quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Na Funai bolsonarista, nenhum cm para indígenas, milhares de km para fazendeiros

 

O governo Bolsonaro não homologou nenhum território indígena. Mas, desde 2020, mais de 400 fazendas foram certificadas dentro de áreas indígenas. Tudo isso graças à Instrução Normativa nº 9 da Funai, um passe livre para que fazendeiros ocupem territórios indígenas em todo o país.

Nesta newsletter, o repórter Rafael Oliveira explica quem se beneficia enquanto milhares de hectares e dezenas de povos indígenas são afetados pela medida. 

Envie seu comentário ou reflexão sobre a certificação em territórios indígenas respondendo a este e-mail. Sua mensagem pode ser selecionada para a próxima edição das "Cartas dos Aliados".

Nossa Editora de Audiências, Giulia Afiune, está aproveitando alguns dias de férias. Enquanto isso, assumo o envio da newsletter dos Aliados.

Abraços, 

Letícia Gouveia
Estagiária de Comunicação da Pública
 
Na Funai bolsonarista, nenhum cm para indígenas, milhares de km para fazendeiros
por Rafael Oliveira

Entre todos os órgãos públicos do Brasil de Bolsonaro, poucos têm sido tão eficientes em cumprir a missão de ser disfuncional quanto a Fundação Nacional do Índio (Funai) de Marcelo Augusto Xavier da Silva. No cargo desde julho de 2019, o delegado da Polícia Federal – que em 2016 atuou na CPI anti-Funai e Incra – parece ter assumido a cadeira com uma única missão: tornar a Funai o menos indigenista e o mais agropecuarista possível.

A lista de desmandos notáveis de Xavier à frente da "Fundação Anti-indígena" é vasta: a nomeação de “antropólogos de confiança” – leia-se: anti-indígenas – para os grupos técnicos (GTs) de demarcação de terras, que só atuaram quando obrigados por decisão judicial; a centralização das decisões em Brasília, burocratizando o máximo possível qualquer ação em benefício dos indígenas; a resistência para renovar portarias de proteção a isolados; a tentativa de restringir a autodeclaração indígena; a perseguição sistemática contra servidores que não seguem a cartilha bolsonarista; e por aí vai. Nesse meio tempo, ainda deu tempo de o presidente do órgão dedicar vários e vários dias de sua agenda a reuniões com representantes do agronegócio e com indígenas “produtores rurais”, além de fazer participação especial em documentários da produtora Brasil Paralelo, uma espécie de "Netflix da direita".

Uma das principais medidas de Xavier é o tema da reportagem “Governo Bolsonaro certificou 239 mil hectares de fazendas dentro de áreas indígenas”, publicada no meio de julho. A investigação da Agência Pública mostra os impactos da Instrução Normativa nº 9/2020 (IN 09) e revela quem são alguns dos grandes beneficiários do ato infralegal, incluindo herdeiros da Batavo e um deputado bolsonarista. Outra reportagem mostra os efeitos da IN 09 contra os Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul.

Divulgado no Diário Oficial da União no exato mesmo dia em que o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, falou em “passar a boiada”, o ato administrativo exemplifica com maestria a estratégia: em uma canetada, sem precisar enfrentar a muitas vezes arrastada tramitação de um projeto de lei no Congresso, Marcelo Xavier passou a permitir a certificação e o registro de fazendas particulares dentro de territórios indígenas não homologados — todos aqueles que não tiveram decreto presidencial publicado, ou seja, não concluíram uma das últimas etapas do processo de demarcação. 

Na prática, Xavier decidiu ir na contramão da Constituição e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, considerando que só as terras indígenas que finalizaram a demarcação são dignas de proteção da Funai. Isso em um governo que, em uma das raras promessas cumpridas, não demarcou nem um centímetro de terra indígena. Um dos autores de ação civil pública contra a IN 09, o procurador do Ministério Público Federal (MPF/MT) Ricardo Pael, sintetizou o significado da normativa: “Se fosse um sindicato rural utilizando as mesmas teses, estaria perfeito, porque é uma defesa do direito de propriedade dos proprietários rurais”.

A medida, anunciada à época como o “fim da lista suja do Sigef (Sistema de Gestão Fundiária)”, foi orgulhosamente anunciada por Xavier em vídeo na companhia de Nabhan Garcia, secretário especial de Assuntos Fundiários, que é provavelmente o maior representante do agronegócio dentro do governo Bolsonaro. 

Em maio de 2020, menos de um mês após a publicação da IN 09, a Pública mergulhou no tema, em reportagem que foi a vencedora do Concurso de Jornalismo de Dados “Todos os Olhos na Amazônia”. De lá para cá, o Ministério Público Federal conseguiu derrubar a validade da medida em boa parte do país, mas a canetada de Xavier continuou impactando centenas de milhares de hectares e dezenas de povos indígenas. O assunto seguiu no nosso radar e a reportagem abordada nesta newsletter é fruto da nossa insistência no tema, que há muito já deixou de estar no radar da grande imprensa.

Enquanto Xavier segue conduzindo a Funai na contramão de sua vocação indigenista, aqui na Pública seguimos firmes na nossa vocação de investigar os desmandos governamentais e as violações de Direitos Humanos. No ano que vem, seja quem estiver sentado nas cadeiras das presidências da República e da Funai, manteremos nossos olhos atentos, porque desrespeitar os direitos indígenas nunca foi exclusividade dos bolsonaristas.

 
Rafael Oliveira é repórter da Agência Pública.

Rolou na Pública
 

Armas no campo. Líderes do movimento Proarmas incentivam aumento de armas de fogo e clubes de tiro no campo. A Pública apurou que, entre setembro de 2021 e julho deste ano, houve pelo menos sete palestras sobre segurança e proteção no campo promovidas por sindicatos rurais com a participação do Proarmas. A reportagem foi republicada no UOL, na Carta Capital e no Jornal do Brasil. No Canal UOL, a matéria foi comentada pelo colunista Josias de Souza.

Reinado de Michelle nas redes. Grupos bolsonaristas no Whatsapp e Telegram vêm reagindo com entusiasmo ao protagonismo assumido pela primeira-dama na campanha do marido. Michelle Bolsonaro está sendo comparada a personagem bíblica que mistura política e religião. A reportagem foi republicada no veículo português Polígrafo e no Núcleo Jornalismo.

“Hoje, indígenas não estão sozinhos”. Em entrevista exclusiva à Pública, o xamã Yanomami Davi Kopenawa falou sobre as ameaças do governo Bolsonaro aos povos originários e sua luta pelos direitos indígenas e pela defesa da terra. "Não tenho medo de falar com o homem branco, de discutir e explicar. Mas tenho medo de pistoleiros que podem nos perseguir e acabar com a liderança que está lutando”. A entrevista foi republicada no Jornalistas Livres, no Opera Mundi e na Revista Ihu Unisinos.

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