Imagine viver em meio à fumaça em plena pandemia por Thiago Domenici Entre ter uma ideia jornalística e executá-la existem alguns 'poréns'. Um desses 'poréns', no caso, tem nome: governo federal. Alguns obstáculos que o governo colocou na nossa cobertura da pandemia foram a falta de transparência na divulgação de dados do Ministério da Saúde, a demora na atualização da base do SUS para casos de síndrome respiratória aguda (SRAG) e a falta de respostas aos nossos pedidos de Lei de Acesso à Informação.
A situação nos atrapalhou, mas não nos impediu de achar saídas para o especial que lançaremos hoje, o Amazônia Irrespirável, uma série investigativa que mostra como o impacto da fumaça das queimadas associadas ao desmatamento se relaciona com a crise de saúde causada pela pandemia de Covid-19.
Queríamos investigar, por meio dos dados oficiais, como essas duas tragédias (queimadas e Covid-19) se relacionaram ao longo de 2020 e que impacto elas tiveram na população. Nossa hipótese era que essa sobreposição, como indicavam especialistas em notas técnicas do INPE e outros órgãos de pesquisa, demandaria ainda mais tratamentos nos hospitais e unidades de saúde já comprometidos pela alta procura causada pelo coronavírus.
Os dados, no entanto, não revelaram exatamente isso. Mesmo assim, o problema continuava ali, no dia a dia, como indicam as histórias que nossos repórteres foram buscar.
Nossa equipe aguerrida está há meses acompanhando o impacto das queimadas na Amazônia, um problema crônico que todos os anos atinge o lar de mais de 20 milhões de brasileiros. Você, que mora na região Sul ou Sudeste, imagine viver numa cidade sob fumaça densa por dezenas de dias seguidos? Foi o que aconteceu com a população do Acre, por exemplo, o estado que mais sofreu com queimadas em 2020 em toda a Amazônia Legal.
A repórter Júlia Dolce conta que se impressionou durante a apuração com as pessoas que naturalizaram o problema como parte do cotidiano. "Todo ano a gente espera a fumaça", disse uma entrevistada para ela.
O problema é que parte desta fumaça é fruto de desmatamento ilegal causado pelo agronegócio que derruba a floresta. Ou seja, a saúde da população é diretamente afetada pela prática de crimes ambientais.
Julia, que é asmática, sabe bem o que é falta de ar. "Me deu muita aflição fazer algumas entrevistas pois eu sabia qual era aquela sensação relatada".
Segundo estudo da Fiocruz, a fumaça das queimadas da Amazônia costuma afetar, principalmente, as crianças, ainda que tenha impacto também na saúde de idosos – grupo de risco para a Covid-19. A Fiocruz já estimou que viver em uma cidade próxima a focos de incêndio aumenta em 36% a probabilidade de se internar por doenças respiratórias.
E o que acontece com quem inala fumaça por longos períodos? De irritação nos olhos e inflamação pulmonar à exacerbação de doenças cardiovasculares, como insuficiência cardíaca, de acordo com a OMS.
Em outro aspecto do especial, os repórteres Bruno Fonseca, Bianca Muniz, Rafael Oliveira e Larissa Fernandes mostram como, em alguns estados da Amazônia Legal, os meses com mais internações por complicações respiratórias graves foram também os de crescimento dos focos de incêndio, que trazem consigo os efeitos da fumaça das queimadas para a saúde respiratória das pessoas.
Médicos também nos contaram que pacientes confundiram os sintomas durante a primeira onda do coronavírus. “A gente tinha que tentar entender se o sintoma era relacionado à fumaça ou à Covid-19”, disse um médico do Mato Grosso, o estado que liderou no ano passado os casos de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda) por 100 mil habitantes na Amazônia, como mostrará nosso levantamento exclusivo. Muitos infectados ficaram em casa achando que a tosse era das queimadas quando, na verdade, era Covid-19. |
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Rolou na Pública Dupla comemoração. Na segunda-feira, recebemos a excelente notícia de que somos finalistas do True Story Awards, um prêmio global que reconhece o melhor do jornalismo ao redor do mundo. Das três reportagens finalistas em português, duas são da Pública. Esta, sobre furtos famélicos, e esta, sobre a exploração sexual de menores de idade na ilha do Marajó. O resultado final sai em agosto. Estamos na torcida!
Caciques denunciam Bolsonaro. No sábado, revelamos com exclusividade que foi feita uma nova denúncia contra Jair Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional, em nome dos caciques Raoni Metuktire e Almir Suruí. Entrevistamos o advogado francês William Bourdon, que formulou a denúncia. A entrevista saiu também no El País Brasil e foi citada pela TV Cultura, que repercutiu a notícia. |
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