Adriano Benayon
O ano de 2014 terminou sob o espectro de perspectivas preocupantes no
âmbito nacional e no do poder mundial.
2. Isso recomenda que os povos assumam atitude engajada e
participativa, livre das falsas lideranças que iludem tanta gente, e, assim, se
libertem de um sistema que os despoja e aliena.
3. No País persiste o assédio para que se desnacionalizem as poucas
grandes empresas públicas e privadas sob controle nacional que ainda lhe
restam.
4. Historicamente, os agentes das campanhas nesse sentido valeram-se
sempre, como ocorre atualmente, da retórica moralista para atingir seu real
objetivo.
5. Vivemos sob um sistema político em que os aspirantes aos cargos
eletivos dependem de exposição na TV – um espaço fechado aos não comprometidos
com os reais donos e beneficiários desse sistema. Dependem também de dinheiro
grosso para as campanhas eleitorais, num país em que a economia é
concentradíssima e desnacionalizada.
6. Nessas condições, ainda que o Executivo estivesse nas mãos de
titular solidamente apoiado pela maioria da sociedade, ele não teria como
colocar os interesses dela acima dos grupos que concentram o poder real.
7. Estes elegem a grande maioria do Congresso e, sustentando-se na
grande mídia, exercem ascendência ideológica sobre o Judiciário, o Ministério
Público, a Polícia, os quadros técnicos e administrativos da Fazenda, Banco
Central etc.
8. Além disso, a autonomia dada pela Constituição a esses órgãos e a
instituição das agências independentes permitem ações e iniciativas
descoordenadas, em que preferências pessoais substituem políticas coerentes
orientadas pelo interesse público.
9. Ademais, cargos na Administração, nas agências do Estado e nas
grandes empresas e bancos estatais são usados pelos chefes do Executivo,
inclusive os do PT - pois lhes falta maioria no Congresso, onde prevalece o
toma-lá-dá-cá - como moeda de barganha com partidos políticos, em nome da
“governabilidade”.
10. Isso não significa que a corrupção tenha aumentado em relação a Collor
e FHC, mais claramente engajados com a oligarquia financeira mundial - e cujas
eleições foram por ela patrocinadas.
11. Os casos de corrupção nos entes públicos e nas estatais servem como
instrumentos de chantagem operados por revistas de opinião - tradicionalmente
amparadas por serviços secretos estrangeiros – e como munição para alvejar as
estatais e fazer que a União as entregue a troco de nada.
12. De qualquer forma, os petistas no Executivo são, de há muito,
acuados para cederem mais espaço aos quadros da confiança da oligarquia, e,
quanto mais fazem concessões, mais ficam vulneráveis, e mais são alvo de
ataques desestabilizadores.
13. Desde antes da eleição presidencial, o epicentro da crise tem sido
os escândalos nas encomendas da Petrobras, com ou sem licitações.
14. A presidente ficou na defensiva, pois a Administração não se
antecipou nas investigações à Polícia Federal e ao Ministério Público.
Enfraqueceu-se, assim, em face das pressões que têm por obter mais concessões
em favor das grandes transnacionais do petróleo: mais leilões e abertura ao
óleo do pré-sal, mais ampla e favorecida que a que já lhes tem sido
proporcionada pela ANP.
15. No mesmo impulso de tornar a Petrobras um botim da onda
privatizante, as transnacionais aproveitam para colocar em cheque as
empreiteiras, conglomerados de capital nacional, atuantes em numerosas
indústrias e serviços tecnológicos.
15. Seja sob o atual governo, manipulado para ceder mais, seja sob
políticos mais intimamente vinculados ao império angloamericano, como os do
PSDB, trama-se a culminação do processo de desnacionalização da economia e de
destruição completa da soberania nacional.
16. Na economia, a desnacionalização e demais defeitos estruturais
geraram mais uma crise, tendo - mesmo com baixo crescimento do PIB - o déficit
de transações correntes com o exterior aumentado em mais de 12% em 2014, após
crescer de US$ 28,2 bilhões em 2008 para U$ 81 bilhões em 2013.
17. Enquanto a sociedade não forma um movimento para construir modelo
econômico e social viável, é importante entender que só isso a poderá salvar.
Golpe parlamentar, judicial, ou do tipo que for, para trocar de presidente e de
partido no governo, apenas agravaria a situação.
18. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy - não nestes termos -
declarou-se favorável a medidas macroeconômicas ao gosto do “mercado
financeiro”, i.e., dos grandes bancos mundiais e locais. É, pois, desse modo
que a presidente espera enfrentar mais uma crise recorrente causada pelas
estruturas políticas e econômicas do modelo dependente.
19. Essas estruturas são: a primarização e perda de qualidade relativa
do que sobrou da indústria; a concentração; a desnacionalização da economia.
Elas implicam que o Brasil está mal posicionado diante das dificuldades, sem
falar no desastre estrutural derivado, que é a dívida pública.
20. Essa já cresceu demais, devido aos juros compostos a taxas
absurdas, e crescerá mais, mesmo com a volta do superávit primário para pagar
juros, uma vez que os feiticeiros incumbidos de sanar a crise não pretendem
baixar as taxas. Muito pelo contrário...
21. Completando o conjunto de fatores - incuráveis sem mudança de
sistema político e econômico - estão aí as infraestruturas deterioradas, desde
há decênios, como as da energia e dos transportes.
22. Vejamos algumas das ideias de Levy externadas em entrevista ao
“Valor”, na qual defendeu o consenso dos banqueiros e economistas “liberais”,
em versão moderada, i.e., sem o radicalismo das propostas dos candidatos que se
opuseram à presidente.
23. Levy não tem como escapar às contradições e aos impasses a que
conduzem seus planos. Ele pretende, por exemplo, aumentar a abertura no
comércio exterior.
24. No quadro de retração econômica em quase todo o Mundo, não é
provável obter concessões significativas em troca de maior abertura do Brasil
às importações. Ademais, o objetivo de conter a inflação dos preços importando
mais bens e serviços, sem conseguir exportar mais, implica fazer crescer o
crítico déficit nas transações correntes.
25. Levy fala também de corrigir preços relativos. Mas o que quer dizer
com isso? Se os subsídios que deseja suprimir são os do crédito dos bancos
públicos, as empresas mais prejudicadas serão as de capital nacional, já que as
transnacionais dispõem de crédito baratíssimo no exterior.
26. Certamente, Levy não visa cortar os privilégios fiscais do sistema
financeiro, nem os dos carteis industriais transnacionais, como as montadoras,
nem intervir em seus mercados através do fomento a concorrentes independentes.
E, sem isso, os preços relativos que mais se precisa corrigir não serão
alterados.
27. Ou o preço que, na visão dos macroeconomistas oficiais, estaria
precisando ser reduzido seriam os salários?
28. O comandante da economia propugna, em especial, por acabar com a
dualidade das taxas de juros, aproximando as taxas dos bancos públicos e as dos
bancos privados.
29. O liberalismo é, sobretudo, um rótulo, pois os concentradores usam
a palavra mágica “mercado” como álibi para ocultar a identidade de quem
exatamente manipula o mercado.
30. Então os que se filiam aos interesses dos carteis, proclamam que
não cabe ao governo intervir no mercado, que deve ser competitivo, i.e.,
governado pela concorrência, embora ele o faça para elevar, por exemplo, as
taxas de juros.
31. Não se informa que os preços nos mercados cartelizados não são
dirigidos pela concorrência, mas, sim, pelo consenso dos concentradores. Os
bancos são favorecidos pela Constituição, cujo artigo 164 veda ao Banco Central
financiar o Tesouro, e este é proibido de emitir moeda. Além disso, só um
número limitado de bancos é autorizado a comprar e vender títulos do Tesouro.
32. Está claro, portanto, que a equalização das taxas recomendada por
Levy só pode ser feita determinando aos bancos públicos elevar suas taxas.
33. Passando ao contexto mundial, no império angloamericano, satélites
europeus e outros, têm prevalecido a degeneração estrutural: financeirização e
retração da economia real.
34. O centro do poder mundial fez meia pausa na escalada de intervenções
armadas, planejadas desde 2001, visando, pelo menos, até ao Irã, depois de ter
arrasado, entre outros, Líbia e Iraque, e se ter apossado de suas imensas
reservas de petróleo e de seu ouro.
35. Isso decorreu de ter sido a ocupação da Síria contida pela Rússia,
que se tornou o alvo primordial da agressão econômica e do cerco militar
imperiais, intensificado com o golpe de Estado na Ucrânia e a ocupação do
governo desta por prepostos dos EUA.
36. China, principalmente, e Índia são as maiores exceções ao panorama
de retração econômica, no momento em que a Rússia busca sobreviver à pressão
imperial intensificando suas relações com seus parceiros asiáticos.
37. Há que seguir de perto a evolução do jogo de poder mundial, cujo
equilíbrio constitui condição fundamental, embora não suficiente, para que o
Brasil construa estruturas essenciais a seu progresso.
* Adriano Benayon é doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e
autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
www.patrialatina.com.br
11.01.2015
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