sábado, 25 de abril de 2020

Bolsonaro é acusado de dificultar combate à corrupção


Bolsonaro é acusado de dificultar combate à corrupção

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Foto: Dida Sampaio/Estadão
Os mecanismos de controle e combate à corrupção foram criados em rede no Brasil e, pouco a pouco, o presidente Jair Bolsonaro tem tentado desfazer esse sistema ao enfraquecer pontos nevrálgicos – como a Polícia Federal. A avaliação é da especialista em desenho institucional de combate à corrupção, Raquel de Mattos Pimenta. “Hoje Sérgio Moro fez algo importante que é chamar a atenção para essa forma de desfazimento da rede de accountability. Um ataque à Polícia é importante para o avanço em um projeto mais autoritário”, afirma Raquel ao Estado.
Pesquisadora de pós-doutorado na FGV, Raquel de Mattos Pimenta passou temporada na Yale Law School, onde conheceu a economista Susan Rose-Ackerman, referência mundial no estudo da corrupção. Seu trabalho nos Estados Unidos, orientado por Rose-Ackerman, fez parte da tese de doutorado em direito econômico e economia política defendida na Faculdade de Direito da USP, sobre o assunto. Além de Yale, a brasileira foi pesquisadora na Universidade de Georgetown, na capital dos Estados Unidos, e tem desenvolvido pesquisas sobre corrupção em coautoria com Susan Rose-Ackerman, inclusive sobre a Operação Lava Jato. Abaixo os principais pontos da entrevista:
O que o episódio do embate entre Moro e Bolsonaro significa para política de controle da corrupção?
Tenho estudado a emergência do legalismo autocrático – que são governos que assumem democraticamente o poder mas que têm que tem o projeto autoritário de fundo. Uma das coisas comum nessa literatura, que vai desde o livro ‘Como as democracias morrem’ até outros autores mais preocupados com o papel do direito nisso tudo, é: independentemente da matriz política, quando líderes autoritários chegam no governo uma das primeira evidências de que são líderes autocráticos é o fato de ficarem o tempo todo desafiando as instâncias de controle.
Há um outro lado nisso que é a história brasileira, de 30 anos de construção do que chamamos de rede de accountability (controle), uma construção com dificuldades, com momentos muito importantes – como o momento constitucional e depois uma série de leis. No Brasil, o controle é feito de forma compartilhada, em rede. Então, a Polícia Federal depende do Ministério Público Federal, que depende dos juízes, que depende da livre informação circulando para alimentar também PF e MPF. Tem toda uma teoria sobre como nossa rede funciona de forma compartilhada. Existem problemas entre esses órgãos – bate cabeça, brigas, não é uma relação harmoniosa, mas é uma relação que foi produzindo resultados.
Juntando uma coisa com a outra, de onde estou vendo, a tentativa do Bolsonaro é enfraquecer vários pontos dessa rede e criar um certo desfazimento institucional a partir de pontos nevrálgicos. Vemos isso nas indicações que ele fez e nas confusões do Coaf, por exemplo. Um dos pontos nevrálgicos dessa rede é a Polícia Federal. A PF é também uma das instituições que mais precisa ser colaborativa com o resto da rede, porque a PF em si precisa da autorização para agir, do apoio do Executivo com recursos financeiros, recursos humanos.
Fazer interferência política na PF é, portanto, mais um passo de desfazimento da rede de controle?
Se você atinge a PF você consegue atingir toda a rede de accountability, e não é primeira vez que o Bolsonaro está nessa tentativa, já vimos a história da Superintendência do Rio de Janeiro ano passado. É este o movimento que estamos vendo agora.
O Moro emprestou a legitimidade dele para o governo Bolsonaro e a popularidade que ele tinha. Hoje Moro fez algo importante que é chamar a atenção para essa forma de desfazimento da rede de accountability. Esse ataque na polícia é importante para o avanço em um projeto mais autoritário. O Moro ficou muito dúbio por algum tempo, aceitou muitas atitudes do Bolsonaro, talvez com esperança de que pudesse no futuro fazer avanços importantes para a política de combate à corrupção, mas hoje ele nos ajudou a ver o que o Bolsonaro quer fazer.
Há um marco temporal de quando isso começou?
Parece que nunca existiu um projeto enraizado e verdadeiro do Bolsonaro de construção das instituições de controle. Talvez o desfazimento viesse desde o começo, mas há pontos que começam a deixar muito claro e menciono dois episódios. A indicação do Procurador-geral da República, fora da lista tríplice, que é uma garantia de independência. O episódio que acontece com a superintendência do Rio de Janeiro, e aí o Moro ter sua responsabilidade por ser o Ministro da Justiça. Outros episódios que me vem: o STF e o Coaf em uma certa briga, provocada pelo filho do presidente, pelo Flávio Bolsonaro, e também a perda do Coaf para o Ministério da Economia.
O que é interessante no método do Bolsonaro é que ele não está falando de nenhuma forma em desfazer a instituição do tipo: vou editar uma nova norma e vou acabar com a polícia ou com o MP. Esse não é o método de operação desse governo. São os avanços e recuos. Agora tivemos mais um exemplo da tentativa de desfazimento da rede: em plena crise do coronavírus vem uma MP para limitar os pedidos feitos com base na lei de acesso à informação muito além do que era necessário para a pandemia. Se tomarmos esses episódios todos como sinal de algo maior, começa a ficar claro.
O desenho institucional do País é capaz de barrar esse tipo de interferência?
Existem diversas possibilidades de resistência ou de resiliência institucional. Agora vai existir agora uma certa reação à troca do comando da PF, vi que a ANPR acaba de soltar uma nota, os ministros do STF e o judiciário tem um papel importante, a imprensa também. Vivemos em uma democracia e existe capacidade de reação institucional. A questão é que o presidente no Brasil historicamente é uma figura muito poderosa, tem recursos financeiros e muito poder político. Nunca tivemos e acho que essa é uma novidade do governo Bolsonaro, um governo que fosse tão avesso à transparência, ao controle. É uma novidade o presidente colocar toda sua força contra o funcionamento livre das instituições de controle. Nos outros governos existiam, é claro, embates, mas eram mais pontuais ou quando se tornaram muito frontais não resistiram, foram tentativas mal sucedidas. Existe capacidade de resistência, mas não devemos subestimar esse novo cenário de ter um presidente que de fato coloca seu peso político e seus recursos contra esse funcionamento da rede de accountability.
O que vemos em outros países que supostamente também tem líderes inseridos na ideia de legalismo autocrático?
Há estudos sobre experiências da Hungria, agora recentemente a Índia, Polônia, e também alguns comentadores do governo Trump nos Estados Unidos. Os governos que eu acompanho com mais proximidade são o Trump e do Modi, na Índia. Vemos iniciativas que não são iguais, mas que também miram as instituições de controle, por exemplo todo o embate do Trump do Departamento de Justiça é uma característica desse tipo de governo autocrático. Na Índia é mais escancarado, os modos de operação do Modi são muito parecidos com os do governo Bolsonaro de indicar suas pessoas, de fechar o cerco nas instituições para que elas funcionem para atender os seus interesses.

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