07 Outubro 2020
A produção de energia já compromete 70% da vazão do Rio São Francisco e é uma das principais causas de sua degradação. Não suportará estas novas agressões, afirmam bispos em Carta-Denúncia publicada no dia de São Francisco.
Eis a Carta.
Nós, bispos católicos da Bacia Hidrográfica do São Francisco, neste dia de São Francisco de Assis e do rio que recebeu seu nome há 519 anos, nos sentimos, mais uma vez, compelidos a nos pronunciar sobre a situação em que se encontram o Rio e seu Povo. A promessa de vida trazida por Jesus não nos permite calar.
Mapa da Bacia do Rio São Francisco.
(Fonte: Banco de Informações e Mapas dos Transportes da Secretaria Executiva do Ministério dos Transportes)
Ao final de 2017 publicamos a “Carta da Lapa”, alertando para a necessidade de medidas de revitalização da Bacia Hidrográfica. Desde então, não só estas medidas não foram tomadas e nem se anunciam - e são cada vez mais urgentes, como a situação tem piorado e promete piorar ainda mais. Pelo menos três novas ameaças identificamos:
1) A Usina Hidrelétrica - UHE Formoso. Esta nova usina está para ser construída na calha do rio, a 12 km a montante de Pirapora - MG, e alagar uma área de mais 32 mil hectares, em seis municípios, causando impactos ambientais e sociais desastrosos, que vão além do local e não estão sendo levados em conta. Os empreendedores e os governos federal e estadual aceleram o licenciamento da obra, em desrespeito às populações afetadas, entre as quais centenas de comunidades tradicionais ribeirinhas.
2) Uma Usina Nuclear. Está para ser implantada às margens do reservatório da Barragem de Itaparica, a Usina Nuclear de Itacuruba - PE. Anunciada há tempos, sinais recentes de sua concretização inquietam ainda mais as comunidades locais, já sofridas com as consequências da barragem que os expulsou da beira do Rio em 1987/88. As águas do Rio utilizadas para o resfriamento das caldeiras da usina ficarão contaminadas por radiação e elevadas a altíssimas temperaturas. Além do grande desequilíbrio a causar nos ecossistemas da região e a jusante do Rio, os riscos tenebrosos de um desastre nuclear afetarão uma região ainda maior.
3) Instrução Normativa no 67. Preocupa-nos ainda esta Instrução Normativa de 3 de agosto de 2020, da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União e da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados / Ministério da Economia, que trata da “demarcação de terrenos marginais, por meio da determinação da posição da Linha Média das Enchentes Ordinárias - LMEO e da Linha Limite dos Terrenos Marginais - LLTM” dos “lagos, rios e quaisquer correntes de água” federais. Chegam até nós apelos angustiados de comunidades tradicionais ribeirinhas do São Francisco, temerosas de que venham a perder para empreendedores privados as porções principais de seus territórios e o acesso ao Rio.
A produção de energia já compromete 70% da vazão do Rio São Francisco e é uma das principais causas de sua degradação. Não suportará estas novas agressões. É de se questionar o aumento incessante da demanda de energia elétrica e de novos territórios para produção, por um modelo de vida e civilização que está levando o planeta, nossa “Casa Comum”, à exaustão. As mudanças climáticas e as pandemias, cada vez mais intensas e rigorosas, que atingem sobretudo os mais pobres, estão aí a comprovar o fracasso do apregoado “desenvolvimento sustentável” ou de um pretenso “capitalismo verde”. Ao invés de serem manipuladas para o continuísmo do sistema, estão a exigir uma mudança radical dos rumos da humanidade, nos modos de produzir e consumir, em direção à “ecologia integral” que advogam, sensatamente, o Papa Francisco na “Laudato Si’” e o recente Sínodo da Amazônia.
A promessa de vida abundante anunciada por Jesus é nosso desafio e compromisso permanentes. Obriga-nos a esta denúncia e apelo. Às autoridades responsáveis em todos os níveis, pedimos encarecidamente que revejam suas decisões e medidas a cerca destes projetos, em vista do bem comum e da prioridade aos mais pobres, ao meio- ambiente, à vida, para além das pressões de interesses privados minoritários, agravantes da crise ecológica que a todos e tudo ameaça. À sociedade organizada, às pessoas de boa-vontade, sugerimos que tomem conhecimento destas situações e a defesa do bem maior, em apoio às comunidades afetadas, pressionando as autoridades. Às comunidades afetadas dizemos: fiquem firmes, defendam seus direitos e contem com nosso apoio!
Bacia do Rio São Francisco, 04 de outubro de 2020.
Dom João Justino de Medeiros Silva – Arcebispo Metropolitano de Montes Claros – MG Dom João Santos Cardoso – Bispo Diocesano de Bom Jesus da Lapa - BA, Presidente do Regional NE 3 da CNBB.
Dom Frei Carlos Alberto Breis Pereira, OFM – Bispo Diocesano de Juazeiro – BA, Vice-Presidente do Regional NE 3 da CNBB.
Dom Vitor Agnaldo de Menezes – Bispo Diocesano de Propriá – SE, Secretário do Regional NE 3 da CNBB.
Dom Roberto José da Silva – Bispo Diocesano de Janaúba – MG
Dom José Moreira da Silva – Bispo Diocesano de Januária – MG Dom Tommaso Cascianelli, CP – Bispo Diocesano de Irecê – BA
Dom Gabriele Marchesi – Bispo Diocesano de Floresta – PE
Dom Frei Luiz Flávio Cappio, OFM – Bispo Diocesano de Barra - BA
Leia mais
- Transposição do Rio São Francisco é um “elefante branco” construído a partir de um argumento falacioso. Entrevista especial com José do Patrocínio Tomaz Albuquerque
- Falhas na transposição do rio São Francisco revelam a finalidade da obra: patrocinar latifúndios e coronéis da política regional. Entrevista especial com Altair Sales Barbosa
- A transposição e a morte do rio São Francisco. Entrevista especial com Altair Sales Barbosa
- Funcionamento do Eixo Leste da Transposição do Rio São Francisco demonstra erros e fragilidade do projeto. Entrevista especial com João Abner Guimarães Júnior
- Governo denuncia desvio de água do São Francisco para plantações na Paraíba; nota e comentário de João Abner
- A transposição do Rio São Francisco e a seca no Nordeste. Uma esquizofrenia muito grande. Entrevista especial com João Abner Guimarães Júnior
- Transposição do Rio São Francisco: má gestão dos recursos hídricos leva Nordeste brasileiro à exaustão. Entrevista especial com João Suassuna
- A tradicional indústria da seca permite que o sertanejo morra de sede com água no joelho. Entrevista especial com João Abner Guimarães
- Seca no Nordeste e as consequências da má gestão dos recursos hídricos. Entrevista especial com João Abner Guimarães Júnior
- A crise hídrica do Rio São Francisco - Gestão compartilhada dos recursos hídricos é a saída. Entrevista especial com Anivaldo Miranda
- Depois de cinco anos de seca no Nordeste, a possibilidade de um colapso é significativa. Entrevista especial com David Ferran
- Nordeste brasileiro vive quinto ano de seca e se não chover nos próximos dias, não há plano B. Entrevista especial com João Suassuna
- O Canal da Propina
- Sertão do Nordeste: um deserto em 25 anos?
- Secas urbanas atingem o Nordeste brasileiro. Entrevista especial com Fernando Perisse
- A transposição do Rio São Francisco é um “ralo de dinheiro público”. Entrevista especial com Ruben Siqueira
- Secas e estiagens: Quase metade dos municípios decretou emergência ou calamidade de 2003 a 2016
- "Água potável pode se tornar uma miragem"
- Meteorologista prevê chuvas escassas por mais nove anos no semiárido brasileiro
- Seca no semiárido do Nordeste do país, que já dura seis anos, poderá se agravar até abril
- A seca extrema avança no Nordeste
- A morte do Velho Chico ameaça a Convivência com o Semiárido
- “As águas subterrâneas são um recurso pouco entendido e ainda pouco apreciado”. Entrevista especial com Ricardo Hirata
- Mau uso da água subterrânea agrava a crise hídrica
- Maior reservatório do Nordeste, Sobradinho tem seca histórica
- Transposição do São Francisco: o elefante branco nordestino? Entrevista especial com João Suassuna
Nenhum comentário:
Postar um comentário