável, uma vez que sem água limpa não há produção agrícola nem pesqueira, em solos contaminados não brota vida e a saúde da população fica prejudicada”. Ecossistema é o conjunto dos relacionamentos mútuos entre determinado meio ambiente e a flora, a fauna e os microorganismos que nele habitam, e que incluem os fatores de equilíbrio geológico, atmosférico, meteorológico e biológico.
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Mas se a atenção das mineradoras se restringe à poluição que provocam e deixa de lado seu efeito no ecossistema, é preciso considerar que muitas vezes nem mesmo aquele aspecto é levado em conta. É o que mostra o comprometimento da qualidade das águas pela mineração em Paracatu, Vazante, Conceição do Mato Dentro, Itabira, Congonhas, Araxá e Itabira em Minas Gerais, Canaã dos Carajás no Pará, Cajati em São Paulo e nas áreas de mineração de carvão em Santa Catarina, e ainda a degradação do ar em Araxá, Itabira, Paracatu, Canaã dos Carajás e na cidade goianiense de Crixás, objetos de estudos de caso analisados por Enríquez e seus colegas.
Em Paracatu, “um dos motivos do conflito é o aumento da utilização da água do rio Paracatu, além de outras fontes de água como o córrego Machadinho, que é represado na barragem da mineradora canadense Kinross. A mina Morro do Ouro represa água dos cursos naturais da área em que se localiza e também capta à distância um grande volume de água em córregos da bacia do rio São Francisco para o processo de concentração do ouro. No córrego São Pedro a mineração capta 0,4 metros cúbicos por segundo, sendo este curso d’agua utilizado também para irrigação, por moradores da região. Essa captação equivale quase duas vezes a capacidade de distribuição da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) para a cidade, que é de 0,21 metros por segundo”, chama atenção a pesquisa.
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Conflitos entre mineradoras e outras atividades pelo uso da água ocorrem ainda em Vazante, destaca o trabalho: “Isso acabou por poluir o rio Santa Catarina e gerar intensos protestos por parte das comunidades rurais ribeirinhas, além dos vizinhos mais próximos à mineração afetados pelo rebaixamento do lençol freático (subterrâneo). … Esses danos são provocados por emissões de líquidos contaminados, detonação de explosivos, emissão de ruídos e interrupção de estradas que podem causar destruição da vegetação, alteração da paisagem local e perturbação do ecossistema, acarretando baixa qualidade de vida humana.”
A falta de consideração das mineradoras em relação ao conjunto de efeitos da sua atividade fica evidente também na dimensão social pois as empresas atuam junto à população do entorno muito mais com iniciativas assistencialistas, compensatórias ou motivadas pela expectativa de receber algum incentivo. “As companhias não têm uma proposta efetiva de fortalecimento social que, de fato, contribua para a redução das assimetrias entre a grande mina e as populações locais.
A lógica das empresas ainda não absorve o capital social, o lucro social, enquanto um ativo importante”, sublinha Enríquez. Projetos encaminhados com esse tipo de lacuna “revelam-se catalisadores de conflitos e situações de injustiça socioambiental, nas quais pequenos grupos de empresários auferem fabulosos benefícios enquanto as populações mais vulneráveis sofrem com os impactos negativos das externalidades do empreendimento econômico”.
É o caso, por exemplo, das atividades da CSN no bairro Plataforma, de Congonhas, onde a empresa carrega trens com minério, origem de “um longo processo de conflito que envolve poluição atmosférica, poluição sonora e disputa por território, que levou à remoção de cerca de 300 famílias”. Destaque-se a atuação da Vale em Canaã dos Carajás, no Pará, onde moradores descrevem “um cenário dantesco em que as vibrações e os ruídos causados pela extração de cobre atingem a todos: pessoas e animais, sem que a empresa e o poder público local tomem medidas para a resolução desse problema.
Moradores de comunidades vizinhas ao Projeto Sossego dizem que por causa do forte ruído provocado pelas máquinas e pela explosão de dinamite na mina já perderam suas casas, pois estas sofreram rachaduras, parte do gado morreu estressado, vacas abortam ou não estão procriando como antes e as galinhas deixaram de botar ovos.”
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