quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Incra agride Constituição ao romper diálogo com MST, alerta PFDC


Incra agride Constituição ao romper diálogo com MST, alerta PFDC

 
O general João Carlos Jesus Corrêa, novo presidente do Incra defende o fim do diálogo com o MST por questões ideológicas — Foto: Agência Brasil
Publicado originalmente no blog do autor
Pródigo em promover despautérios e estropícios, o governo de Jair Bolsonaro talvez jamais tenha imaginado encontrar barreiras constitucionais e legais que lhes impede avançar com sua pauta conservadora e nitidamente ideológica. No meio da balburdia que domina os primeiros 60 dias de governo, a ânsia dos novos governantes em tentar impedir a luta pela reforma agrária e a tentativa de criminalizar a ocupação de imóveis sofreram um baque forte. 
A diretoria do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) – à frente o general João Carlos Jesus Corrêa, na presidência, junto com o coronel do Exército João Miguel Souza Aguiar Maia de Sousa, como ouvidor agrário – bem que tentou levar adiante, dentro de um projeto maior de combater movimentos à esquerda, a promessa de campanha do capitão-presidente. O resultado, porém, foi diametralmente oposto.
Com o Memorando Circular nº 234/2019, de quinta-feira (21/02), o ouvidor imaginou ser possível alijar, silenciar e, quem sabe, esvaziar o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Com o documento, tentou impedir que superintendentes e demais servidores do Instituto recebam o MST ou seus representantes. Alega que a entidade “não possui personalidade jurídica”, isto é, CNPJ. Também determinou o fechamento das portas da instituição – logo, do diálogo – àqueles que classifica como “invasores de terra”. Estes, alegou, “devem ser notificados conforme a lei”.
Os dois oficiais do Exército e seus auxiliares, porém, esqueceram de consultar a Constituição e a legislação vigente. Parece não perceberem que o papel fundamental da Ouvidoria Agrária, criada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, é justamente o de “promover a adoção de mediação e conciliação” nos conflitos agrários que se espalham pelo país a dentro. 
Ao tentarem alijar um movimento social com 35 anos de existência que se espalha por 24 estados e contabiliza mais de 350 mil famílias beneficiadas com lotes de terra, os dois oficiais do Exército brasileiro deixaram de lado o bom senso em nome de uma política meramente ideológica de extrema direta, criada e alimentada em palanque eleitoral, sem base legal.
Em consequência, sofreram uma reprimenda que pode ser entendida como a primeira derrota da política conservadora que o governo tentará impor a todos os que lutam pela reforma agrária.
A reprimenda consta da advertência pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, através da Recomendação Nº 1/2019/PFDC/MPF, que alerta sobre a impossibilidade de alijarem do diálogo aqueles que simplesmente tentam cumprir o que determina a Constituição.
O documento assinado pela procuradora federal dos Direitos do Cidadãos, Deborah Duprat e outros cinco procuradores do Grupo de Trabalho Reforma Agrária – Júlio José Araújo Junior, Jorge Luiz Ribeiro de Medeiros, Ivan Claudio Marx, Michele Diz y Gil Corbi e Raphael Luís Pereira Bevilacqua – mostra aos dirigentes do Incra que “os potenciais beneficiários da política nacional de reforma agrária não podem ser prejudicados ou discriminados por cumprirem dois desígnios constitucionais, quais sejam, buscar a reforma agrária e se associarem livremente para tal fim“.
Não bastasse, adverte que no seu artigo 187, a Constituição “determina a necessária participação de produtores e trabalhadores rurais no planejamento e execução da política nacional de reforma agrária e incentiva o cooperativismo”.
A nova diretoria do Incra foi ainda informada não poder desconsiderar que a ocupação de imóveis que estejam em desuso, que os bolsonaristas tentam a todo modo tratar como atividade criminosa – alguns até falam de “ato terrorista” -, também é algo a ser respeitado, pois admitido pela Carta Magna.
Afinal, lembram os procuradores, “a ocupação de imóveis que não cumprem a função social da propriedade situa-se dentro das liberdades de manifestação, protesto e expressão“.
Ou seja, de forma clara, a direção do Incra foi advertida que o simples ocupar de imóveis em desuso não pode ser criminalizado como desejam o clã Bolsonaro e seus seguidores.
Também não podem exigir que as entidades representativas tenham constituição jurídica pois “a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”.
Sem merecer o devido destaque da chamada mídia tradicional, o documento da PFDC tem importância relevante diante de um governo que não esconde seu viés ideológico, tampouco que se alinha com o que existe de mais retrógrado entre os produtores rurais. Sinal desse alinhamento foi subordinar a questão da reforma agrária – incluindo o próprio Incra – ao ministério da agricultura, entregue à deputada federal Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias, do DEM-MS, uma líder da bancada ruralista.
A Recomendação da PFDC, logo na manhã de segunda-feira (25/02), determina que o Ouvidor Agrário do INCRA, torne sem efeito, imediatamente, o Memorando Circular nº 234/2019, sob pena de responder “ações judiciais cabíveis, sem prejuízo da apuração da responsabilidade civil e criminal individual de agentes públicos”.
Afinal, como lembram os procuradores, “as orientações adotam posição de acirramento de tensões sociais e conflitos no campo, em contrariedade ao papel mediador e de busca de pacificação, prevenção e resolução de tais antagonismos, conferido à Ouvidoria Nacional Agrária pelo ordenamento jurídico;
Também os superintendentes do Instituto são advertidos para que “procedam a atendimento amplo e integral de todos os usuários do serviço público, sem discriminação de qualquer natureza, o que deve abranger movimentos sociais e quaisquer entidades“. Como o ouvidor, estão sujeitos a responder judicialmente caso não atendam à recomendação.
A iniciativa dos procuradores merece destaque, inclusive, por surgir quando poucos se aperceberam do risco de alijamento dos trabalhadores rurais sem terra de possíveis negociações e torno da reforma agrária, a partir do memorando do Ouvidor Agrário. Nada diferente do que prometeu o capitão-presidente. Sem respaldo legal, como mostram os procuradores. Mas uma ameaça que se concretizou com a emissão do memorando, muito pouco divulgado. A iniciativa ter sido barrada pela PFDC mostra, por seu lado, que algumas instituições estão alerta e funcionando. Não se sabe se todas. Leia abaixo a íntegra da Recomendação:

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