sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Cinzas como legado

 

Cinzas como legado


Seja qual for a duração do mandato de Bolsonaro, encurtado pelo impeachment ou esticado pela reeleição, já sabemos qual será o legado de seu governo: cinzas. O país que confiamos a ele nas eleições de 2018 já perdeu muito de sua principal riqueza - a vida -, dos 3 milhões de hectares queimados no Pantanal, 20% do bioma, às milhares de vidas humanas extintas, em todo o país, pelos erros de sua gestão na pandemia.

Tanto no Pantanal como na Amazônia, a origem das queimadas é criminosa; e, nos dois biomas, foi principalmente a mata que queimou, e não a “área humanizada”, como vem dizendo o encarregado de engambelar os investidores internacionais, o general Mourão. Na Amazônia, cerca de metade das queimadas são em áreas recém-desmatadas; no Pantanal, 95% do fogo incidiu em áreas de vegetação nativa, embora tenha se iniciado nas fazendas poupadas pela fiscalização - as multas por desmatamento caíram 71% no bioma.

Três parques estaduais, um parque nacional, uma área de proteção ambiental, e uma estação ecológica estão tomados pelo fogo no Pantanal e, ainda mais grave, quase metade das terras indígenas estão em chamas, como mostrou a excelente reportagem de Bruno Fonseca, Bianca Muniz e Raphaela Ribeiro que publicamos ontem (veja link abaixo). Os repórteres também destacaram que, apesar da intensidade e da duração do fogo, há apenas cinco brigadas de incêndio no Mato Grosso do Sul, quatro delas formadas por indígenas que trabalham sem os recursos necessários - o governo Bolsonaro cortou mais da metade (58%) das verbas destinadas às brigadas federais.

Bolsonaro, claro, minimiza a gravidade da devastação ambiental enquanto os apoiadores da política antiambiental chefiada por Ricardo Salles, notório disseminador de desinformação, espalham fake news culpando os que apagam o fogo por causá-lo. Por sua vez, o general Mourão, inventa conspirações políticas no Inpe para tentar desacreditar os números que registram nova alta do desmatamento na Amazônia. 

Uma inversão tão absurda quanto violenta, elementos que caracterizam as respostas do presidente e de sua turma à população desde o primeiro dia de seu mandato.

Com a economia em cacos, a natureza em chamas e a pandemia ainda matando mais de 700 brasileiros por dia, a violência promete se agravar nos próximos meses com as campanhas eleitorais. Uma pesquisa da Justiça Global e da Terra de Direitos sobre violência contra políticos entre 2016 e 2019, apresentada ontem ao Conselho Nacional de Direitos Humanos, mostra um aumento recorde de atentados e assassinatos - 32 - no ano passado, contra 19 em 2017. Prefeitos, vereadores e pré-candidatos são o principal alvo - 92% dos casos. Só este ano já foram 27 atos violentos contra políticos municipais - de Tabatiguera, no Amazonas, a São João do Meriti, na Baixada Fluminense. 

Também a democracia pode virar cinzas antes que a população, artificialmente polarizada, consiga reagir.

Marina Amaral, codiretora da Agência Pública

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A luta dos brigadistas. No Pantanal, 150 pessoas lutam contra o fogo - um homem para cada área de 350 quilômetros, segundo reportagem do EL PAÍS. A extensão do impacto dos incêndios ainda é uma incógnita: "Sabemos que muitos animais fogem e se refugiam. Mas estamos lidando com uma cadeia. As serpentes de água certamente estão entre o grupo mais atingido. E elas servem como controle populacional e alimento de outros animais”, explica pesquisadora Christine Strusman.

Queima de expansão. A técnica de combater "fogo com fogo" usada por brigadistas no Pantanal tem sido alvo fake news nas redes sociais. Ao contrário do que acusam mensagens falsas, ela não piora o problema, mas o controla: "Para o fogo poder caminhar, ele precisa de combustível. O combustível é a própria vegetação. Com essa técnica, a gente antecipa o incêndio consumindo o combustível", explica Ronaldo Viana Soares, especialista em controle de incêndios florestais. 

Alta nos preços do arroz e política do governo. Com promessa de “cortar custos”, governo Bolsonaro desmontou a política nacional de segurança alimentar. Logo no primeiro ano de mandato, vendeu armazéns que serviriam de estoques para o arroz e que poderiam regular o preço do produto no mercado, garantindo que a população pudesse comprá-lo. Agora, com as estruturas públicas destruídas, o governo é um mero espectador da crise que poderia evitar.

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Fogo em terras indígenas no Pantanal. Levantamento inédito da Agência Pública revela que mais da metade das TIs no Pantanal estão tomadas pelo fogo. Já são 164 focos de incêndio somente em setembro. Dados de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que esses focos surgiram e saíram de controle primeiro nas propriedades privadas ao redor, posteriormente se alastrando para as terras indígenas e unidades de conservação. 

Agrotóxico letal proibido. Em votação acirrada, a Anvisa manteve o banimento do paraquate, um dos agrotóxicos mais perigosos do mundo, previsto para o próximo dia 22 de setembro. O pesticida está ligado à doença de Parkinson e a mutações genéticas e foi alvo de forte lobby das empresas de agroquímicos e dos grandes produtores de soja. A grande dúvida agora é qual será o posicionamento da agência quanto aos estoques do veneno guardados para a próxima safra.

A aliança entre a Lava Jato e a Transparência Internacional. Mensagens trocadas entre o então procurador da força-tarefa Deltan Dallagnol e o diretor-executivo da ONG no Brasil apontam para uma relação pouco transparente: o procurador diversas vezes pediu ajuda ao membro da organização para que a imagem da força-tarefa fosse defendida e promovida. Até mesmo a destinação do dinheiro recuperado da Petrobras, que foi considerada ilegal pelo STF posteriormente, passou pelo palpite do diretor da Transparência Internacional.
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Ameaça ao aborto legal. Até 28 de agosto de 2020, qualquer mulher que decidisse abortar em uma das situações permitidas por lei, em especial após ter sido estuprada, não precisava ir à delegacia ou pedir autorização à Justiça para ser atendida e ter acesso ao direito. Depois da publicação da Portaria Nº 2.282, que torna obrigatória a notificação à polícia pela equipe médica, quando há indícios ou confirmação de estupro, a mulher vítima precisa enfrentar uma via crucis para realizar o procedimento. Como mostra reportagem da Marco Zero Conteúdo, a portaria faz parte de um movimento que ocorre há pelo menos dez anos no Congresso, encabeçado pela bancada da bíblia, para reverter direitos conquistados pelas mulheres. 

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