Militares negam que Bolsonaro cometeu crimes

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Foto: Leo Pinheiro/Valor
Há pouco mais de um mês, quando se iniciavam panelaços diários contra Jair Bolsonaro, o presidente do Clube Militar, general da reserva Eduardo José Barbosa, de 64 anos, considerava não haver qualquer condição para que um processo de impeachment fosse “pra frente” porque o presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM) tinha “consciência” de que um pedido de afastamento do chefe do Executivo não prosperaria. O assunto, porém, já é cogitado como uma possibilidade, depois do avanço da crise do novo coronavírus e da reação da classe política, do Judiciário e da sociedade civil à participação de Bolsonaro em ato em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília, onde manifestantes radicais, no domingo, pediram um golpe militar e um novo AI-5, que fortaleceu a ditadura em 1968.
Para Barbosa, Bolsonaro pode ser alvo de um processo de impeachment desde que haja uma “argumentação”, “se realmente acharem alguma coisa que ele esteja cometendo de crime [de responsabilidade]”. O presidente do Clube Militar, instituição que costuma refletir o pensamento das Forças Armadas, ressalva, no entanto, que o pedido não poderia se basear apenas num juízo político. “Ouvi falar, não sei se é verdade, que estão preparando um processo de impeachment por causa de ingovernabilidade. Isso não existe, que crime é esse?”, afirmou ao Valor.
Lembrado de que boa parte de deputados e senadores votaram pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) com base na mesma tese da ingovernabilidade e do “conjunto da obra”, Barbosa reafirma que em 2016 houve a caracterização de um crime de responsabilidade, ainda que a manobra contábil no governo da petista já tivesse sido operada por outros presidentes. “Conjunto da obra foi a argumentação, sim, mas o crime caracterizado foi a pedalada fiscal. Ah, mas os outros [presidentes] também faziam? Talvez. Só que não abriram [processo de impeachment] contra eles”. Questionado se a destituição de Bolsonaro poderia ser considerada um “golpe”, como os apoiadores do presidente proclamam nas redes sociais, o general da reserva reforça a questão jurídica. “Não sei qual vai ser a argumentação. É golpe se não tiver argumentação. [Com a Dilma] O conjunto da obra foi agravante, digamos assim. Mas não pode julgar somente pelo agravante. Primeiro tem que ter o crime”, diz.
Em menos de 16 meses de mandato, mais de uma dezena de ações e falas de Bolsonaro já foram apontadas como passíveis de enquadramento como crime de responsabilidade. Mas sua participação e discurso em frente a um quartel do Exército, em manifestação com várias faixas que pediam intervenção militar, com o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), configurou o episódio em que foi mais longe. Até o procurador-geral da República, Augusto Aras, cuja atuação tem sido criticada pela tolerância com Bolsonaro, pediu a abertura de inquérito sobre os atos realizados em Brasília e em outras cidades do país, o que foi autorizado ontem pelo STF.
Eleitor de Bolsonaro em 2018, Eduardo José Barbosa minimiza a presença do presidente no protesto. “Ele ter ido não há nada demais. Não estava propriamente apoiando aquelas faixas ou dizeres. Ele próprio não falou sobre quebra de hierarquia institucional”, diz. O general da reserva argumenta que o país já teria visto outros atos, realizados pela esquerda, e “com aval de presidentes”, nos quais militares teriam sido atacados verbalmente e nos quais o fim da Polícia Militar (PM) estava entre as pautas. A abolição da PM no Brasil já foi recomendada pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) como forma de combater as execuções extrajudiciais e os esquadrões da morte.
Para Barbosa, as manifestações políticas são democráticas “desde que sejam pacíficas”. “Antidemocrático seria fechar [Congresso e STF]. Mas pedir o pessoal pode; é só uma manifestação”, diz. Indagado se palavras, por vezes, podem ser instrumentos para a violência e a ilegalidade, ou se constituem, elas mesmas, um crime, como ameaçar alguém de morte, o militar relativiza. “Até onde sei, ameaça [de morte] é um crime, embora a Justiça, às vezes, possa ter a interpretação de que se você planejar o crime, como um assalto a banco, não é necessariamente um crime. Se eu não colocar em execução, não é crime nenhum. Mas não sou jurista pra dizer o que o juiz vai considerar como prova. Isso é controverso”, diz, acrescentando que seria inviável “condenar tudo que é discurso”.
A defesa de um golpe militar já foi sugerida em palestra pelo filho do presidente, deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), quando, em 2018, disse que bastariam “um soldado e um cabo” para fechar o STF. Barbosa afirma que não há clima para uma intervenção militar nos moldes do que aconteceu em 1964 e que, quatro anos depois, levou ao recrudescimento da ditadura, com o Ato Institucional nº 5. “O AI-5 foi um mecanismo criado para combater uma luta armada que começou a acontecer no Brasil. Foi uma coisa específica daquela época. Não estamos nesse cenário”, diz.
Para o general da reserva, o governo de então não tinha um preceito constitucional que desse amparo para tomar decisões mais rigorosas. “Hoje, a Constituição prevê medidas que possam ser tomadas para combater pandemias ou um cenário de crise qualquer, as mais graves seriam o estado de defesa ou de sítio, que têm que ter aprovação do Congresso. É diferente”, afirma.
Barbosa diz que as manifestações de domingo não querem “dizer nada”: “O povo está indo para frente do quartel, mas o pessoal do quartel não está participando e, até onde eu sei, e conheço o atual comandante do Exército [general Edson Pujol] muito bem, tenho certeza absoluta de que a política está fora do quartel”. Para o presidente do Clube Militar, o posicionamento mais contundente da caserna contra os atos não seria necessário porque “a posição do Exército é não ter posição”.
Em sua opinião, no entanto, Bolsonaro estaria sendo alvo de um boicote do Congresso e do STF, que estariam o impedindo de governar. Barbosa nega que o presidente esteja mobilizando seu eleitorado contra as instituições, num processo de radicalização semelhante ao ocorrido na Venezuela, e com sinal invertido, pela extrema-direita. Afirma que, diferentemente de Hugo Chávez, Bolsonaro não tem controle do Parlamento e do Supremo, e não faria perseguição à oposição. Sobre o discurso de campanha, quando o então candidato disse que ele e seus seguidores iriam “fuzilar a petralhada”, o general minimiza, considerando que “aquilo é figura de retórica”.
Para Barbosa, o que muitos criticam como falta de habilidade política, populismo, radicalismo e autoritarismo de Bolsonaro é consequência da escolha dos eleitores. “Quando ele diz “o meu jeito é esse” é porque foi isso que o fez ganhar as eleições”, diz o general, para quem não tem nada de errado Bolsonaro querer implementar sua agenda “porque o povo o elegeu”.
Lembrado de que a população também elegeu o Congresso, Barbosa endossa a retórica de Bolsonaro, segundo a qual os parlamentares o chantageariam com a política do toma-lá-dá-cá. No entanto, da mesma forma como não mostrou provas de que houve fraude nas eleições de 2018, o presidente não apresenta fatos concretos que baseiem suas críticas ao Parlamento. “Acho que está todo mundo errado”, concede o general.
O militar afirma que não põe a mão no fogo por ninguém, ao ser recordado que Bolsonaro, apesar do discurso anticorrupção, tem dezenas de pessoas ligadas à sua família, além do filho e senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), investigados pela prática de rachadinha. “Não tenho nada a favor de Eduardo, nem de Flávio, nem do próprio Jair Bolsonaro. Se acharem alguma coisa desonesta de Jair Bolsonaro, que processem e, se for condenado, que seja preso também”, diz.