terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Contribuição ao debate sobre o balanço das eleições de 2020

 

Contribuição ao debate sobre o balanço das eleições de 2020

Ronaldo Pagotto, 30 de novembro de 2020.

 

1.      O balanço eleitoral deve combinar os aspectos gerais da luta de classes com os elementos da luta no campo eleitoral em específico. E deve observar de partida que se trata de um processo absolutamente atípico em meio a maior e mais agressiva pandemia vivida pelo povo brasileiro.

2.      Ainda em termos de contexto a eleição ocorre em meio a uma grave crise nacional: economica, política, ambiental, ideológica e social. Isso é um diferencial do processo nos últimos 30 anos – desde os anos de 1989 – 1994.

3.      Para esse processo duas mudanças específicas do processo eleitoral merecem destaque: o fim do financiamento privado de empresas e as novas regras para coligações.

4.      A primeira mudança pode nos induzir a erro ao aparentar que o poder econômico foi controlado pela legislação. Mas sabemos bem que não há controle legal que assegure conter a força do poder econômico. Empresas não doaram abertamente, mas os setores abastados do pib o fizeram indiretamente: com emprego de pessoas para campanhas como voluntários; patrocinando publicações nas redes sociais com grande alcance; doações sem registro e outras muitas. O Brasil ainda precisa enfrentar o tema do financiamento exclusivo e não tratar o tema como resolvido. A força do poder econômico é um elemento garantidor da associação entre democracia e poder econômico no mundo.

5.      A segunda mudança criou uma regra lei da selva para os partidos existirem. E obstaculizou a construção de frentes eleitorais, como era a tradição no período desde 1988. Isso não é menos importante em um quadro com a esquerda dividida em três partidos nacionais com presença no Congresso e diversos outros com colorações multiplas – em alguns lugares mais a esquerda, noutros menos (PDB; PDT e outros). Isso foi um dos fatores determinantes para a fragmentação de candidaturas do campo progressista. Nessa eleição só o caso do PT já indica esse limite: quase 50% das candidaturas pra prefeito era de PT puro (candidato e vice).

6.      Superado os aspectos gerais de contexto e também as mudanças ocorridas nos últimos anos, passamos aos traços específicos e comentários do processo de 2020.

7.      A polarização é um tema recorrente, mas merece ser abordada. A polarização tem aspectos de aparência e essência. Para muitos ela fica restrita a compreendê-la na aparência e nesse caminho ela é compreendida entre bolsonarismo e petismo, que é de fato os dois polos principais da polarização. Mas na essência, ou melhor na realidade, a polarização é um processo de acirramento da disputa política como consequência da crise em que os polos mais extremos – esquerda e direita – preponderam na disputa e atraem os setores intermediários para posições mais claras e dos extremos. A polarização tensiona o campo do chamado centro para que se posicione lá ou cá.

8.      Esse processo – polarização – nos interessa. Por ele podemos politizar a sociedade, explorar os aspectos comumente ocultos da luta de classes (exploração e opressão de classes) com mais facilidade. Permite politizar, disputar e mostrar que as posições “a-políticas” ou que não gostam do conflito se posicionem mais claramente.

9.      Porém, como uma contratendência a essa abertura para politizar e disputar a sociedade a polarização abre sempre (destaque para isso) um caminho do meio, ou o caminho que não quer conflito, não aceita as formas da disputa entre esquerda e direita, não quer se posicionar lá ou cá, o conhecido “nem, nem” (nem a direita, nem a esquerda). Lembrando que a polarização pode resultar num desfecho em que um dos pólos sai vencedor; mas também é no quadro da polarização que o campo do centrismo se apresenta com capacidade de disputa.

10.  O centro político é uma realidade na vida política em qualquer realidade. Ele tem origem política nesse enorme campo anti-polêmica, anti-polarização, que entende que a política não deve ser “radical” e é um reflexo da despolitização. Há uma origem econômica também que merece ser considerada. Uma sociedade com forte presença do campo não proletário e camponês, mas tampouco burguês (grandes ou médios) é com grande força para os setores chamados intermediários, que alcançam os proletários de altos salários e poder de consumo/compra e os burgueses pequenos e parte dos médios. Esses setores não se associam as pautas de enfrentamento a pobreza, problemas sociais e outros. E tampouco são protegidos pelas políticas voltadas para a grande burguesia (e parte da burguesia mediana). A condição economica desse campo (proletarios e burgueses) é instável e isso se reflete na política. Por isso esse setor não tem partidos direcionados aos setores médios e pequena burguesia – a instabilidade economica é a base da instabilidade política e que faz desse campo um elemento absolutamente instável ora com posições mais progressistas, ora conservador. O desenrolar da luta de classes vai demonstrando que esse campo é predominantemente conservador e isso não é apresentado as claras e explicitamente. O centrismo é isso: não aderem ao campo do proletariado e campesinato, tampouco são orgânicos do campo da grande burguesia. O proletariado e campesinato em luta ameaçam a condição desse setor – cada aumento de salários; conquista de terra; etc refletem na condição desse setor; que também são afetados pelas políticas da grande burguesia de adesão internacional as grandes trasnacionais com impacto no mercado das empresas pequenas e médias; as mudanças na política economica (crédito, juros, infação etc).

11.  Em resumo o centrismo é um fenômeno político com origens econômicas, sociais e ideológicas e não é um traço nacional, as absolutamente ao contrário, é uma característica da formação economica-social do capitalismo em todos os cantos. MAO atribuia especial papel a disputa do campo entre a burguesia e o proletariado nos países atrasados, períféricos e do chamado terceiro mundo em razão da especificidade da formação economica.

12.  Sobre o absenteísmo – são muitos os muitos fatores que determinam o absenteísmo: tradição de não votar, mudanças nas regras com a biometria e várias pessoas não terem regularizado o título; a pandemia em si como inibidor do voto dos setores do grupo de risco, favorecendo uma presença maior do voto jovem e mais de esquerda; e a migração do povo sem a mudança do domicílio eleitoral; menos temor das penalidades de não comparecer, a facilidade para justificar via aplicativo dentre outros. Há quem queira tratar toda a abstenção como uma manifestação política e ela é muito mais do que isso.

13.  A politização da sociedade. A politização é um dos desafios das eleições e esse desafio precisa ser avaliado. Primeiro é que grande parte dos candidatos se apresentaram fugindo dos debates polêmicos (esse é o caminho centrista), resultando em mensagens pasteurizadas e despolitizadas. Para os debates mais comuns aos municípios grandes e médios podemos observar três eixos do debate:

a.      O debate econômico e da crise econômica. Nesse eixo predominou a força da ideia de responsabilidade fiscal, combate a divida como um desvio de um governo ruim e que no fundo é a manutenção do tripé macroeconômico e da austeridade. Candidaturas progressistas – como Boulos, Manuela, Marília, Benedita, Edimilson e tantos outros precisando justificar de onde extrairiam os fundos para as propostas. Nesse tema a esquerda ficou nas cordas, quando não fugiam do debate.

b.      O debate da crise social. Nesse tema as campanhas foram majoritariamente progressistas. As questões a partir de uma visão progressista mesmo nas candidaturas de direta, que foram obrigadas a debater desigualdade, fome, miséria, problemas sociais e adotaram posições mais progressistas. Esse eixo garantiu uma coloração mais a esquerda para o debate eleitoral em todo cato: de Bruno Covas a Kalil, ao de Salvador e demais capitais do Nordeste, Rio, etc.

c.       O tema da segurança pública. Nesse bloco segue um dos temas mais populares. E nele há uma separação em dois mundos: pra direita ela quer tratar da violência com mais polícia, leis, armas, repressão, linchamentos. Os casos são sempre os mais chocantes e graves levados para tratar do tema. Já a esquerda trata o assunto só como problema social. Nesse “gap” a direita emplacou muitos candidatos de origem das polícias e com o discurso de repressão. Somos minoritários nesse tema.

14.  A disputa da sociedade é um tema que mostra uma das causas da crise da esquerda. Melhor seria a ausência de disputa é que pode nos ajudar a entender o quadro em que estamos. Isso foi um quadro comum, mas tivemos experiências que conseguiram travar bons combates e fazer a disputa ideológica e política.

15.  O anti petismo é a feição mais explícita do velho anti-comunismo brasileiro. Há quem destaque os traços específicos e distintivos do anti-petismo, que todavia existem, mas a força majoritaria do anti-petismo é o velho anti-comunismo com outras vestes. Que o digam as candidaturas sob outras legendas e que pagaram um alto preço e toda a carga anti-comunista se voltou contra elas: a começar pelas acusações do Crivela ao Paes; ao Boulos; Manoela e demais candidatos fora do PT. Todo cuidado com esse debate é pouco. Não faltam estímulos para que as lideranças de fora ( e de dentro) do PT se declarem não lulista, anti-Cuba, anti-Venezela etc.

16.  Sobre o resultado em si. Nesse debate tem predominado uma discussão com muitos problemas. Ora o voto é considerado uma demonstração de fidelidade partidária inexistente (ou uma realidade de 10% da população votante), ora comparando números de 2016 com 2020 (pulando 2018!) como um indicador possível para estabelecer comparações. O voto é mais ideológico nas eleições nacionais e nas municipais o voto é nas candidaturas mais atrativas (populares, boas de campanha, com possibilidade eleitoral, simpático, etc. E isso é uma realidade ainda mais evidente nos votos da direita: que vota no DEM, PP, PSDB, PRTB, MDB, PSL etc sem problemas só precisa decorar a sequencia de números. Já nos votos mais a esquerda isso também se traduz em voto no 13, 12, 50, 40, 65 e até mesmo no 15 e outros. Isso não é novidade, mas parece ser ao ler os debates sobre o refluxo do PT e crescimento do PSOL etc. Apenas uma parte da sociedade tem um voto apriori deliminato idelógicamente, mas isso é ao campo (progressista ou conservador( e não aos partido.

17.  O Bolsonarismo saiu perdendo. Em especial no Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza, Recife, Belem, Aracaju, Maceió e outros. Mas é inegável que esse setor representa os segmentos extremados da direita que sempre existiu e são entre 6 e 8% da sociedade. Proto fascistas. Mas esse setor está no governo e cada vez que fala o que pensa perde apoio. A mentira e as fakes news são mecanismos essenciais para esse setor fazer política.

18.  Um tema merece destaque: o debate sobre a força do centro político (centrão ou outra designação que se queira) despreza dois aspectos fundamentais: o primeiro é que são os partidos de prefeituras e que dominam o parlamento desde muito tempo (desde a redemocratização). Esse setor detém a maior parcela do fundo partidário e eleitoral e isso tem um reflexo importante no resultado. A outra questão é que as eleições demonstram que são muito diferentes nas cidades grandes e médias – onde há maior politização; com as cidades menores e do Brasil profundo. Nesses locais a politização é limitado e frágil, com as forças progressistas com muita dificuldade em politizar e se apresentar. Nessas cidades predomina o personalismo fulanizado dos candidatos, o sobrenome, as relações pessoais e profissionais etc. Não tem debate político, nem de projeto, nem de grandes temas. É a disputa para demonstram quem é melhor e o caminho é sempre de valores individuais, história de vida e a meritocracia (ou a evolução das pessoas em uma vida adversa).

19.  O bolsonarismo esteve em baixa nas capitais, territórios mais politizados, mas não percamos de vista que sua força vem ganhando adesão e fidelidade nesse Brasil profundo: que concorda com um suposto excesso do politicamente correto; que piadas machistas, racistas, discriminando LGBTTi e todo esse debate é coisa da esquerda; que abortar é atentar contra a vontade de Deus; que tóxico é uma desgraça; que homem pode bater na mulher se ela “der causa” e outros. Esse Brasil é profundamente atrasado e dizer não se confunde com uma característica nacional, mas um problema DA ESQUERTA, que espera que o povo se politize por si só e não tem esforços relevantes para fazer a disputa ideológica.

 

20.  Meme não ganha eleição. e os problemas do resultado dizem muito do que fazemos antes das eleições e menos no durante a campanha. ou seja, é o que fazemos na luta e ne organização popular no período entre as eleições.

Vamos em frente.  Precisamos lembrar o pt, psol, pc do b que as eleições acabaram e agora é fazer luta social, ideológica, organizar o povo, fazer lutas e conquistas. avemaria que tem uma parte que quer sair de uma festa e já engatar a pauta única em vias de 2022. como o sr anda dizendo até no tw: haja paciência. 

 

 

21.  Deveríamos construir uma plataforma: cada candidatura (não eleita) e mandato devem se conformar com um cento organizador de comitês populares de luta. Nos bairros, escolas, po segmento (mulheres, jovens, negros, lgbtti, trabalhadores, entregadores e quem mais estiver na área).  Demos o nosso melhor e agora é perguntar para cada candidatura: como será o trabalho de organização do povo a partir de agora? qual o saldo da sua campanha para além dos votos? Qual a consequencia para a luta popular?

22.  O resultado poderia ser melhor. A passagem para o segundo turno criou expectativas que foram boas para emular para a campanha; mas não podem nos induzir a erro: todas as derrotas estavam muito desenhadas desde o primeiro turno; ao leque de forças pós primeiro turno (majoritarias para a direita) e não podemos desconsiderar esses fatores para simplesmente concluir que sofremos derrotas.

O mais importante é que desde 2018 não travávamos a luta com tamanha unidade política (especialmente no 2 turno) e energia militante. Se fomos derrotados, meio derrotados ou muito é do debate. Mas é inegável que travamos um bom combate e isso diz muita coisa sobre os cenários vindouros. Se caímos, caímos de pé. Com boa capacidade de luta e unidade política e isso é quase sagrado.

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