Altamira, no Pará, tem mais de 2 mil incêndios em agosto
À medida que as horas passavam e os bombeiros lutavam para controlar o incêndio em uma mata próxima à sua casa, no bairro Mutirão, periferia de Altamira (PA), a dona de casa Luzilene Araújo se preocupava com a aproximação das chamas. “Olha só o fogo que está aqui. Meu Deus do céu, tenha misericórdia, Senhor. O fogo está enorme”, disse ela no vídeo em que registrou as labaredas cercando seu muro.
Aquele foi um dos 2.223 focos de fogo que Altamira registrou em agosto. O município paraense é o que mais teve esse problema no país neste mês e neste ano, segundo dados do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
— Ficamos todos apavorados, pensando no pior, mas, graças a Deus, conseguiram conter o fogo — diz ela ao GLOBO. —Tudo aqui em casa ficou com cheiro de fumaça, sem falar na tosse e dor nos olhos depois. Fui no postinho de saúde duas vezes colocar colírio. Virou rotina (queimadas) aqui em Altamira, mas esse ano está muito pior.
Está mesmo. Desde 2005, a maior cidade do país em área (o equivalente a 133 vezes o município do Rio de Janeiro) não registra tantos incêndios quanto agora — no ano passado, foram 306. E a tendência é que ainda vá piorar muito, segundo o ecólogo e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) em Altamira Rodolfo Salm.
— A verdadeira época das queimadas em Altamira não começou. A situação se torna dramática em outubro, novembro. Neste ano, a coisa vai chegar num nível apocalíptico — diz ele. — Isso afeta não só a natureza mas também a vida das pessoas que têm problemas de saúde.
Os casos diários de fogo em pastagem ou matas colocam em alerta moradores, bombeiros, autoridades de saúde pública e promotores de Justiça.
Sem fiscalização
Apesar da grandeza do território e de sua proximidade a um complexo de unidades de conservação, Altamira conta com um efetivo ínfimo da Polícia Federal e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
A autarquia do Ministério do Meio Ambiente tem apenas três fiscais e uma viatura em sua sede em Altamira. Não há telefone fixo. Os servidores não têm autonomia para ir a campo sozinhos. Caso recebam uma denúncia, precisam avisar a base de Santarém , que decidirá se uma fiscalização será orquestrada ou, então, enviará o caso a Brasília.
— Uma das possibilidades é que a denúncia seja anexada a um relatório de operações que serão realizadas apenas no ano seguinte — explica a procuradora da República Thais Santi. — Diante da desestruturação do Ibama, a capacidade de reação ao desmatamento é cada vez menor.
Procurado pela reportagem, o Ibama não se pronunciou até o fechamento da edição.
Thais integra o grupo de procuradores do Ministério Público Federal (MPF) no Pará que, na semana passada, anunciou o início das investigações sobre o aumento do desmatamento e de queimadas . Serão apurados os casos ocorridos em Altamira, Belém, Santarém e Itaituba.
Segundo Thais, ao menos oito das 14 terras indígenas ao redor de Altamira sofrem gravemente por invasão, garimpo e loteamento de sua área. Na falta de fiscalizações, os indígenas já agiram por conta própria para defender sua região. Em pelo menos duas ocasiões, índios assurinis da Terra Indígena Koatinemo, em Altamira, capturaram madeireiros que preparavam a derrubada de árvores. Foram levados para aldeia e resgatados aproximadamente uma semana depois pela Polícia Federal (PF).
Em denúncia ao MPF , Adje Assurini, líder do Koatinemo, revelou que anda 15 quilômetros vendo terras devastadas e detalhou como a aldeia escurece “com as cinzas da queima da roça”: “Tiramos fotos, fizemos filmagem, a Polícia Federal levou tudo e não fez nada. A gente vai acabar fazendo um concurso de qual índio tira a melhor foto de madeireiro”.
A Delegacia da Polícia Federal de Altamira tem apenas oito agentes, três delegados e dois escrivães para administrar os casos locais e de seis municípios vizinhos.
Para o delegado Carlos Castelo Paes, Altamira é “uma das regiões mais tensas do mundo”.
— Recebemos muitas denúncias, mas é muito difícil investigar, estamos prejudicados pela falta de efetivo — admite.
A PF acompanha o Ibama em fiscalizações. Mesmo assim, o trabalho não é sempre bem-sucedido. Não raro as equipes se deparam com pontos de difícil acesso, e chegam nos locais onde havia desmatamento com até dois dias de atraso.
De OGlobo
Nenhum comentário:
Postar um comentário