Não temos nada contra flamenguistas. Até temos amigos que são. O nosso colega Bruno Sousa, por exemplo. O nosso problema é com a falta de transparência – e essa é uma história que envolve o Flamengo, a Força Aérea Brasileira e a hipocrisia política de Jair Bolsonaro, que atropela os princípios mais básicos da Constituição.
Você deve se lembrar: quando o Flamengo levou a Libertadores em Lima, no Peru, Bolsonaro resolveu fazer uma surpresinha ao time. Mandou um avião da FAB, a Força Aérea Brasileira, escoltar o voo comercial que trazia os jogadores de volta. Ainda no ar, chegando no Rio de Janeiro, o caça se alinhou ao avião da Gol. Dentro da cabine, a equipe ouviu o recadinho personalizado do presidente, lido por um integrante da FAB, que incluiu até seu slogan de campanha:
"A Força Aérea Brasileira, em nome do presidente da República, Jair Bolsonaro, dá as boas-vindas ao time do Flamengo e felicita a equipe campeã que tão bem representou o Brasil para a conquista da Copa Libertadores da América. Brasil acima de tudo. Parabéns", disse o piloto pelo rádio.
Nós ficamos curiosos sobre essa missão militar de parabéns aos jogadores. Quem deu a ordem? Como ela funcionou? E sobretudo: quanto ela custou?
Para entender melhor, fizemos um pedido com base na Lei de Acesso à Informação perguntando ao Ministério da Defesa de quem foi dada a ordem para a escolta do voo e contato via rádio com a aeronave comercial, qual era a fundamentação da missão – ou seja, qual era o motivo daquilo acontecer – e quanto a missão custou aos cofres públicos. A gente não é flamenguista, mas sabe reconhecer uma vitória. E também sabe que dinheiro público não deve custear esse tipo de manifestação.
A resposta chegou nessa semana. Bom, na verdade, é uma não resposta. O Comando da Aeronáutica disse que o "voo ocorreu em aproveitamento a uma missão de treinamento realizada pela aeronave da FAB" naquele dia. E que os custos das missões da Força Aérea são sigilosos. A gente não sabe quanto custou a desviadinha do avião que deu o alô pro Flamengo. Mas consegue estimar: segundo o Estado Maior da Aeronáutica,
a hora de voo desse tipo de caça custava em 2006, antes de sua modernização, mais de US$ 4 mil. Na cotação de hoje, o valor ultrapassaria R$ 17 mil.
Nem vamos nos atentar ao fato de que Bolsonaro não é flamenguista, mas
palmeirense (ou
fluminense? Ou
vascaíno? Ou
botafoguense?
Corinthiano?
Santista?
Colorado?
Gremista?
Esmeraldino? Ou talvez ele torça para o
Sport Recife. Ou pro
América do Rio. Ou pro
América Mineiro.
Brusque?
River do Piauí?
Athletico? Jamais saberemos). Vamos nos concentrar no fato de que o presidente usou um recurso do estado – ou seja, nosso – para fazer política em benefício pessoal.
Não é a primeira vez que o presidente usa recursos públicos para promover seu lema de campanha e sua imagem – e, com isso fere o princípio da impessoalidade previsto na Constituição. A primeira delas foi lá no começo de seu mandato, quando o
site do governo federal exibiu uma imagem do presidente. Depois, o
Ministério da Educação queria que as escolas brasileiras executassem o hino e lessem uma carta que continha o mesmo slogan "Brasil Acima de Tudo". Em outro exemplo mais recente, a Secretaria de Comunicação
exibiu um vídeo em defesa do presidente sobre sua relação com o suspeito de assassinar Marielle Franco.
A comunicação e a estrutura do estado não podem ser usados em benefício pessoal de quem senta na cadeira de presidente. Devem servir ao governo, não à pessoa que ocupa o cargo. Confundir si mesmo com o estado, usando a estrutura pública para fazer proselitismo político, é característica de autocratas e populistas.
Hoje tem jogo de novo. E esperamos que a vitória, se vier, não seja usada como campanha política paga com o nosso dinheiro. A gente precisa saber que tipo de brincadeira está financiando.
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