Brasil descredencia diplomatas da Venezuela após visita de Pompeo: "subordinação total", diz chanceler venezuelano
Vinícius Segalla, Brasil de Fato - Pouco depois de o ministro das Relações Exteriores brasileiro, Ernesto Araújo, se encontrar com o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, em Roraima, nesta sexta-feira (18), para discutir a situação na Venezuela, o chanceler do país, Jorge Arreaza, avisou que o governo brasileiro oficializou o descredenciamento dos diplomatas da embaixada venezuelana em Brasília, semanas depois e os ter declarado "persona non grata" no Brasil.
"Hoje, @ItamaratyGovBr nos enviou uma nota diplomática para suspender as credenciais e cartões de nossos funcionários e proibir a circulação dos veículos de nossa Embaixada e Consulados. Eles tinham algo para relatar ao chefe hoje @SecPompeo. Subordinação total", escreveu ele em seu Twitter. A carta enviada às autoridades diplomáticas venezuelanas, obtida pela reportagem do Brasil de Fato, pode ser lida ao fim desta reportagem.
Em sua postagem, Arreaza se refere à visita de Pompeo a Boa Vista, capital de Roraima, na qual defendeu que o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, deixe o poder no país vizinho.
"O descredenciamento é uma falta de respeito com a política externa do Brasil: falta coerência com o posicionamento secular do Itamaraty", comentou o professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) Luciano Wexell Severo, que é doutor em Economia Política Internacional pela UFRJ.
"Por isso foi divulgada, há algumas semanas, uma carta assinada por ex-chanceleres brasileiros, Aloisio Nunes Ferreira, José Serra, Celso Amorim, Fernando Henrique, assinam uma carta de repúdio á política externa atual. A postura histórica do Itamaraty sempre foi pelo fortalecimento de uma política externa de paz e integração da América do Sul", completa Severo.
"Vexame"
Esta não foi a primeira vez que o atual governo brasileiro tenta interferir no trabalho de diplomatas venezuelanos. Em maio, o STF impediu medida similar, alegando que ela iria contra, normas, tratados e convenções. Na época, o ministro Luis Roberto Barroso declarou que os diplomatas venezuelanos não representavam qualquer perigo.
Mas foi primeira vez que o Brasil recebe um secretário de Estado norte-americano na região amazônica, e a pauta de sua visita foram assuntos relacionados a um outro país. Além de encontrar com o ministro Ernesto Araújo, que se deslocou a Boa Vista para a agenda, Mike Pompeo visitou um campo de refugiados venezuelanos na cidade brasileira, onde conversou com imigrantes.
"Sabemos que o regime de Maduro dizimou o povo venezuelano, e o próprio Maduro é um narcotraficante. Isso significa que ele tem que ir", afirmou Pompeo, que já ocupou o cargo de diretor da CIA [agência de inteligência norte-americana], pouco antes de se encontrar com o chanceler brasileiro.
O secretário se reuniu com cinco pessoas de uma família de venezuelanos natural de Cumaná, estado de Sucre, na Venezuela. Migraram há dez meses e vivem em um dos abrigos mantidos pelo governo brasileiro. De acordo com o Itamaraty, eles devem ser interiorizados para cidade de Seara, em Santa Catarina.
Para Severo, a visita de Pompeo à região amazônica, no contexto de uma viagem do funcionário norte-americano que tem o objetivo de pressionar por mudanças internas no governo e um terceiro país, representa "uma submissão brasileira aos interesses dos Estados Unidos".
"É um vexame que o governo brasileiro se submeta dessa forma a Washington. Pompeo foi diretor da CIA {agência de informação dos EUA}, promotor de políticas de desestabilização na América Latina e no mundo inteiro", avalia o especialista. De acordo com ele, "é um fiasco que o Itamaraty se submeta dessa forma à política dos EUA".
"A Venezuela pode ter os seus problemas internos. Eles têm que ser solucionados pelos próprios venezuelanos. A tradição diplomática brasileira é de defender a autodeterminação dos povos, principalmente em relação a um país (Venezuela) que detém a maior reserva de petróleo do mundo, e que está sendo agredido com um bloqueio econômico e financeiro devastador", conclui Wexell Severo.
Leia, abaixo, a carta enviada nesta sexta pelo Itamaraty aos diplomatas venezuelanos:
Caros senhores,
Tendo em vista que os cidadãos venezuelanos declarados "personae non gratae", por meio da nota verbal CGPI/31/DIMU/BRAS VENE, de 4 de setembro de 2020, permanecem no território nacional, o Governo brasileiro comunica não mais reconhecer tais funcionários como agentes venezuelanos, à luz do artigo 9 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas e do artigo 23 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares.
2. Como se sabe, ambas as convenções conferem ao Estado acreditado o direito de desconsiderar o reconhecimento dos ex-agentes como membros da missão no caso de descumprimento, dentro de um “prazo razoável”, da obrigação internacional de retirar as pessoas declaradas "personae non gratae" ou de dar por terminadas suas funções na missão diplomática ou consular.
3. Como consequência, todas as prerrogativas consulares e diplomáticas, incluindo privilégios e imunidades, dos cidadãos venezuelanos mencionados na nota verbal de 04 de setembro e seus dependentes foram retiradas pelo Governo brasileiro, bem como a possibilidade de qualquer papel de representação no território brasileiro.
4. As carteiras de registro diplomático (CRD) dos quatro agentes diplomáticos e da agente consular que ainda permaneciam dentro do prazo de validade foram canceladas no sistema eletrônico deste Ministério; as demais CRDs já eram consideradas inválidas por serem expiradas.
5. Os órgãos competentes do Estado brasileiro, como a Polícia Federal Rodoviária, foram oficialmente informados de que os veículos particulares dos ex-agentes venezuelanos não poderão mais trafegar com placas diplomáticas ou consulares. No mesmo sentido, o Ministério das Relações Exteriores recorda que nenhum veículo oficial estrangeiro pode ser utilizado por pessoas sem prerrogativas diplomáticas ou consulares, como os cidadãos venezuelanos mencionados na nota verbal CGPI/31/DIMU/BRAS VENE.
Atenciosamente,
Maurício Correia
Coordenador-Geral de Privilégios e Imunidades (CGPI)
Ministério das Relações Exteriores
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