Prisão de Assange revela retrocesso global e ameaça à democracia no mundo, dizem sociólogos
Na opinião dos sociólogos Laurindo Lalo Leal e Sérgio Amadeu, ação contra criador do WikiLeaks é repressão à liberdade de expressão e presidente do Equador se mostrou "traidor" e "serviçal" dos EUA
“Fale não porque é seguro, mas porque é certo.” A frase é de postagem de 10 de fevereiro de 2017 e está, nesta quinta-feira (11/04), no alto do perfil do Twitter de Edward Snowden, ex-agente da NSA (Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos) – retuitada por ele mesmo. É um emblema oportuno para o episódio da prisão do australiano Julian Assange, fundador do WikiLeaks, na embaixada do Equador em Londres, onde ele estava asilado desde 2012.
“A fraqueza da acusação dos Estados Unidos contra Assange é chocante”, acrescentou Snowden. “Os críticos de Assange podem aplaudir, mas este é um momento sombrio para a liberdade de imprensa”, disse em outro tuíte.
Independentemente de qualquer pretexto para justificar a prisão (como o argumento de que ele “fugiu da fiança” e se refugiou na embaixada do Equador em Londres), o real motivo é o inconformismo dos Estados Unidos com a atuação do WikiLeaks. A prisão foi facilitada pela mudança de governo no Equador, hoje comandado pelo direitista Lenín Moreno, após a gestão do progressista Rafael Corrêa.
Para Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e professor aposentado da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), a prisão de Assange significa “uma violação importante” do direito à liberdade de expressão em nível global. “Isso faz parte de um momento de retrocesso que estamos vivendo em todo o mundo, em termos de liberdades individuais”.
Na opinião do sociólogo e professor da Universidade Federal do ABC Sérgio Amadeu da Silveira, a prisão de Assange é uma afronta a tratados internacionais e a posicionamento das Nações Unidas, que o considera alguém perseguido por ter denunciado operações contra a humanidade por parte do governo dos Estados Unidos.
"Seu trabalho é fazer com que a verdade chegue às pessoas em todo o planeta. Ele é uma vítima da perseguição política e do poderio militar dos Estados Unidos, que coloca a verdade e a liberdade de expressão subordinada a sua estratégia de poder global", diz Amadeu.
Papel do Equador
Lalo Leal opina que o pior papel no episódio foi exercido pelo presidente do Equador, Lenín Moreno. "É o traidor da história. Traiu o Rafael Corrêa (ex-presidente) a serviço dos Estados Unidos. E isso mostra como é hoje a ação dos Estados Unidos em relação à América Latina."
Para Amadeu, "o que o governo do Equador fez foi uma absurda afronta às liberdades fundamentais e mostra que o atual presidente do Equador é um serviçal dos interesses norte-americanos, e a prisão nos alerta para os riscos que as liberdades democráticas e as democracias correm no mundo inteiro".
O sociólogo da UFABC defende, por isso, que haja manifestações nos consulados e embaixadas britânicas em todo o planeta. "A liberdade de Julian Assange é hoje sinônimo da defesa da liberdade de pensamento e do direito de a sociedade conhecer a verdade das operações dos poderosos contra as populações."
A acusação do Departamento da Justiça (DoJ) dos Estados Unidos é de que Assange se infiltrou em computadores do Departamento de Defesa para acessar informações secretas. O DoJ o acusa de ter ajudado a ativista Chelsea Manning a hackear os computadores em 2010. Condenada a 35 anos de prisão, Chelsea foi "perdoada" pelo ex-presidente Barack Obama em maio de 2017, após cumprir 7 anos.
Glenn Greenwald (The Intercept), no Twitter, lembra que, sob o governo Obama, o argumento contra o criador do WikiLeaks não prosperou porque autoridades da administração do democrata concluíram que violaria um dos mais caros princípios constitucionais dos Estados Unidos: a chamada Primeira Emenda, que garante a liberdade de expressão. “O DoJ de Obama concluiu que processar o WikiLeaks e Assange por publicar documentos seria uma grave ameaça à liberdade de imprensa.”
Em seu Twitter, Edward Snowden observa: “A alegação de que ele tentou (e falhou?) ajudar a decifrar uma senha em sua reportagem mundialmente famosa é pública há quase uma década: é o caso que o DoJ de Obama se recusou a cobrar, dizendo que o jornalismo estaria ameaçado”.
Para Lalo Leal, a ação de Assange de divulgar informações deve ser entendida levando-se em conta não apenas o aspecto legal (eventual ofensa aos interesses de Estado), já que sua intenção fundamental era divulgar dados de interesse público. “Nesse caso, o interesse público e da sociedade – além da liberdade de expressão – se sobrepõe aos interesses dos Estados.”
O professor lembra que a atuação do WikiLeaks revelou ações dos Estados Unidos que influenciaram a situação politica no Brasil, ao obter dados da Petrobras de maneira ilegal. As informações serviram à operação Lava Jato.
Donald Trump
Para Glenn Greenwald, “prender Assange e destruir o WikiLeaks foi uma das principais prioridades para os elementos mais reacionários da administração Trump desde o início”.
A administração de Donald Trump – cujos dogmas são hoje conhecidos também no Brasil de Jair Bolsonaro – imputa a Assange a acusação de que ele é um agente russo, o que soa paradoxal, pois o ativista foi saudado pelo próprio Trump, que teria sido ajudado na campanha eleitoral quando o Wikileaks divulgou informações contra Hillary Clinton.
“A crença de que Assange é um agente russo sempre foi dolorosamente estúpida (e, devo notar, completamente sem provas)”, anota Greenwald.
Wikimedia Commons
Julian Assange foi preso na quinta-feira na embaixada do Equador em Londres.
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