terça-feira, 1 de dezembro de 2020

NOTAS SOBRE A ESTRUTURA PRODUTIVA DA AGRICULTURA BRASILEIRA

 

NOTAS SOBRE A ESTRUTURA PRODUTIVA DA AGRICULTURA BRASILEIRA

Por Instituto Tricontinental de Pesquisa Social

São Paulo, 30 de novembro de 2020

Aniversario do Estatuto da terra: Primeira lei de reforma agraria do Brasil

 

 

 

1.         A estrutura produtiva e das classes que atuam na agricultura brasileira se compõem grosso modo, e apesar das imprecisões estatísticas, mas baseando-se no último censo agropecuário do IBGE (2017), assim:

a)        Latifúndio são os que têm sua acumulação na exploração dos bens da natureza e na especulação fundiária. Possui mais de mil hectares por fazenda e estão presentes na fronteira agrícola, do Cerrado e da Amazônia Legal. Seria hoje ao redor de 30 mil unidades. Por trás deles têm fundos de investimentos, bancos e grandes empresas. Juntos devem ter mais de 180 milhões de hectares, mas não produzem.  São o típico latifúndio improdutivo e pela lei agraria em vigor, passível de desapropriação.

b)        Agronegócio são as unidades produtivas que produzem commodities agrícolas para exportação. Cerca de 80% de sua produçao é soja, milho, cana, algodão e pecuária bovina extensiva. Se subdividem entre: as propriedades com mais de mil hectares -que são aproximadamente 40 mil fazendas, e outras 345 mil unidades que estão entre 100 e 1000 hectares. Poderia se caracterizar como uma pequena burguesia agrária. Ao todo devem ter mais de cem milhões de hectares.

c)        Agricultura Familiar ou campesinato são ao redor de 5 milhões de unidades de produção, entre zero e 100 hectares a depender da região. Há entre eles 500 mil famílias de assentados da reforma agrária e outras 600 mil famílias assentadas em projetos de colonização originários de terras públicas na Amazônia Legal.   Há também entre eles agricultores sem-terra que trabalham como parceiros, posseiros e arrendatários. Produzem basicamente alimentos para o mercado interno. Sendo que 80% dos alimentos vendidos no mercado interno brasileiro é originário deste setor. Há também um setor de camponeses subordinado à agroindústria que tem seus produtos, como o frango; suínos, leite, sucos de frutas e tabaco, que são apropriados pelas agroindústrias e se destinam para o mercado interno e também são  exportados pelas empresas.

d)        Proletariado Rural são cerca de 4,5 milhões de trabalhadores assalariados. Ao redor de 1,5 milhão são empregados permanentes que moram nas fazendas do agronegócio e lá produzem, os outros são assalariados temporários para tempos de plantio e colheita - migrantes que moram nas periferias de cidades ou são camponeses pobres. Todos eles recebem apenas salário. São eles que estão mais expostos na aplicação dos agrotóxicos.

 

2.         Esta estrutura socioeconômica produziu, em 2019, 750 bilhões de reais em produtos agricolas, seja para exportação ou mercado interno. É o chamado PIB Agrícola que inclui a produçao da agricultura e da pecuária. E está excluída, por impossibilidade de cálculo, a produção de alimentos para autos-sustento das famílias camponesas. Ou seja, os alimentos que suprem as necessidades de 5 milhões de famílias e que são auto gestionários, e não são contabilizados para efeito do PIB Agrícola.

 

3.         O PIB Agrícola é medido pelo valor recebido pelos agricultores ao venderem os produtos no mercado.

 

4.         Muitos agricultores camponeses vendem seus produtos em feiras de produtores, em pequenos municípios e também não tem registro contábil para efeito do PIB Agrícola.

 

5.         Mas a maioria dos agricultores vendem os produtos agrícolas para:  as  empresas que compram e levam para o mercado externo;  empresas atacadistas que controlam o comercio interno de determinados setores; ou agroindústrias que os utilizam como matéria prima (carnes, leite, sucos, frutas, cacau, etc.) para alimentos processados.

 

6.         A estrutura oligopolizada do comercio agrícola brasileiro resulta num verdadeiro FUNIL, em que os milhões de produtores de matérias primas agrícolas, acabam à mercê da compra e consequentemente do controle do comércio e da indústria, por parte de algumas  poucas empresas.

 

7.         Em anexo apresenta-se uma tabela com a lista das 50 maiores empresas que atuam na agricultura, por volume de faturamento total.. Chama atenção de como o setor da agricultura, apesar de tantos produtores , está concentrado. Apenas as 50 maiores empresas tiveram um faturamento bruto de mais de 774 bilhões de reais. Claro, que dentro deste valor tem o trabalho agregado dos trabalhadores da indústria e comércio, tem os custos de beneficiamento, e tem também a taxa média de lucro de 13% ao ano. Porém, é sintomático que ele esteja bem próximo do valor total recebido por todos os agricultores brasileiros desde a burguesia agrária até os camponeses pobres. É como se quase 6 milhões de unidades de produção  agrciolas, capitalistas ou camponesas,  produzissem para que depois fosse acaparado  por apenas 50 empresas.

 

8.         Estão, entre as 50 maiores empresas, aquelas que se dedicam a produção dos insumos necessários (máquinas, agrotóxicos, fertilizantes, etc.)  e por tanto vendem aos produtores agricolas, e as que industrializam a matéria prima ou que, simplesmente, compram as commodities agrícolas e controlam sua exportação, a exemplo do que acontece no mercado de grãos.

 

9.         Há entre as empresas uma divisão entre as empresas controladas por capital nacional (cerca de 60%) e as de capital estrangeiro (aproximadamente 40%).  Porém, as empresas transnacionais têm aumentado sua presença no número (entre as 50 maiores) e no valor total do faturamento controlado.

 

10.      Nota-se o caso da empresa chinesa COFCO. Está há apenas três anos atuando na agricultura brasileira e já tem um faturamento de 23 bilhões de reais, aparecendo como a oitava maior empresa.

 

11.      Também se percebe um processo permanente de concentração do capital que vai se  consolidando em empresas cada vez maiores, que vão comprando outras menores no mesmo ramo. Há também uma centralização do capital, ou seja, uma mesma empresa passa atuar em diversos ramos, dentro da agricultura e fora dela.

 

12.      Nota-se também que há um verdadeiro oligopólio em cada setor. Por exemplo, poucas empresas controlam todo setor de máquinas agrícolas; poucas empresas controlam a produção de carnes (bovina, suína e frango), poucas empresas controlam os agrotóxicos, e assim sucessivamente.

 

13.      Percebe-se a existência de diversas grandes cooperativas empresariais, que atuam com o modelo do agronegócio e tem como sócios em sua maioria médios e grandes produtores. Muitas destas cooperativas empresariais tem também sócios entre os camponeses, mas eles tem pouca relevância no volume de produção recolhido no caso dos grãos, e mais expressiva no caso das carnes de frango e suíno. Porém, a maioria destas grandes cooperativas que já estão entre as 50 maiores empresas da agricultura, compartem o mercado em parceria com outras empresas transnacionais, quando se trata do comercio externo. O diferencial destas cooperativas para as empresas privadas, é que pelo menos as cooperativas repartem o lucro, que é expresso contabilmente como “sobras”, para um número maior de beneficiários  expresso nos associados. Diferente dos poucos e grandes acionistas controladores das grandes empresas privadas.  No entanto, em relação aos trabalhadores assalariados, as cooperativas tem politicas as vezes até mais exploradoras do que as empresas privadas.

 

14.      Nota-se na tabela, que muitas empresas não fornecem informações sobre o número de seus empregados nas atividades de comercio e indústria, e o total aproximado está ao redor de 600 mil. O que indica uso de elevada tecnologia e produtividade, pois em termos genéricos esses 600 mil operários processam o que os outros 16 milhões de trabalhadores agricolas fazem na produção da matéria prima.

 

15.      Também não aparece nos balanços das empresas a média salarial dos operários do setor.  Apenas sabe-se que não são muito superiores ao salário-mínimo e que destoam grandemente dos rendimentos dos gerentes e CEOs destas empresas, assim como dos seus lucros. A maioria das empresas não tem acordos sindicais de destinar parte dos seus  lucros aos operários como ocorrem em alguns setores da economia brasileira.

 

16.      O destino da renda agrícola, produzida pelos trabalhadores no campo fica mais claro quando se estuda a composição do custo de produção médio de uma fazenda do modelo do agronegócio.’

 

17.       A CONAB (conab.gov.br/info-agro/custos-de-producao) faz cálculos de custos de produção por produtos e por município a cada safra. Tomando-se o exemplo a produção de soja no maior município produtor do país, Sorriso-MT, vê-se que em média:

a)        As empresas que fornecem os insumos ao fazendeiro-capitalista, se apropriam de 70% do valor gerado na soja produzida;

b)        Os impostos ficam com apenas 5%, que seria repartido como mais-valia social para todo povo brasileiros; que no caso brasileiro é ridículo.  Basta comparar com os fazendeiros da Argentina que pagam 35% de impostos na exportação da soja, como uma forma do estado recolher parte da mais-valia e distribui-la para todo povo na forma de serviços publicos.   Os juros/seguros e taxas pagos aos bancos representam em torno de 8% do valor total da produçao da soja.   Isso é apropriado pelo capital financeiro, mas sabe-se que o capital financeiroa financia a venda dos insumos para as empresas fornecedoras, que repartem os seus lucros parte com os bancos;

c)        Os trabalhadores assalariados que atuam com sua força de trabalho vivo na produção da soja, ficam com apenas 5% do valor total gerado;

d)        E o fazendeiro capitalista, proprietário ou arrendatário das terras fica com 12% do valor total produzido, a título de renda da terra e lucro das atividades da soja.

 

18.       Com essa divisão percentual poderíamos aplicar sobre o valor total da  soja produzida a cada ano no país, e perceber como ficaria  a divisão total da renda agrícola da soja no Brasil. E a rigor ficam no nosso território nacional, o equivalente aos 5% de impostos, mais o valor dos salários e mais a renda do fazendeiro, totalizando 22% da renta total da soja.  E  78% são apropriados por outros setores de classe, fora da agricultura, acumulando riqueza dentro ou fora do pais.

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