“Fomos a uma comunidade ribeirinha, fizemos travessia de barco e na
casa de um senhor diabético de 86 anos ouvimos, depois do exame: ‘04 médicos
aqui, quatro médicos me visitando em casa, meu Deus posso morrer feliz. Nunca
tinha visto um médico!’”, escreve Vera Paoloni, bancária, jornalista e
secretária de comunicação da CUT/Pará, em artigo publicado no portal Brasil
247, 28-13-2013.
Melgaço, no Marajó, Pará, tem o pior IDH – Índice de Desenvolvimento
Humano do país, segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil 2013,
divulgado no final de julho. São 24 mil habitantes, dos quais 12 mil não sabem
ler e nem escrever, apenas 681 pessoas frequentam o ensino médio, saneamento é
zero, saúde é rarefeita e internet só de vez em quando e apenas por celular. O
melhor de Melgaço é o povo, as pessoas, atestam Maribel, Oyainis e Maribel as
três médicas e o médico cubano Orlando que estão morando e trabalhando no
município marajoara desde 21 de setembro, há pouco mais de 03 meses. Eles
integram o programa audacioso e certeiro ‘Mais Médicos’, que leva assistência e
médicos a municípios carentes e vulneráveis. Ponto para o Ministério da Saúde e
para a presidenta Dilma Rousseff.
Se o povo é o melhor de Melgaço, o pior é a água. Ribeirinho, Melgaço
não tem água tratada e nem saneamento básico. Isso gera micoses e contaminações
genitais. Há gravidez muito precoce e um índice alarmante de hipertensão que
atinge muitos jovens, resume o quarteto médico cubano que atende 24 pessoas, no
mínimo, todo dia em Melgaço, de segunda a sexta. Com a consulta média de 30
minutos, salvo situações mais complicadas e que exigem mais tempo. Em todas as
consultas, a medicina preventiva em ação: tratar a água com hipoclorito de
sódio, ferver a água, só pra citar um exemplo.
Pobreza e generosidade – Quase a metade, 48% da população de Melgaço é
pobre, aponta o Mapa da Pobreza do IBGE publicado em 2003. Grande parte da
população do campo tem remuneração de R$ 71,50, fazendo com que as famílias na
zona rural sobrevivam, em média, com R$ 662 por mês – menos que um salário
mínimo. As distâncias são grandes e se leva até 15 dias pra cruzar o espaço de
mais de 06 mil quilômetros. Com toda essa adversidade, o povo de Melgaço é
acolhedor e generoso, garantem as médicas e o médico cubanos.
Rendimentos compartilhados – Afinal, o que vocês ganham de salário fica
com vocês ou vai pra família, indago? “Parte fica conosco, parte vai para
nossas famílias e outra parte vai para o nosso governo, para ajudar o nosso
povo cubano”, me diz Maribel Hernandez. “Mas o que ficamos é suficiente para
nos manter, para lazer. A prefeitura de Melgaço paga nosso alojamento e esse é
muito bom: tem um quarto para cada um de nós, com banheiro, cama, ar
condicionando. Temos mais que suficiente”, fala Maribel Saborit.
Nem açaí e nem farinha – Como a jornada de trabalho em Melgaço é de 40
horas semanais, igual a Cuba, pergunto o que fazem no final de semana pra
driblar a saudade de casa, já que as famílias ficaram em Cuba. “Lavamos e
passamos nossas roupas, limpamos nossos quartos, lemos, entramos na internet
pra passar correio eletrônico, descansamos”. E Orlando informa que em julho vão
de férias a Cuba.
Nove anos de estudo – Nem a imensidão de água da baía do Marajó, o
calor ou as travessias de barco até as comunidades assustam o quarteto médico
cubano. Os quatro trabalharam em missões humanitárias na Venezuela e na
Bolívia. Estudaram os nove anos da formação de medicina cubana: 06 da medicina
geral e mais 03 da medicina integral, algo semelhante à residência médica
brasileira, em que a especialização é feita juntamente com trabalho prático. E
os quatro trabalhavam em Cuba. Maribel Saborit, em Belém. Na capital, fizeram
um treinamento na área de saúde e retornam segunda-feira 23, bem no período de
recesso natalino. De Melgaço a Breves, uma hora de barco e de Breves a Belém,
mais 14 horas. Ao todo 15 horas pra chegar em Belém, atravessando a baía do
Marajó. Maribel Saborit, Oyainis Santos, Orlando Penha e Maribel Hernandez,
médicas e médico cubanos se conheceram não em Cuba, país em que nasceram,
estudaram, se formaram, casaram, tiveram filhos e trabalharam. Foi em solo
brasileiro, em Brasília, que os quatro se encontraram pela primeira vez, em
agosto. Agora trabalham em Melgaço e lá ficarão por 03 anos.
Maribel Saborit tem 21 anos de profissão. Maribel Hernanez, 19 anos.
Oyanis, 08 anos e Orlando, 22 anos. Cuba orientou como critério de participação
no programa ‘Mais Médicos’, o mínimo de uma missão humanitária. Orando esteve
no Paquistão e Venezuela. Oyainis, na Venezuela. Maribel Saborit e Maribel
Hernandez, na Venezuela e Bolívia. Além dos 09 anos de estudo, atuação em uma
missão humanitária por 03 anos.
Um médico em casa? – Embora o quarteto fale num bem compreensível
portunhol, indago se não falarem bem o português fez com que algum paciente
deixasse de entendê-los. “De jeito nenhum diz Oyainis. A gente olha pra eles,
conversa e se entende. Fazemos um amplo interrogatório, anotamos, fazemos
exames físicos completos”. E Maribel Saborit completa: “o povo é muito
acolhedor, generoso e agradecido. Fomos a uma comunidade ribeirinha, fizemos
travessia de barco e na casa de um senhor diabético de 86 anos ouvimos, depois
do exame: 04 médicos aqui, quatro médicos me visitando em casa, meu Deus posso
morrer feliz. Nunca tinha visto um médico”!
Sem essa de ‘Dr, Dra’ – Fico surpresa quando me dizem que se apresentam
aos pacientes como Maribel, Oyainis, Orlando. Assim, sem ‘Dr, Dra’, termos que
aqui no Brasil são acrescidos à profissão de médicos. Maribel Saborit ri e me
diz: “por que ‘Dr, Dra’?” Somos iguais, só tivemos mais chance de estudar, ter
uma graduação. Mas nossa identidade é a mesma de quando nascemos”.
Os quatro me contam que Belém e Melgaço são ‘mais quente que Cuba”, mas
isso não atrapalha. Gostam da comida à base de peixe, frango, carne, arroz,
feijão. Só açaí e farinha não faz parte do cardápio deles. ‘Muito forte o açaí’
diz Maribel Saborit sorridente. Eu afianço a elas e ele que não sabem o que
estão perdendo. E rimos todos.
Internet, problemão – O contato com a família é via e-mail, pois falar
pelo celular é muito caro. Cada um tem um tablet 3G, que faz parte dos
equipamentos do ‘Mais Médicos’. E eles compraram um pacote ‘basicão’ da Vivo,
“mas os créditos somem muito rápido”, se queixam. Como falar por telefone é
caro demais, sobra conversar por e-mail na internet do celular.
Eu digo a elas e ele que quem mora e luta na Amazônia quando vara uma
notícia pro mundo, rompe o cordão sanitário do isolamento em que nos
encontramos. O acesso à internet poderia ser uma forma de ajudar a romper esse
cordão, mas temos o pior acesso de todas as cinco regiões do país e no Marajó,
o pior acesso do Pará. Estamos ilhados, portanto.
Oyanis completa: “a saúde em Cuba precisa da ajuda de todos nós, porque
o país sofre um embargo econômico que é muito doloroso para nossa gente. Então,
a ajuda precisa vir de nós, cubanos e de nossos aliados”.
Faz parte da nossa formação retribuir – A conversa vai chegando ao fim,
pois há várias pessoas chamando o quarteto médico cubano e querendo tirar
fotos, indagar, conversar, rir junto. E eu faço a última inquirição: o que fez
vocês saírem de Cuba e vir pra Melgaço? E Maribel Saborit diz: “olha, faz parte
da nossa formação ajudar países e pessoas mais necessitadas com nosso
conhecimento que foi dado de forma coletiva e gratuita. Só estamos
retribuindo”.
Encerramos a conversa e eu fico matutando que grandeza é essa de Cuba e
do seu povo que tanto tem a nos ensinar! Se eu conheço quantos médicos do meu
país que fariam algo semelhante aqui mesmo. Em janeiro vou a Melgaço numa caravana
formativa da Fetagri/CUT no Marajó. Quero rever meu novo quarteto camarada e
amigo e conversar com o povo atendido pelas médicas e pelo médico cubanos
(V.P).
E só finalizando mesmo: fizemos uma pequena homenagem às 03 médicas
cubanas e ao médico cubano ontem à noite na formatura de encerramento do curso
de Formação de Formadores promovido pela Escola Chico Mendes da Amazônia e da
qual participamos 46 pessoas, de todas as CUTs da Amazônia.
Fonte: www.brasil247.com
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