Não usar máscara contra coronavírus é um "grande erro", afirma cientista chinês responsável pelo combate à doença
Por Jon Cohen, no Le Monde
Tradução de Sylvie Giraud
Na vanguarda da luta contra a epidemia Covid-19 em seu país, os cientistas chineses são dificilmente acessíveis à mídia estrangeira. Compreender a epidemia e lutar contra ela é uma tarefa esmagadora. Nesse sentido, responder às solicitações da imprensa - especialmente dos jornalistas de fora da China - realmente não é uma prioridade. A Science vinha tentando entrevistar George Gao, diretor geral do Centro de Controle e Prevenção de Doenças da China há dois meses. Em meados de março, ele pôde finalmente atender ao pedido de Cohen.
George Gao dirige uma agência com 2.000 funcionários - um quinto da equipe do Centro de Controle e Prevenção de Doenças americano - e continua sendo um pesquisador muito ativo. Em janeiro, sua equipe foi a primeira a isolar e sequenciar o SARS-CoV-2, ou coronavírus 2, da síndrome respiratória aguda grave, que causa a doença chamada Covid-19. Ele é coautor de dois estudos publicados na prestigiosa publicação New England Journal of Medicine (NEJM), que tiveram um amplo impacto: pela primeira vez, eles forneciam aspectos epidemiológicos e clínicos detalhados da infecção. Ele também publicou três artigos sobre o Covid-19 na [revista Britânica científica] The Lancet.
Sua equipe teve igualmente uma importante contribuição na missão conjunta composta por pesquisadores chineses e internacionais que, sob a égide da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicou um relatório decisivo depois após visitar a China para melhor entender a resposta à epidemia.
Após estudar medicina veterinária, George Gao obteve seu doutorado em bioquímica em Oxford onde se especializou em imunologia e virologia no pós-doutorado, sem contar sua passagem por Harvard. Sua pesquisa se concentra em vírus com envelope (cercados por uma frágil membrana lipídica protetora), incluindo o SARS-CoV-2, e seus mecanismos de entrada nas células e transmissão interespécies.
George Gao respondeu às nossas perguntas por vários dias e por vários meios (SMS, além de mensagens e conversas telefônicas). A entrevista a seguir é um resumo, editado para maior clareza e concisão.
Quais são os ensinamentos que o gerenciamento chinês do Covid-19 traz aos outros países?
O distanciamento social é a estratégia fundamental no controle de todas as doenças infecciosas e mais ainda das infecções respiratórias. Como primeira prioridade, implantamos "estratégias não farmacológicas", uma vez que não dispúnhamos de nenhum inibidor, medicamento ou vacina específicos. Em segundo lugar, verificamos que todos os pacientes estavam realmente isolados. Como terceira prioridade, foi necessário colocar em quarentena os casos de contato: passamos muito tempo identificando e isolando-os. Em quarto veio a necessidade de proibir todas as aglomerações, eventos e reuniões. Enfim, como quinta medida de prevenção, restringimos os deslocamentos, daí o estabelecimento da quarentena, ou "cordão-sanitário", como se costuma dizer em francês.
O confinamento se iniciou na China em 23 de janeiro em Wuhan e depois foi estendido às cidades vizinhas da província de Hubei. Outras províncias chinesas implementaram medidas menos rigorosas. Como foi feita a coordenação desses dispositivos e qual o papel dos "controladores" de bairro encarregados de monitorar sua aplicação localmente?
Acima de tudo, as medidas devem ser entendidas e gerar consenso. Isso requer uma forte vontade política, local e nacionalmente. É necessário que controladores e coordenadores impliquem profundamente a população. Os controladores devem conhecer a identidade dos casos de contato, mas também dos casos suspeitos. Os controladores de proximidade devem ser muito vigilantes, seu papel é essencial.
Que erros estão sendo cometidos pelos outros países hoje?
O grande erro nos Estados Unidos e na Europa é, na minha opinião, que as pessoas não usem máscaras. Este vírus é transmitido por gotículas respiratórias de pessoa para pessoa. As gotas desempenham um papel muito importante, daí a necessidade da máscara – o simples fato de falar pode espalhar o vírus. Muitos indivíduos infectados são assintomáticos ou ainda não apresentaram os sintomas: com uma máscara, você pode impedir que gotículas portadoras do vírus se desprendam e infectem outras pessoas.
Existem outras medidas para combater a epidemia. A China por exemplo está fazendo uso intensivo de termômetros na entrada de lojas, edifícios e nas estações de transporte público.
De fato, onde quer que você vá, na China, existem termômetros. A medição generalizada da temperatura torna impossível a entrada de quem está com febre. Porque a estabilidade desse vírus no ambiente é uma questão-chave, que permanece sem resposta até o momento. Sendo um vírus com envelope, somos levados a pensar que ele é frágil e particularmente sensível à temperatura ou umidade das superfícies. No entanto, resultados obtidos nos estudos norte-americanos e chineses sugerem que seria muito difícil destruí-lo sobre certas superfícies. Ele pode ser capaz de sobreviver em diversos ambientes. Sobre esse ponto, aguardamos respostas científicas.
Em Wuhan, pessoas que apresentaram resultado positivo, mas pouco afetadas pela doença, foram colocadas em quarentena em instalações obrigatórias, com a proibição de receber visitas de seus parentes. Essa abordagem é digna de inspirar outros países?
Pessoas infectadas devem ser isoladas. A difusão do Covid-19 só pode ser detida se as fontes de infecção forem removidas. Por isso, construímos hospitais de campanha e organizamos outros em estádios de futebol.
Muitas perguntas permanecem em aberto quanto ao surgimento da doença na China. Pesquisadores chineses relatam um primeiro caso em 1º de dezembro de 2019. Qual sua opinião sobre a investigação do South China Morning Post [Jornal de Hong-Kong] que considera, com base em um relatório interno do Estado Chinês, que esses casos já haviam surgido em novembro, com um primeiro caso em 17 de novembro?
Não há nenhuma prova concreta da existência de focos epidêmicos já em novembro. Estamos dando continuidade às nossas pesquisas para entender melhor as origens da doença.
As autoridades sanitárias de Wuhan ligaram muitos casos ao mercado de frutos do mar de Huanan, que foi fechado em 1º de janeiro. Sua hipótese era a de que um vírus havia contaminado humanos a partir de um animal que havia sido vendido e possivelmente também esquartejado nesse mercado. No entanto, em seu artigo que retraça o histórico da doença, publicado no "NEJM", o senhor afirma que quatro dos cinco primeiros pacientes infectados não tinham conexão alguma com o mercado de Huanan. Esse mercado lhe parece ser o provável berço da doença ou seria mais uma pista falsa, uma possível câmara de amplificação, e não seu primeiro foco?
É uma ótima pergunta. Nosso trabalho se parece muito com o de um detetive. De cara, todos pensaram que esse mercado estava na raiz da doença. Atualmente, não posso afirmar que foi aí que o vírus realmente apareceu pela primeira vez ou se foi apenas um lugar a partir do qual se espalhou. Duas hipóteses estão sobre a mesa: cabe à ciência decidir.
A China também foi criticada por ter demorado a compartilhar o genoma do vírus. Foi o Wall Street Journal que tornou pública, em 8 de janeiro, a existência de um novo coronavírus; as informações não vieram de equipes de pesquisadores do Estado chinês. Por quê?
A informação do Wall Street Journal estava correta. A OMS havia sido informada sobre o sequenciamento e acredito que apenas algumas horas se passaram entre a publicação do artigo e o anúncio oficial. Em todo caso, não mais do que um dia.
Contudo, podemos ver em um banco de dados de genomas virais de acesso gratuito que a primeira sequência proposta por cientistas chineses data de 5 de janeiro. Então, passaram-se três dias durante os quais vocês necessariamente sabiam que se tratava de um novo coronavírus. Isso não mudará mais o curso da epidemia hoje, mas é preciso reconhecer que algo aconteceu com o anúncio do sequenciamento.
Discordo. Fomos rápidos em compartilhar as informações com a comunidade científica, mas tratava-se de uma questão de saúde pública, por isso tivemos que esperar pelo anúncio do governo. Ninguém quer causar pânico, não é? E ninguém no mundo poderia prever que esse vírus causaria uma pandemia. É a primeira pandemia da história que não é causada por um vírus da gripe.
Foi preciso aguardar 20 de janeiro para que as equipes chinesas declarassem oficialmente ter evidências de transmissão entre humanos. Na sua opinião, como explicar que os epidemiologistas na China tenham tido tanta dificuldade para entender o que estava acontecendo?
Ainda não tínhamos dados epidemiológicos detalhados. Desde o começo fomos confrontados a um vírus violento e ardiloso. O mesmo aconteceu na Itália, no resto da Europa e nos Estados Unidos. "É apenas um vírus", foi o que os cientistas, como todo os outros, pensaram no início.
A propagação na China se desacelerou em grande parte e os novos casos são essencialmente importados. O senhor confirma?
Absolutamente. No momento, não temos mais transmissão local, mas nosso problema vem agora dos casos importados. Um grande número de pessoas infectadas está chegando atualmente na China.
O que acontecerá quando a vida normal retomar seu curso na China? O senhor acha que uma parte suficiente da população foi infectada, de tal forma que a imunidade coletiva possa manter o vírus afastado?
É certo que a imunidade coletiva ainda não foi alcançada. Mas estamos aguardando resultados mais concretos da pesquisa de anticorpos e isso nos dirá exatamente quantas pessoas foram infectadas.
Qual a melhor estratégia a seguir então? Ganhar tempo enquanto aguardamos que tratamentos eficazes possam ser aplicados ?
Exatamente, e nossos cientistas trabalham atualmente sobre o desenvolvimento de uma vacina e de medicamentos.
Muitos pesquisadores acreditam que dos remédios em estudo, o remdesivir seria o mais promissor. Quando o senhor espera obter os resultados de ensaios clínicos para a China?
Em abril.
As equipes chinesas criaram modelos de testes em animais suficientemente probatórios para estudar a patogênese e testar medicamentos e vacinas?
No momento, estamos usando macacos e camundongos transgênicos com receptores ACE2, que são os pontos de entrada do vírus em humanos. O camundongo é um modelo amplamente utilizado na China para a avaliação de tratamentos medicamentosos e de vacinas potenciais e acredito que dois estudos em macacos devem ser publicados em breve. De qualquer forma, posso dizer que nosso modelo símio está pronto.
O que acha dos termos "vírus da China", ou "vírus chinês", usados pelo presidente dos EUA, Donald Trump, para designar o novo coronavírus?
Falar de vírus chinês é realmente uma péssima ideia. Este vírus vem do planeta Terra. Ele não é o inimigo de um indivíduo ou de um país em particular: ele é o inimigo de todos nós.
(Artigo traduzido do inglês por Julie Marcot)
Jon Cohen é jornalista da revista Science.
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