terça-feira, 7 de abril de 2020

Balanço de um momento histórico IMPERDÍVEL! IMPERDÍVEL!

Balanço de um momento histórico

Disponibilizado desde 2018 pelo seu diretor no Youtube em versão restaurada de alta definição, 'Linha de Montagem' é um clássico de um dos raros períodos em que o documentário brasileiro caminhou a par e passo com o movimento operário




06/04/2020 17:12
(Reprodução/Youtube)
Créditos da foto: (Reprodução/Youtube)

Em fins dos anos 1970, João Batista de Andrade (Greve!), Leon Hirszman (ABC da Greve), a dupla Roberto Gervitz-Sérgio Toledo (Braços Cruzados, Máquinas Paradas) e Renato Tapajós foram os mais notórios entre os documentaristas que acompanharam as lutas do ABC paulista. De todos, Tapajós foi o mais íntimo do movimento. Já em 1965 ele havia filmado uma greve universitária, o curta Universidade em Crise. Fez luta armada, passou cinco anos na prisão, fez autocrítica e se aproximou do movimento operário. Começou a fazer filmes para o sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo. A própria diretoria sindical o chamou para registrar a greve de 1979 e as difíceis negociações com os patrões (Greve de Março). Havia aí um duplo objetivo: devolver aos trabalhadores sua imagem, contribuindo para a organização e a mobilização, e levar informação sobre o movimento para fora do ABC. O período 1978-1980 também está enfocado como painel em A Luta do Povo (1980)..

Linha de Montagem, porém, é um filme que nasce fora do calor da luta. Embora contenha material de vários momentos – mais uma espécie de balanço filmado em julho de 1981 –, foi editado em 1982, a partir de 40 horas de material e da consciência de que o país acabara de viver um momento histórico. O filme começa e termina com duas profecias: Chico Buarque cantando “o que será que se veja (no futuro) passa por lá” e o próprio Lula antevendo “vamos colher os frutos, quem sabe, dentro de alguns anos”. Havia, mais que qualquer outra coisa, a concsciência de que nem tudo fora já conquistado, mas se formara um lastro de organização e representação dos trabalhadores, com a criação da CUT e do PT, a valorização das reivindicações operárias etc.



Lula e outros sindicalistas fazem avaliações, autocríticas, tanto no calor da hora quanto depois, mais distanciados. Nas cenas de uma assembléia em maio de 1979, quando Lula convence a massa a não fazer greve inoportuna, mas aprovar acordo ruim e lutar pela volta da diretoria afastada, Linha de Montagem se afirma como o grande terstemunho fílmico do nascimento de uma liderança. Um filme literalmente histórico.

A equipe de craques tinha Adrian Cooper, Aloysio Raulino, Claudio Kahns, Roberto Gervitz, Zetas Malzoni, Sergio Toledo. A filmagem era “quente”, cämera na mão, do jeito que desse. No entanto, há uma distância gigantesca entre o cineasta que milita (este é o caso) e o militante que filma. Linha de Montagem tem uma dinâmica cinematográfica exuberante, seja na ágil captação de detalhes (como o piqueteiro que devolve o cassetete a um policial), seja na decupagem dramática das discussões, que antecipa o Ken Loach dos anos 1990. Nota-se mesmo a inspiração dos padrões de filmagem de futebol na maneira como são montadas as cenas das assembléias, no jogo entre quem fala e quem ouve, nas expressões de garra, euforia ou cansaço. Um dos melhores momentos do doc é a seqüência da distribução do jornal do sindicato ao som de Djalma cantando Rosa de Pixinguinha diante de uma platéia de companheiros.

Este é um filme sobre a massa, um pouco na tradição de Eisenstein. A figura do líder se reparte entre Lula e Djalma da Silva Bom, o guerreiro da porta de fábrica, complemento perfeito da ação do outro.



O movimento operário do ABC foi amplamente coberto pela mídia da época, como se pode ver pela constante presença de cinegrafistas e fotógrafos. O diferencial de Linha de Montagem é a identificação entre equipe e operários. Como em todo doc feito a quente, as cenas do movimento ficam entre a observação não-interferente e a catalisação através da câmera. A simples presença da equipe se faz notar, seja inibindo a ação policial, seja estimulando a manifestação dos operários. Em muitos casos, os piqueteiros pediam a Tapajós para filmar porque aquilo ajudava a mantê-los imunes à repressão visível. Em dado momento, aliás, vemos que a repressão se volta contra a própria equipe.

Linha de Montagem representa, enfim, um expoente do doc engajado brasileiro, tanto melhor porque trabalha não na louvação ou na doutrinação, mas na exposição de um marco histórico e na auto-análise de seus protagonistas.

Veja o filme:



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