quarta-feira, 12 de junho de 2019

As conversas dos procuradores divulgadas na imprensa não são, necessariamente, provas ilícitas

Estado Democrático de Direito

As conversas dos procuradores divulgadas na imprensa não são, necessariamente, provas ilícitas

Se utilizadas para beneficiar acusados, mesmo consideradas ilícitas, poderão ser utilizadas em processos findos ou em andamento

 
11/06/2019 19:51
 
 
O material divulgado pelo The Intercept Brasil[1] com o conteúdo de conversas entre os Procuradores da Força-Tarefa da Lava Jato de Curitiba e entre o ex-juiz e atual Ministro da Justiça, Sério Moro, poderia se constituir, a princípio, em prova ilícita; hipótese na qual não poderia ser utilizada em nenhum processo judicial.

Diz-se “a princípio”, pois não se sabe como foram obtidos esses documentos. Se provado que o acesso ao conteúdo das mensagens se operou por meio de uma invasão aos dispositivos informáticos dos Procuradores (como alegaram em nota oficial da Força-Tarefa), nos termos do Art. 157, do CPP, essas provas não poderiam integrar os autos de um processo penal. E nos termos do art. 5º, inciso LVI, não poderiam integrar processos de qualquer natureza.

Ocorre que, conforme editorial do próprio The Intercept Brasil,[2] não se sabe a origem da obtenção dos documentos, uma vez que foram entregues anonimamente. Ainda que não o fossem, o veículo jornalístico tem o direito de resguardar a identidade de sua fonte. É o que diz o Art. 5º, inciso XIV.

Caso os documentos entregues ao The Intercept Brasil tenham partido dos próprios destinatários das mensagens não seria a prova ilegal, pois sua obtenção teria se dado de maneira legítima, com a anuência dos interlocutores. A nulidade ou não dessas provas, ainda demanda o escrutínio próprio, que se dará, principalmente, pela oitiva de todos os interlocutores das correspondências, caso se utilizem tais provas formalmente em qualquer tipo de processo.

Por outro lado, ainda que se conclua que as provas foram obtidas com violação à lei ou à Constituição da República, necessário recobrar um antigo dilema do processo penal: poderiam essas provas, mesmo ilícitas, servir à absolvição de um acusado?

Naturalmente, uma prova ilícita não pode, em hipótese alguma, fundamentar a condenação de um acusado. Os próprios Procuradores da Força-Tarefa advogaram pela flexibilização desse dogma que hoje os protege, no âmbito da campanha conhecida como “As 10 medidas contra a corrupção”. Felizmente, o projeto não vingou e a prova ilícita continua proscrita de nosso ordenamento.

No entanto, menos claro é o caso da prova ilícita que, ao final, evidencia uma situação fática ou jurídica, que deveria levar, ao cabo, a absolvição ou a anulação da condenação do acusado. Essa é a situação de uma série de acusados e condenados no âmbito da Operação Lava-Jato que, sem cometer qualquer ilícito para tanto, obtiveram evidências de uma série de atos ilícitos (e até mesmo típicos, ou seja, possivelmente criminosos) na condução de seus processos. Atos ilícitos, cometidos pelos próprios acusadores e julgadores que, rompendo qualquer linha distintiva, tomaram o mesmo assento da acusação, segundo o conteúdo das conversas.

O principal exemplo de acusado que poderia se beneficiar de mencionada situação, seria o próprio ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja defesa vem sustentando a parcialidade do magistrado que conduziu o processo, tese que ganha particular força após a divulgação de seus contatos estreitos com o líder da Força-Tarefa em Curitiba.

A doutrina abarca a possibilidade de utilização da prova ilícita em favor do acusado e, majoritariamente, aponta para a possibilidade de sua utilização, mesmo se obtida por meio de violação legal ou constitucional, na hipótese de ser ela o único meio de prova da ilegalidade cometida contra o acusado.[3] Antônio Scarance Fernandes defende a possibilidade da prova ilícita pro reo com fundamento no princípio da proporcionalidade.[4] No mesmo sentido, se posicionam Rubens Casara e Antonio Pedro Melchior, invocando a teoria do sacrifício, segundo qual, no conflito entre a garantia processual e o direito à liberdade, esse deveria prevalecer.[5]Já Afrânio da Silva Jardim, entende que, nesse caso, estar-se-ia de fronte a uma hipótese de excludente de ilicitude.[6] 

Concluindo, ainda que não se tenha por certo a origem ilícita das mensagens divulgadas pelo The Intercept Brasil, é certo que as informações obtidas por meio de seu conteúdo poderão, já de pronto, surtir efeitos benéficos aos réus prejudicados pelos atos aparentemente ilícitos documentados em mencionas missivas.

Bruno Salles Pereira Ribeiro. Mestre em Direito Penal pela USP. Advogado criminalista, sócio da Cavalcanti, Sion e Salles Advogados.
[1] https://theintercept.com/series/mensagens-lava-jato/. Consultado em 10.06.2019.

[2] https://theintercept.com/2019/06/09/editorial-chats-telegram-lava-jato-moro/. Consultado em 10.06.2019.

[3] MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal. Primeira Edição. Ed. Método, 2008. P. 172.

[4] SCARANCE FERNANDES. Antônio. Processo Penal Constitucional. Sexta Edição. Editora RT. P. 83-84.

[5] MELCHIOR, Antonio Pedro. CASARA, Rubens R. R. Teoria do processo penal brasileiro. Ed. Lumen Juris, 2013. P. 331.

[6] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, 21º edição, São Paulo, Ed. Atlas, 2015. P. 487.

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