sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

PARA NÃO ESQUECER – 06 DE JANEIRO DE 1835 CABANAGEM

 


PARA NÃO ESQUECER – 06 DE JANEIRO DE 1835
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(Ernesto Germano Parés)
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A revolta conhecida como Cabanagem foi, de todos os movimentos da população no início do Império, o que alcançou maior grau de radicalização. Tanto pelo fato de as propostas das lideranças do movimento serem bastante avançadas para a época como também por terem conseguido tomar o poder na província e mantê-lo por algum tempo, realizando mudanças sociais profundas.
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A província do Grão-Pará vivia um período agitado e mesmo antes da Independência já se tinha notícias de numerosos pequenos levantes. A população vivia em constantes lutas contra a classe dominante fiel a Portugal. O cônego Batista de Campos (“Pau Bento”) era o líder local e comandava o povo na luta pela independência e por direitos sociais.
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Em 1823, no auge das lutas pela Independência, o povo paraense recebeu a notícia de que uma esquadra inglesa, comandada pelo almirante Cochrane, estava se dirigindo àquela província para ajudar nas lutas contra a dominação portuguesa. O povo, eufórico, não esperou que a junta nomeada pelo novo Imperador assumisse a direção do movimento e invadiu o palácio do governador declarando a Independência na província, colocando no poder líderes populares.
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A classe dominante não podia aceitar esse tipo de atitude da população e a repressão foi imediata. Por ordem do Imperador, o comandante do navio Maranhão enviou tropas para prender Batista de Campos. Dezenas de nativos foram fuzilados imediatamente e cerca de 300 dos principais revoltosos foram aprisionados. Foram trancados no porão do navio, com todas as escotilhas fechadas, e sobre eles atiraram cal virgem. Dois dias depois, quando abriram o porão do navio, só havia cadáveres para serem jogados ao mar.
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Ainda assim, feito o massacre, a classe dominante não tinha tranquilidade. Um documento da junta governativa nomeada pelo Imperador dizia:
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“Sentimos não poder afirmar que a tranquilidade está inteiramente restabelecida, porque ainda temos a temer principalmente a gente de cor, pois que muitos negros e mulatos foram vistos no saque de envolta com os soldados, e os infelizes que se mataram a bordo do navio, entre outras vozes sediciosas deram vivas ao rei do Congo, o que faz supor alguma combinação de negros e soldados.”
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O temor da junta governativa se confirmou. A província do Grão-Pará sempre fora intranquila e com vários movimentos organizados na camada mais baixa da população. Tanto na capital como no interior da província, eram comuns as notícias de levantes populares que uniam negros e mulatos a soldados da tropa imperial que estavam descontentes com o soldo e com as ordens vindas do poder imperial e de autoridades locais que os colocavam contra suas próprias famílias.
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Devemos lembrar que a economia local estava baseada nas chamadas “drogas do sertão”, de difícil exploração, e na pesca. Toda a mão de obra era composta por negros escravos, mestiços e alguns indígenas retirados das suas tribos e submetidos à semiescravidão. *
Depois da Abdicação de D. Pedro, as lutas políticas dividiram a classe dominante na região. De um lado estavam os comerciantes de Belém que defendiam uma política centralizada e ainda tinham simpatia pela corte lusitana, do outro lado estavam os senhores de terras que, mesmo em menor número, faziam oposição ao primeiro grupo e eram contra a centralização do poder.
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Sendo numericamente menor, a oposição convocou a população para combater as ideias centralizadoras dos comerciantes de Belém e do Governo imperial. E foi essa massa popular, liderada por Batista de Campos, que deu às lutas um sentido mais amplo e radical. *
Em 1833, o presidente nomeado da província (Bernardo Lobo de Souza) consegue finalmente assumir o governo e passa a perseguir, prendendo e deportando, todos os suspeitos de participação em levantes populares. No mesmo ano morre Batista de Campos e surgem novas lideranças locais. Os irmãos Vinagre (Antônio e Francisco), lavradores, e o seringueiro Eduardo Angelim mantinham o caráter popular das lutas e movimentavam o interior e a capital da província.
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Em 1835, os cabanos (nome dado ao movimento lembrando as residências de imensa parte da população) ocupam a cidade de Belém e tomam o poder. O governo é entregue a um fazendeiro da região – Antônio Malcher – que começa a ficar preocupado com os rumos da revolta e procura aliança com o governo Imperial no Rio de Janeiro. A população não aceita traição e Malcher é deposto e executado.
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O segundo presidente nomeado pelos “cabanos” foi Francisco Vinagre que também não tem coragem de assumir as propostas muito avançadas do movimento e tenta conciliar com o governo do Rio de Janeiro. Vinagre ajuda as tropas enviadas pela regência, em navios comandados por um almirante inglês (Taylor), e procura “pacificar” a província.
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Os cabanos retiram-se para o interior e conseguem mobilizar a população rural. Reforçados, voltam a atacar a capital e assumir o poder.
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Também dessa vez, a vitória foi temporária. Os cabanos, apesar da coragem e determinação em realizar mudanças sociais mais profundas, não tinham um plano elaborado, sistematizado, para quando chegassem ao poder. Não tinham uma teoria nem uma ideia de partido político capazes de tornar possível a implantação de suas ideias revolucionárias. Conseguiam se organizar para tomar o poder, mas, depois, agiam por “espontaneísmos” e deixam se envolver por disputas internas.
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Novas forças militares são enviadas do Rio de Janeiro, em 1836, para combater os cabanos que abandonam a capital e fogem para o interior onde ainda resistem por três anos.
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Ao final da Cabanagem, o mais radical de todos os movimentos do período e o único onde a classe mais explorada conseguiu assumir o poder em toda uma província, ficou um registro que mostra a determinação daquele povo. Calcula-se que de 30 a 40% de uma população estimada de cem mil habitantes morreu. Em 1833, o Grão-Pará tinha 119 877 habitantes; 32 751 eram índios e 29 977, negros escravos. A maioria mestiça (miscigenação de índios, negros e brancos) chegava a 42 mil. A minoria totalizava quinze mil brancos, dos quais mais da metade eram portugueses.
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O historiador Caio Prado Júnior afirma que a cabanagem foi uma das mais importantes revoltas populares da história do Brasil. Isso porque, segundo ele, a população pobre chegou efetivamente ao poder da província.
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Em homenagem ao movimento Cabano, foi erguido um monumento projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, na entrada da cidade de Belém: o Memorial da Cabanagem.
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E ainda há idiotas que dizem que “o povo brasileiro é pacífico e nunca se rebelou”. Mas é por isso que escondem a nossa história. Por isso os livros usados nas escolas escondem esses fatos.
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VIVA O POVO QUE LUTA!
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TODO O NOSSO SENTIMENTO COM OS CABANOS!
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Nas imagens: 01) a região conhecida como “Grão Pará”, na época (para se ter ideia da dimensão da luta); 02) os cabanos enfrentam as tropas imperiais; 03) memorial de Oscar Niemayer
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