Manaus não testa para Covid entre 30% e 40% de seus mortos
Por Yan Boechat, de Manaus
Socorro de Souza da Silva, de 51 anos, jamais saberá a causa da morte de seu filho primogênito. Adriano Rodrigues tinha 37 anos e morreu no início da manhã de segunda-feira na casa de sua avó, na periferia de Manaus. Ninguém sabe exatamente o que aconteceu. Na pequena casa, Socorro diz que ouviram Adriano tossir bastante durante a noite. Na madrugada, ele parecia estar engasgando. De manhã, quando a avó de Adriano foi acordá-lo, ele estava morto.
- SIGA O YAHOO NOTÍCIAS NO INSTAGRAM
- SIGA O YAHOO NOTÍCIAS NO FLIPBOARD
- SAIBA TUDO SOBRE O NOVO CORONAVÍRUS
“Eu não sei o que houve, ele bebia muito, eu dizia para ele parar de beber, mas não sei, tinha gente com a Covid lá na rua da minha mãe, mas ele não teve febre, ontem a noite mesmo ele estava bem, falou comigo, não sei, não sei o que aconteceu”, contava Socorro, derramando as palavras como se fossem lágrimas de uma mãe que acabou de perdeu o filho.
Leia também:
- Covid-19: Brasil tem mortes notificadas com mais de 1 mês de atraso
- Datafolha: população se divide em relação a impeachment
- Brasil acredita mais em Moro do que em Jair Bolsonaro
Socorro velou o corpo do filho por quase 10 horas na casa de sua mãe até que o serviço funerário da prefeitura de Manaus aparecesse para levá-lo a uma Unidade Básica de Saúde para que um médico atestasse sua morte.
Adriano chegou num rabecão acompanhado de outros três corpos, pessoas que como ele morreram em casa. Estava embalado em um saco plástico, aberto, e dentro de um caixão simples, fornecido pela Prefeitura de Manaus gratuitamente para os moradores de baixa renda da cidade.
Seu exame necrológico durou menos de um minuto. O médico apalpou sua barriga inchada, checou as mãos já rígidas e as pontas dos dedos roxos, procurou por algum sinal de violência e mandou fechar o caixão. “Todos são assim, eu só procuro algum sinal de violência,”, me contava o médico pouco antes de lavrar o documento que atestou a morte de Adriano.
A causa de sua morte entrará para as estatísticas como indeterminada.
“É óbvio que nesse momento todos esses corpos deveriam estar tendo testes para a Covid-19 coletados, mas aqui isso não esta acontecendo, nunca saberemos do que essas pessoas morreram.”, dizia ele, enquanto pedia aos funcionários do serviço funerário para trazer o próximo corpo.
Ver as imagens
Ao longo desse mês de Abril cerca de outros 700 corpos de pessoas que morreram em suas casas passaram por exames necrológicos tão superficiais quanto os de Adriano. Assim como o que ocorreu com o filho que a dona de casa Socorro de Souza deu à luz quando ainda era uma menina de 14 anos, nenhum deles teve testes para a Covid-19 coletados.
“No começo, em março, nós ainda seguimos os protocolos da Organização Mundial de Saúde, ainda buscávamos fazer os testes em todas as pessoas que morriam em casa, que é como deve ser em tempos de pandemia”, diz Marinelia Martins Ferreira, diretora do Departamento de Vigilância Epidemiológica da Secretária Municipal de Saúde de Manaus. “Mas nesse mês nenhum teste foi coletado, não temos recebido os testes do governo do Estado e não conseguimos comprá-los”, conta ela. “Basicamente não sabemos oficialmente do que as pessoas estão morrendo em suas casas aqui em Manaus”, diz Marinelia.
Ver as imagens
O Estado do Amazonas registrou até ontem 320 mortes por Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, a imensa maioria delas em Manaus e no mês de abril. Os números oficiais, no entanto, estão longe de representar a realidade. Estão sendo testados apenas pacientes que dão entrada nos hospitais que ainda aceitam doentes de Covid. Quase todos estão lotados e recusam novos doentes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário