NOTAS
SOBRE A ESTRUTURA PRODUTIVA DA AGRICULTURA BRASILEIRA
Por
Instituto Tricontinental de Pesquisa Social
São
Paulo, 30 de novembro de 2020
Aniversario
do Estatuto da terra: Primeira lei de reforma agraria do Brasil
1.
A estrutura produtiva e das classes que
atuam na agricultura brasileira se compõem grosso modo, e apesar das
imprecisões estatísticas, mas baseando-se no último censo agropecuário do IBGE
(2017), assim:
a)
Latifúndio são
os que têm sua acumulação na exploração dos bens da natureza e na especulação
fundiária. Possui mais de mil hectares por fazenda e estão presentes na
fronteira agrícola, do Cerrado e da Amazônia Legal. Seria hoje ao redor de 30
mil unidades. Por trás deles têm fundos de investimentos, bancos e grandes
empresas. Juntos devem ter mais de 180 milhões de hectares, mas não
produzem. São o típico latifúndio
improdutivo e pela lei agraria em vigor, passível de desapropriação.
b)
Agronegócio são
as unidades produtivas que produzem commodities agrícolas para exportação.
Cerca de 80% de sua produçao é soja, milho, cana, algodão e pecuária bovina
extensiva. Se subdividem entre: as propriedades com mais de mil hectares -que
são aproximadamente 40 mil fazendas, e outras 345 mil unidades que estão entre
100 e 1000 hectares. Poderia se caracterizar como uma pequena burguesia agrária.
Ao todo devem ter mais de cem milhões de hectares.
c)
Agricultura Familiar ou
campesinato são ao redor de 5 milhões de unidades de produção, entre zero e 100
hectares a depender da região. Há entre eles 500 mil famílias de assentados da
reforma agrária e outras 600 mil famílias assentadas em projetos de colonização
originários de terras públicas na Amazônia Legal. Há também entre eles agricultores sem-terra
que trabalham como parceiros, posseiros e arrendatários. Produzem basicamente alimentos
para o mercado interno. Sendo que 80% dos alimentos vendidos no mercado interno
brasileiro é originário deste setor. Há também um setor de camponeses subordinado
à agroindústria que tem seus produtos, como o frango; suínos, leite, sucos de
frutas e tabaco, que são apropriados pelas agroindústrias e se destinam para o
mercado interno e também são exportados pelas
empresas.
d)
Proletariado Rural são
cerca de 4,5 milhões de trabalhadores assalariados. Ao redor de 1,5 milhão são
empregados permanentes que moram nas fazendas do agronegócio e lá produzem, os
outros são assalariados temporários para tempos de plantio e colheita -
migrantes que moram nas periferias de cidades ou são camponeses pobres. Todos
eles recebem apenas salário. São eles que estão mais expostos na aplicação dos agrotóxicos.
2.
Esta estrutura socioeconômica produziu, em
2019, 750 bilhões de reais em produtos agricolas, seja para exportação ou
mercado interno. É o chamado PIB Agrícola que inclui a produçao da
agricultura e da pecuária. E está excluída, por impossibilidade de cálculo, a produção
de alimentos para autos-sustento das famílias camponesas. Ou seja, os alimentos
que suprem as necessidades de 5 milhões de famílias e que são auto gestionários,
e não são contabilizados para efeito do PIB Agrícola.
3.
O PIB Agrícola é medido pelo valor
recebido pelos agricultores ao venderem os produtos no mercado.
4.
Muitos agricultores camponeses vendem
seus produtos em feiras de produtores, em pequenos municípios e também não tem
registro contábil para efeito do PIB Agrícola.
5.
Mas a maioria dos agricultores vendem os
produtos agrícolas para: as empresas que compram e levam para o mercado
externo; empresas atacadistas que
controlam o comercio interno de determinados setores; ou agroindústrias que os
utilizam como matéria prima (carnes, leite, sucos, frutas, cacau, etc.) para
alimentos processados.
6.
A estrutura oligopolizada do comercio
agrícola brasileiro resulta num verdadeiro FUNIL, em que os milhões de
produtores de matérias primas agrícolas, acabam à mercê da compra e
consequentemente do controle do comércio e da indústria, por parte de algumas poucas empresas.
7.
Em anexo apresenta-se uma tabela com a
lista das 50 maiores empresas que atuam na agricultura, por volume de
faturamento total.. Chama atenção de como o setor da agricultura, apesar de
tantos produtores , está concentrado. Apenas as 50 maiores empresas tiveram um
faturamento bruto de mais de 774 bilhões de reais. Claro, que dentro deste
valor tem o trabalho agregado dos trabalhadores da indústria e comércio, tem os
custos de beneficiamento, e tem também a taxa média de lucro de 13% ao ano. Porém,
é sintomático que ele esteja bem próximo do valor total recebido por todos os
agricultores brasileiros desde a burguesia agrária até os camponeses pobres. É
como se quase 6 milhões de unidades de produção agrciolas, capitalistas ou camponesas, produzissem para que depois fosse acaparado por apenas 50 empresas.
8.
Estão, entre as 50 maiores empresas,
aquelas que se dedicam a produção dos insumos necessários (máquinas, agrotóxicos,
fertilizantes, etc.) e por tanto vendem
aos produtores agricolas, e as que industrializam a matéria prima ou que,
simplesmente, compram as commodities agrícolas e controlam sua exportação, a
exemplo do que acontece no mercado de grãos.
9.
Há entre as empresas uma divisão entre
as empresas controladas por capital nacional (cerca de 60%) e as de capital estrangeiro
(aproximadamente 40%). Porém, as
empresas transnacionais têm aumentado sua presença no número (entre as 50
maiores) e no valor total do faturamento controlado.
10.
Nota-se o caso da empresa chinesa COFCO.
Está há apenas três anos atuando na agricultura brasileira e já tem um
faturamento de 23 bilhões de reais, aparecendo como a oitava maior empresa.
11.
Também se percebe um processo permanente
de concentração do capital que vai se consolidando em empresas cada vez maiores, que
vão comprando outras menores no mesmo ramo. Há também uma centralização do
capital, ou seja, uma mesma empresa passa atuar em diversos ramos, dentro da
agricultura e fora dela.
12.
Nota-se também que há um verdadeiro
oligopólio em cada setor. Por exemplo, poucas empresas controlam todo setor de máquinas
agrícolas; poucas empresas controlam a produção de carnes (bovina, suína e
frango), poucas empresas controlam os agrotóxicos, e assim sucessivamente.
13.
Percebe-se a existência de diversas
grandes cooperativas empresariais, que atuam com o modelo do agronegócio e tem
como sócios em sua maioria médios e grandes produtores. Muitas destas
cooperativas empresariais tem também sócios entre os camponeses, mas eles tem
pouca relevância no volume de produção recolhido no caso dos grãos, e mais
expressiva no caso das carnes de frango e suíno. Porém, a maioria destas
grandes cooperativas que já estão entre as 50 maiores empresas da agricultura,
compartem o mercado em parceria com outras empresas transnacionais, quando se
trata do comercio externo. O diferencial destas cooperativas para as empresas
privadas, é que pelo menos as cooperativas repartem o lucro, que é expresso
contabilmente como “sobras”, para um número maior de beneficiários expresso nos associados. Diferente dos poucos
e grandes acionistas controladores das grandes empresas privadas. No entanto, em relação aos trabalhadores
assalariados, as cooperativas tem politicas as vezes até mais exploradoras do
que as empresas privadas.
14.
Nota-se na tabela, que muitas empresas
não fornecem informações sobre o número de seus empregados nas atividades de
comercio e indústria, e o total aproximado está ao redor de 600 mil. O que
indica uso de elevada tecnologia e produtividade, pois em termos genéricos
esses 600 mil operários processam o que os outros 16 milhões de trabalhadores
agricolas fazem na produção da matéria prima.
15.
Também não aparece nos balanços das
empresas a média salarial dos operários do setor. Apenas sabe-se que não são muito superiores
ao salário-mínimo e que destoam grandemente dos rendimentos dos gerentes e CEOs
destas empresas, assim como dos seus lucros. A maioria das empresas não tem
acordos sindicais de destinar parte dos seus lucros aos operários como ocorrem em alguns
setores da economia brasileira.
16.
O destino da renda agrícola, produzida
pelos trabalhadores no campo fica mais claro quando se estuda a composição do
custo de produção médio de uma fazenda do modelo do agronegócio.’
17.
A
CONAB (conab.gov.br/info-agro/custos-de-producao) faz cálculos de custos de
produção por produtos e por município a cada safra. Tomando-se o exemplo a
produção de soja no maior município produtor do país, Sorriso-MT, vê-se que em média:
a)
As empresas que fornecem os insumos ao
fazendeiro-capitalista, se apropriam de 70% do valor gerado na soja produzida;
b)
Os impostos ficam com apenas 5%, que
seria repartido como mais-valia social para todo povo brasileiros; que no caso
brasileiro é ridículo. Basta comparar
com os fazendeiros da Argentina que pagam 35% de impostos na exportação da
soja, como uma forma do estado recolher parte da mais-valia e distribui-la para
todo povo na forma de serviços publicos.
Os juros/seguros e taxas pagos aos bancos representam em torno de 8% do
valor total da produçao da soja. Isso é apropriado pelo capital financeiro, mas
sabe-se que o capital financeiroa financia a venda dos insumos para as empresas
fornecedoras, que repartem os seus lucros parte com os bancos;
c)
Os trabalhadores assalariados que atuam
com sua força de trabalho vivo na produção da soja, ficam com apenas 5% do
valor total gerado;
d)
E o fazendeiro capitalista, proprietário
ou arrendatário das terras fica com 12% do valor total produzido, a título de
renda da terra e lucro das atividades da soja.
18.
Com
essa divisão percentual poderíamos aplicar sobre o valor total da soja produzida a cada ano no país, e perceber
como ficaria a divisão total da renda
agrícola da soja no Brasil. E a rigor ficam no nosso território nacional, o
equivalente aos 5% de impostos, mais o valor dos salários e mais a renda do
fazendeiro, totalizando 22% da renta total da soja. E 78%
são apropriados por outros setores de classe, fora da agricultura, acumulando
riqueza dentro ou fora do pais.
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