quarta-feira, 12 de junho de 2019

O desmonte da legalidade

Antifascismo

O desmonte da legalidade

O país não pode compactuar com o esquecimento do que aconteceu durante os 21 de uma ditadura militar sangrenta e que nos deixou um legado de mortes e desaparecimentos




11/06/2019 18:27
 

A atuação da Ministra Damares à frente do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos demonstra, de forma inequívoca, a intenção de não deixar pedra sobre pedra nos avanços dos últimos anos nas políticas públicas de Direitos Humanos.

Tão gritante é o descalabro que o Ministério Público Federal ingressou com uma ação civil pública, contra a União, para desconstituir os efeitos de portaria editada em março pela senhora da goiabeira. Nesta ação o MPF exige também a proteção da memória coletiva, pois esta faz parte, conforme assegurado pela Constituição Federal, patrimônio cultural da nação.

Um dos fatos no qual a ação se baseia é na aberrante nomeação de sete novos conselheiros, todos militares. A escolha parece ter sido feita com o intuito de violar os princípios constitucionais que têm por objetivo garantir a reparação das vítimas da ditadura que se seguiu ao golpe de 64 e que alguns querem negar.

A verdade é que os nomeados são pessoas cuja vida pregressa não recomenda para o cargo, aliás para cargo algum, pois atuaram de forma a negar os mais básicos direitos humanos. Todos foram explícitos em se manifestar contra as políticas reparatórias, inclusive contra a instauração da Comissão Nacional da Verdade.

As acintosas nomeações começam pela do novo Presidente da Comissão de Anistia, João Henrique Nascimento de Freitas. Autor, em 2009 enquanto era assessor jurídico do deputado Flávio Bolsonaro, de ação popular para suspender o pagamento de indenizações a um grupo de camponeses torturados durante a guerrilha do Araguaia, classifica as ações de reparação, de educação e memória realizadas no passado pela Comissão como atos imorais e ilegais.

Outra nomeação, que certamente fez Jesus cair da goiabeira, foi a do general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva, ardente e convicto defensor do notório torturador Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, a quem nosso tenente/capitão/presidente bate continência em sonhos diariamente.

No documentário “Uma história inacabada”, de Miriam Leitão, ele se declara contra a Comissão Nacional da Verdade. Seu argumento é que construir a memória histórica do país é trabalho para pesquisadores e historiadores e não para uma Comissão – que, aliás, tinha entre seus membros pesquisadores e historiadores. No entanto é um dos adeptos do negacionismo. Sem constrangimento, nesse mesmo documentário, nega o fato, reconhecido em inquérito desde 1985, de que a morte do Deputado Rubens Paiva tenha se dado dentro das dependências do 1º. Exército, no Rio de Janeiro.

Não há, porém, como negar a eficiência do desmonte que está sendo promovido. Os orçamentos das duas comissões de reparação às vítimas dos Anos de Chumbo – a Comissão Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e a Comissão de Anistia – tiveram seus orçamentos paralisados. Está última foi retirada do Ministério da Justiça e colocada em um Ministério bolso-olavista, tendo sua atuação institucional ficado restrita à concessão de indenizações pecuniárias. Requinte de crueldade foi a inclusão, no projeto da Reforma da Previdência, de dispositivo que equipara o regime indenizatório dos danos materiais sofridos por perseguidos políticos ao regime previdenciário das aposentadorias fruto de suas contribuições ao INSS, obrigando-os a optar entre uma coisa ou outra.

Para muitos a indenização pecuniária é importante para a sobrevivência por terem tido suas carreiras prejudicadas ou interrompidas, mas não é apenas nesse campo que os atingidos pelos crimes que o Estado cometeu se querem ver atendidos. O atendimento psicológico, entre outros, é uma das mais importantes formas de reparação, porém o projeto Clínicas do Testemunho, que prestava assistência psicológica e psiquiátrica aos que dela necessitavam, foi suspenso.

O país não pode compactuar com o esquecimento do que aconteceu durante os 21 de uma ditadura militar sangrenta e que nos deixou um legado de mortes e desaparecimentos. Não podemos aceitar que os atingidos sejam humilhados e tratados com chacota e descaso, pois este tratamento é uma afronta à nossa democracia e à dignidade dos brasileiros.


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