Contribuição ao debate sobre o balanço das
eleições de 2020
Ronaldo Pagotto, 30 de novembro de 2020.
1. O balanço eleitoral deve
combinar os aspectos gerais da luta de classes com os elementos da luta no
campo eleitoral em específico. E deve observar de partida que se trata de um
processo absolutamente atípico em meio a maior e mais agressiva pandemia vivida
pelo povo brasileiro.
2. Ainda em termos de
contexto a eleição ocorre em meio a uma grave crise nacional: economica,
política, ambiental, ideológica e social. Isso é um diferencial do processo nos
últimos 30 anos – desde os anos de 1989 – 1994.
3. Para esse processo duas
mudanças específicas do processo eleitoral merecem destaque: o fim do
financiamento privado de empresas e as novas regras para coligações.
4. A primeira mudança pode
nos induzir a erro ao aparentar que o poder econômico foi controlado pela
legislação. Mas sabemos bem que não há controle legal que assegure conter a
força do poder econômico. Empresas não doaram abertamente, mas os setores
abastados do pib o fizeram indiretamente: com emprego de pessoas para campanhas
como voluntários; patrocinando publicações nas redes sociais com grande
alcance; doações sem registro e outras muitas. O Brasil ainda precisa enfrentar
o tema do financiamento exclusivo e não tratar o tema como resolvido. A força
do poder econômico é um elemento garantidor da associação entre democracia e
poder econômico no mundo.
5. A segunda mudança criou
uma regra lei da selva para os partidos existirem. E obstaculizou a construção
de frentes eleitorais, como era a tradição no período desde 1988. Isso não é
menos importante em um quadro com a esquerda dividida em três partidos
nacionais com presença no Congresso e diversos outros com colorações multiplas
– em alguns lugares mais a esquerda, noutros menos (PDB; PDT e outros). Isso
foi um dos fatores determinantes para a fragmentação de candidaturas do campo
progressista. Nessa eleição só o caso do PT já indica esse limite: quase 50%
das candidaturas pra prefeito era de PT puro (candidato e vice).
6. Superado os aspectos
gerais de contexto e também as mudanças ocorridas nos últimos anos, passamos
aos traços específicos e comentários do processo de 2020.
7. A polarização é um tema
recorrente, mas merece ser abordada. A polarização tem aspectos de aparência e
essência. Para muitos ela fica restrita a compreendê-la na aparência e nesse
caminho ela é compreendida entre bolsonarismo e petismo, que é de fato os dois
polos principais da polarização. Mas na essência, ou melhor na realidade, a
polarização é um processo de acirramento da disputa política como consequência
da crise em que os polos mais extremos – esquerda e direita – preponderam na
disputa e atraem os setores intermediários para posições mais claras e dos
extremos. A polarização tensiona o campo do chamado centro para que se
posicione lá ou cá.
8. Esse processo –
polarização – nos interessa. Por ele podemos politizar a sociedade, explorar os
aspectos comumente ocultos da luta de classes (exploração e opressão de
classes) com mais facilidade. Permite politizar, disputar e mostrar que as
posições “a-políticas” ou que não gostam do conflito se posicionem mais
claramente.
9. Porém, como uma contratendência a essa abertura para politizar e disputar a sociedade a polarização abre sempre (destaque para isso) um caminho do meio, ou o caminho que não quer conflito, não aceita as formas da disputa entre esquerda e direita, não quer se posicionar lá ou cá, o conhecido “nem, nem” (nem a direita, nem a esquerda). Lembrando que a polarização pode resultar num desfecho em que um dos pólos sai vencedor; mas também é no quadro da polarização que o campo do centrismo se apresenta com capacidade de disputa.
10. O centro político é uma
realidade na vida política em qualquer realidade. Ele tem origem política nesse
enorme campo anti-polêmica, anti-polarização, que entende que a política não
deve ser “radical” e é um reflexo da despolitização. Há uma origem econômica
também que merece ser considerada. Uma sociedade com forte presença do campo
não proletário e camponês, mas tampouco burguês (grandes ou médios) é com
grande força para os setores chamados intermediários, que alcançam os
proletários de altos salários e poder de consumo/compra e os burgueses pequenos
e parte dos médios. Esses setores não se associam as pautas de enfrentamento a
pobreza, problemas sociais e outros. E tampouco são protegidos pelas políticas
voltadas para a grande burguesia (e parte da burguesia mediana). A condição
economica desse campo (proletarios e burgueses) é instável e isso se reflete na
política. Por isso esse setor não tem partidos direcionados aos setores médios
e pequena burguesia – a instabilidade economica é a base da instabilidade
política e que faz desse campo um elemento absolutamente instável ora com
posições mais progressistas, ora conservador. O desenrolar da luta de classes
vai demonstrando que esse campo é predominantemente conservador e isso não é
apresentado as claras e explicitamente. O centrismo é isso: não aderem ao campo
do proletariado e campesinato, tampouco são orgânicos do campo da grande
burguesia. O proletariado e campesinato em luta ameaçam a condição desse setor
– cada aumento de salários; conquista de terra; etc refletem na condição desse
setor; que também são afetados pelas políticas da grande burguesia de adesão
internacional as grandes trasnacionais com impacto no mercado das empresas
pequenas e médias; as mudanças na política economica (crédito, juros, infação
etc).
11. Em resumo o centrismo é
um fenômeno político com origens econômicas, sociais e ideológicas e não é um
traço nacional, as absolutamente ao contrário, é uma característica da formação
economica-social do capitalismo em todos os cantos. MAO atribuia especial papel
a disputa do campo entre a burguesia e o proletariado nos países atrasados,
períféricos e do chamado terceiro mundo em razão da especificidade da formação
economica.
12. Sobre o absenteísmo
– são muitos os muitos fatores que determinam o absenteísmo: tradição de não
votar, mudanças nas regras com a biometria e várias pessoas não terem
regularizado o título; a pandemia em si como inibidor do voto dos setores do
grupo de risco, favorecendo uma presença maior do voto jovem e mais de
esquerda; e a migração do povo sem a mudança do domicílio eleitoral; menos
temor das penalidades de não comparecer, a facilidade para justificar via
aplicativo dentre outros. Há quem queira tratar toda a abstenção como uma
manifestação política e ela é muito mais do que isso.
13. A politização da
sociedade.
A politização é um dos desafios das eleições e esse desafio precisa ser
avaliado. Primeiro é que grande parte dos candidatos se apresentaram fugindo
dos debates polêmicos (esse é o caminho centrista), resultando em mensagens
pasteurizadas e despolitizadas. Para os debates mais comuns aos municípios
grandes e médios podemos observar três eixos do debate:
a. O debate econômico e da crise econômica. Nesse eixo predominou a força da ideia de responsabilidade fiscal, combate a divida como um desvio de um governo ruim e que no fundo é a manutenção do tripé macroeconômico e da austeridade. Candidaturas progressistas – como Boulos, Manuela, Marília, Benedita, Edimilson e tantos outros precisando justificar de onde extrairiam os fundos para as propostas. Nesse tema a esquerda ficou nas cordas, quando não fugiam do debate.
b. O debate da crise
social. Nesse tema as campanhas foram majoritariamente progressistas. As
questões a partir de uma visão progressista mesmo nas candidaturas de direta,
que foram obrigadas a debater desigualdade, fome, miséria, problemas sociais e
adotaram posições mais progressistas. Esse eixo garantiu uma coloração mais a
esquerda para o debate eleitoral em todo cato: de Bruno Covas a Kalil, ao de
Salvador e demais capitais do Nordeste, Rio, etc.
c. O tema da segurança
pública. Nesse bloco segue um dos temas mais populares. E nele há uma separação
em dois mundos: pra direita ela quer tratar da violência com mais polícia,
leis, armas, repressão, linchamentos. Os casos são sempre os mais chocantes e
graves levados para tratar do tema. Já a esquerda trata o assunto só como
problema social. Nesse “gap” a direita emplacou muitos candidatos de origem das
polícias e com o discurso de repressão. Somos minoritários nesse tema.
14. A disputa da sociedade é
um tema que mostra uma das causas da crise da esquerda. Melhor seria a ausência
de disputa é que pode nos ajudar a entender o quadro em que estamos. Isso foi
um quadro comum, mas tivemos experiências que conseguiram travar bons combates
e fazer a disputa ideológica e política.
15. O anti petismo é a
feição mais explícita do velho anti-comunismo brasileiro. Há quem destaque os
traços específicos e distintivos do anti-petismo, que todavia existem, mas a
força majoritaria do anti-petismo é o velho anti-comunismo com outras vestes.
Que o digam as candidaturas sob outras legendas e que pagaram um alto preço e toda
a carga anti-comunista se voltou contra elas: a começar pelas acusações do
Crivela ao Paes; ao Boulos; Manoela e demais candidatos fora do PT. Todo
cuidado com esse debate é pouco. Não faltam estímulos para que as lideranças de
fora ( e de dentro) do PT se declarem não lulista, anti-Cuba, anti-Venezela
etc.
16. Sobre o resultado em si.
Nesse debate tem predominado uma discussão com muitos problemas. Ora o voto é
considerado uma demonstração de fidelidade partidária inexistente (ou uma
realidade de 10% da população votante), ora comparando números de 2016 com 2020
(pulando 2018!) como um indicador possível para estabelecer comparações. O voto
é mais ideológico nas eleições nacionais e nas municipais o voto é nas
candidaturas mais atrativas (populares, boas de campanha, com possibilidade
eleitoral, simpático, etc. E isso é uma realidade ainda mais evidente nos votos
da direita: que vota no DEM, PP, PSDB, PRTB, MDB, PSL etc sem problemas só
precisa decorar a sequencia de números. Já nos votos mais a esquerda isso
também se traduz em voto no 13, 12, 50, 40, 65 e até mesmo no 15 e outros. Isso
não é novidade, mas parece ser ao ler os debates sobre o refluxo do PT e
crescimento do PSOL etc. Apenas uma parte da sociedade tem um voto apriori
deliminato idelógicamente, mas isso é ao campo (progressista ou conservador( e
não aos partido.
17. O Bolsonarismo saiu
perdendo. Em especial no Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza, Recife, Belem,
Aracaju, Maceió e outros. Mas é inegável que esse setor representa os segmentos
extremados da direita que sempre existiu e são entre 6 e 8% da sociedade. Proto
fascistas. Mas esse setor está no governo e cada vez que fala o que pensa perde
apoio. A mentira e as fakes news são mecanismos essenciais para esse setor
fazer política.
18. Um tema merece destaque:
o debate sobre a força do centro político (centrão ou outra designação que se
queira) despreza dois aspectos fundamentais: o primeiro é que são os partidos
de prefeituras e que dominam o parlamento desde muito tempo (desde a
redemocratização). Esse setor detém a maior parcela do fundo partidário e
eleitoral e isso tem um reflexo importante no resultado. A outra questão é que
as eleições demonstram que são muito diferentes nas cidades grandes e médias –
onde há maior politização; com as cidades menores e do Brasil profundo. Nesses
locais a politização é limitado e frágil, com as forças progressistas com muita
dificuldade em politizar e se apresentar. Nessas cidades predomina o
personalismo fulanizado dos candidatos, o sobrenome, as relações pessoais e
profissionais etc. Não tem debate político, nem de projeto, nem de grandes
temas. É a disputa para demonstram quem é melhor e o caminho é sempre de
valores individuais, história de vida e a meritocracia (ou a evolução das
pessoas em uma vida adversa).
19. O bolsonarismo esteve em
baixa nas capitais, territórios mais politizados, mas não percamos de vista que
sua força vem ganhando adesão e fidelidade nesse Brasil profundo: que concorda
com um suposto excesso do politicamente correto; que piadas machistas,
racistas, discriminando LGBTTi e todo esse debate é coisa da esquerda; que
abortar é atentar contra a vontade de Deus; que tóxico é uma desgraça; que
homem pode bater na mulher se ela “der causa” e outros. Esse Brasil é
profundamente atrasado e dizer não se confunde com uma característica nacional,
mas um problema DA ESQUERTA, que espera que o povo se politize por si só e não
tem esforços relevantes para fazer a disputa ideológica.
20. Meme não ganha eleição. e os problemas do resultado dizem
muito do que fazemos antes das eleições e menos no durante a campanha. ou seja,
é o que fazemos na luta e ne organização popular no período entre as eleições.
Vamos
em frente. Precisamos lembrar o pt,
psol, pc do b que as eleições acabaram e agora é fazer luta social, ideológica,
organizar o povo, fazer lutas e conquistas. avemaria que tem uma parte que quer
sair de uma festa e já engatar a pauta única em vias de 2022. como o sr anda
dizendo até no tw: haja paciência.
21. Deveríamos construir uma
plataforma: cada candidatura (não eleita) e mandato devem se conformar com um
cento organizador de comitês populares de luta. Nos bairros, escolas, po
segmento (mulheres, jovens, negros, lgbtti, trabalhadores, entregadores e quem
mais estiver na área). Demos o nosso
melhor e agora é perguntar para cada candidatura: como será o trabalho de
organização do povo a partir de agora? qual o saldo da
sua campanha para além dos votos? Qual a consequencia para a luta popular?
22. O resultado poderia ser
melhor. A passagem para o segundo turno criou expectativas que foram boas para
emular para a campanha; mas não podem nos induzir a erro: todas as derrotas
estavam muito desenhadas desde o primeiro turno; ao leque de forças pós
primeiro turno (majoritarias para a direita) e não podemos desconsiderar esses
fatores para simplesmente concluir que sofremos derrotas.
O mais importante é que desde 2018 não
travávamos a luta com tamanha unidade política (especialmente no 2 turno) e
energia militante. Se fomos derrotados, meio derrotados ou muito é do debate.
Mas é inegável que travamos um bom combate e isso diz muita coisa sobre os
cenários vindouros. Se caímos, caímos de pé. Com boa capacidade de luta e
unidade política e isso é quase sagrado.
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