PARA NÃO ESQUECER – 13 DE DEZEMBRO DE 1968
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DECRETADO O AI-5
(Ernesto Germano Parés)
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O governo do EUA havia inaugurado, com a eleição de John F. Kennedy (1961), uma nova estratégia de combate ao socialismo. Novas verbas governamentais são liberadas para renovação do arsenal nuclear e a política internacional é de conceder maior participação aos países aliados nas decisões estadunidenses. Por outro lado, autoriza uma intervenção direta contra o recém-criado governo socialista de Cuba ao sustentar uma tentativa de invasão na Baía dos Porcos por alguns exilados cubanos apoiados por soldados mercenários contratados pela CIA, em abril de 1961. Depois de derrotado, quando milícias populares cubanas “botaram para correr” os bem treinados marines, Kennedy declara o embargo comercial à Cuba com um bloqueio naval. Em janeiro de 1962, convence a Assembleia da OEA a expulsar Cuba de seu quadro.
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Para o restante da América Latina, o governo da Casa Branca havia criado um programa de ajuste ao Terceiro Mundo com o pomposo nome de Aliança Para o Progresso. Em seu comunicado básico, a Aliança definia sua função como a de “realizar a revolução pacífica na América Latina, afastando-a do socialismo”.
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Entre os políticos brasileiros esta proposta tinha como defensores o prof. Eugênio Gudin, o economista Roberto Campos, o jornalista Júlio de Mesquita e muitos políticos abrigados na UDN. Entre os militares, uma jovem oficialidade criada no período posterior a II Guerra e que se formara dentro de uma nova mentalidade nas Forças Armadas.
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A criação da Escola Superior de Guerra em 1949, e o treinamento de militares brasileiros que recebiam cursos nos EUA foram alimentando estes “novos” oficiais e originando, inclusive, doutrinas próprias para a política nacional como a “Teoria de Poder do Estado” e outras publicações que fizeram com que a ESG fosse chamada de “Sorbonne” brasileira. A Escola havia sido modelada pelo “National War College” de Washington.
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Já em 1963, as atitudes do Governo dos EUA haviam mudado. Nenhum novo acordo econômico era assinado com o governo Goulart, enquanto vários negócios e empréstimos eram realizados diretamente com governadores estaduais que atendessem aos projetos de Aliança Para o Progresso. Estados como a Guanabara e o Rio Grande do Norte, governados pela UDN, recebiam amplo apoio financeiro para realização de programas de desenvolvimento.
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O fato concreto é que no dia 1º de abril de 1964 o Rio de Janeiro, centro das atenções políticas, amanhece com o centro da cidade tomado por tropas. Tanques de guerra cercavam o prédio do antigo Ministério da Guerra e soldados fechavam todas as vias públicas para que não ocorressem protestos. A sede a União Nacional dos Estudantes, na Praia de Botafogo, foi incendiada na madrugada por grupos de direita.
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O movimento sindical, talvez pego de surpresa, ficou sem ação. Milhares de panfletos já rodados conclamando a uma greve geral foram queimados na sede da UNE e apenas uma categoria, no Rio de Janeiro, conseguiu paralisar: os ferroviários da Estrada de Ferro Leopoldina.
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Os governadores, e outros candidatos ao cargo de presidente, confiavam no artigo da Constituição de 1946 que determinava, em caso de vacância do cargo, que o presidente da Câmara dos deputados deveria assumir e convocar novas eleições. A surpresa é geral quando, a 09 de abril, os ministros militares que formavam a “Junta de Salvação Nacional” (Brig. Correia de Melo, da aeronáutica, Alm. Augusto Rademaker, da Marinha e Gen. Arthur da Costa e Silva, do Exército) entregam ao governo Mazzilli o Ato Institucional nº 1 (ao todo, os militares decretaram 17 Atos Institucionais e uma grande quantidade de Atos Complementares).
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1) O que dizia o AI-1? - O AI-1 foi entregue no dia 09 de abril. Em sua introdução, para dar um colorido de democracia, mas deixando clara a intenção dos “homens da Sorbonne”, o Ato dizia que: “Para mostrar que não pretendemos radicalizar o processo revolucionário, decidimos manter a Constituição de 1946, introduzindo, porém, modificações em suas disposições relativas aos poderes dos presidentes da República. Decidimos também, manter o Congresso Nacional sob as reservas feitas, no que concerne às suas prerrogativas, de acordo com o presente Ato Institucional”.
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Em 13 de junho de 1964, o governo Castello Branco criaria o órgão que acabou se tornando um dos seus maiores símbolos: o Serviço Nacional de Informações - SNI. No dia seguinte, é nomeado o general Golbery do Couto e Silva para chefiar o órgão. Os novos passos contra as possíveis resistências à política implantada pelos militares viriam em 1° de julho, com a Lei n° 4.330 que regulamentaria o direito de greve, e em 27 de outubro, com a Lei Suplicy (Suplicy de Lacerda, primeiro ministro da educação do regime militar) que extingue e torna ilegal a UNE e as UBES.
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Em 22 de julho, Castello Branco promulga a Emenda Constitucional nº 9 prorrogando seu próprio mandato até 15 de março de 1967 e marcando eleições para outubro de 1966. Os 13 partidos políticos existentes deixam de existir.
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Para aumentar a influência dos militares sobre o judiciário, aumenta o número de juízes (no STF, de 11 para 16; no TRF, de 9 para 13 e no STM, de 11 para 15) e dá ao Supremo Tribunal Militar competência para julgar civis acusados de crimes contra a segurança nacional ou contra as instituições militares. Castello Branco anuncia o AI-2 com um pronunciamento à Nação, no dia 27 de outubro de 1965, e garantido que “a revolução brasileira, como todo movimento nacional, está submetida a contingências e a circunstâncias diversas”. Tal pronunciamento já deixava antever novas medidas e o primeiro presidente do golpe de 64 ainda teria tempo de editar mais dois Atos Institucionais.
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AI-3: promulgado em 05/02/66, modifica os critérios do Código Eleitoral e reduz o prazo de desincompatibilização de seis para três meses. Determina que as eleições para governadores do Estado passem a ser, também, indiretas (pelas assembleias estaduais) e que os prefeitos das capitais e dos municípios considerados de segurança nacional passem a ser nomeados pelos governadores.
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AI-4: promulgado em 07/12/66, convoca o Congresso, em sessão extraordinária, a partir de 12/12 para conhecer, discutir, emendar, aprovar e promulgar a nova Constituição. Tudo isto deveria ser feito em 44 dias e a Constituição entraria em vigor no dia 24/01/66.
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A “Consolidação Autoritária”. O general Arthur da Costa e Silva, que havia participado da primeira junta militar, mas não era considerado como membro da “intelectualidade” da escola Superior de Guerra, teme ver seu nome esquecido por Castello Branco e, sem consulta aos oficiais da elite, declara-se oficialmente candidato. A iniciativa não é bem recebida, mas acaba sendo digerida por Castello Branco que teme ver a questão se transformar numa divisão dentro das Forças Armadas. Em 1º de fevereiro é fechado o acordo (Costa e Silva se comprometia a manter a estrutura herdada) e o candidato é mandado para uma viagem ao estrangeiro para “justificar aos outros governos as medidas tomadas pelos militares”. Em 26 de maio a ARENA oficializa seu nome como candidato e o MDB não apresenta o seu.
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Nos dias 02 e 03 de setembro de 1968, um deputado da oposição (Marcio Moreira Alves) ocupa a Tribuna da Câmara para pedir que os pais “não permitam que seus filhos assistam ao desfile militar de 07 de setembro” e pode às moças que “deixem de namorar oficiais”. No dia 13 de setembro, os três ministros militares procuram Costa e Silva para lavar a honra ofendida e exigem punições. O quadro se complica ainda mais quando outro deputado de oposição, Hermano Alves, publica artigos, nos jornais, reforçando as acusações do deputado Marcio Moreira Alves.
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O final da tarde do dia 13 de dezembro de 1968 (sexta-feira), marca a história do país para sempre e representa o início da maior perseguição política ocorrida no Brasil. Estava assinado o Ato Institucional nº 5 que, na prática, abolia a Constituição de 67. Com o AI-5, os poderes presidenciais ficam ampliados podendo decretar o recesso do Congresso, das Assembleias Estaduais e das Câmaras Municipais, cria a censura aos meios de comunicação. Elimina a estabilidade no judiciário, suspende o Habeas-Corpus e, além de cassar mandatos e suspender direitos políticos, cerceia os direitos individuais.
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O AI-5, baixado em 13 de dezembro de 1968, foi a expressão mais acabada da ditadura militar brasileira (1964-1985). Vigorou até dezembro de 1978 e produziu um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros. Definiu o momento mais duro do regime, dando poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou como tal considerados.
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Nota: este artigo é parte de um trabalho que escrevi em Volta Redonda intitulado “O golpe militar de 1964 e os trabalhadores”, para um curso na Diocese de lá.
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DIZER NÃO A TODAS AS FORMAS DE DITADURA!
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DIZER SIM A DEMOCRACIA E AOS DIREITOS DO POVO!
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Nas imagens: 01) jornal O Globo noticia o AI-5; 02) Costa e Silva anuncia o AI-5; 03) a repressão durante o AI-5
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