Em
mais uma atividade do Fórum21, Roberto Amaral* destacou que a sociedade
brasileira está sendo preparada diariamente para a interrupção do
governo Dilma.
Guilherme Santos
O
Brasil está assistindo ao crescimento de uma onda conservadora e
autoritária, de cunho fascista, que pode lançar o país em um grave
retrocesso político, econômico e social nos próximos anos. Toda vez que o
país se deixou dominar pelo pensamento de direita, acabou sendo tomado
pelos valores do autoritarismo, que vem das raízes escravocratas das
nossas chamadas elites, preguiçosas, incultas e profundamente
perversas.
A advertência é do cientista político, escritor e um
dos fundadores do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Roberto Amaral,
que esteve em Porto Alegre na última sexta-feira (24) para lançar e
debater seu mais recente livro, “A SERPENTE SEM CASCA. DA CRISE À FRENTE
POPULAR” (Altadena Editorial). O lançamento ocorreu no auditório do
Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e região, reunindo lideranças
políticas e sindicais, jornalistas, estudantes e professores
universitários.
O fio condutor do livro de Roberto Amaral tem a
forma de um alerta. A escolha do ovo da serpente como metáfora para
falar da atualidade brasileira, enfatizou, é pela possibilidade de
enxergamos a gestação de um embrião fascista no Brasil. “O fascismo não
começa pela sua exasperação, ele começa lento, com ofensas verbais, e
depois evolui para agressões físicas e coletivas. Esse conservadorismo é
tão mais perigoso na medida em que ele está presente em todos os meios
de comunicação e é destilado dia e noite junto à população”.
Para
Amaral, a sociedade brasileira está sendo preparada diariamente para a
interrupção do governo Dilma. “Já estamos vivendo uma série de golpes.
Essa eleição vai se resolver em cinco ou seis turnos”. Neste contexto,
ele defende a necessidade de formar uma frente popular, de caráter amplo
e democrático, capaz de erguer uma barragem ao avanço do pensamento de
direita no país.
Autor da apresentação do livro, o ex-governador
do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, destacou a existência hoje no Brasil
de um conjunto de movimentos frentistas que partem de uma mesma
constatação: a forma pela qual se estabeleceram as coalizões políticas
no país nos últimos anos está esgotada, o que exige pensar uma nova
forma de organização, mais programática e que tenha uma estrutura
frentista clara. Na mesma linha, Raul Carrion, da direção estadual do
Partido Comunista do Brasil (PCdoB), assinalou que o momento é para
avançar na direção da construção de uma frente popular e democrática
ampla no Brasil, em torno de objetivos programáticos e não meramente
eleitorais.
A coisa mais importante dessa frente, disse a
cientista política Céli Pinto, professora da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), é que ela precisa dar conteúdo à palavra
“esquerda”. “Não podemos mais ficar dizendo que somos de esquerda porque
estamos à esquerda da direita. Precisamos retomar algum conteúdo
importante. Nós perdemos a nossa condição de esquerda e precisamos
reconstruir isso”.
Ao final do encontro no Sindicato dos
Bancários, Céli Pinto leu um manifesto em defesa da construção de uma
frente dessa natureza e colocou-o aberto para receber assinaturas de
apoio.
Roberto Amaral conversou com o Sul21 sobre o seu novo
livro e sobre o atual momento político do país. A seguir, um resumo
dessa conversa e de alguns dos principais pontos apresentados pelo autor
durante sua fala no SindBancários:
O ovo da serpente e o embrião fascista
“O
ovo da serpente tem uma característica especial: ele não tem casca, mas
sim uma película muito fina e transparente que permita que se veja o
embrião se desenvolvendo. O que quero dizer com essa metáfora é que nós
estamos vendo o desenvolvimento de um embrião fascista no Brasil. Está
em nossas mãos a decisão. Podemos deixar esse embrião crescer, sair
desse ovo e amanhã picar o nosso calcanhar, ou podemos esmagá-lo agora. O
ovo da serpente permite que vejamos à frente. Estou tentando chamar a
atenção, não só da esquerda, mas das forças progressistas e democráticas
em geral, para a ameaça de um grave retrocesso político e ideológico no
país. Esse retrocesso não se mede apenas pela crise dos partidos, em
particular pela crise dos partidos de esquerda e, de modo mais
particular ainda, pela crise do PT. Tampouco se mede apenas pela crise
do governo Dilma. Ele se mede, fundamentalmente, pela ascensão de uma
opinião, que já está se tornando orgânica, de retrocesso conservador.”
“Já
há um baluarte institucional perigosíssimo desse processo, que é a
Câmara dos Deputados. Eduardo Cunha não foi colocado ali pelo acaso, ele
representa um núcleo pensante conservador brasileiro. Esse núcleo, na
Câmara, está representado pela chamada bancada BBB, ou seja, os grupos
do boi, do agronegócio atrasado, da bala e da Bíblia, que reúne os
evangélicos primitivos e midiáticos. Isso tudo se juntou”.
Esquerda não levou a sério o tema da comunicação
“Mas
é preciso dizer que a grande responsabilidade por isso é da esquerda e
dos nossos governos de centro-esquerda. Há mais de 40 anos, eu e outras
pessoas – aqui no Rio Grande do Sul havia uma pessoa que lutava muito
por isso, o Daniel Herz – viemos alertando sobre o poder dos meios de
comunicação de massa no Brasil, sobre o monopólio da informação e a
cartelização das empresas. A esquerda nunca acreditou nisso.”
“A
primeira eleição do Lula serviu para mascarar esse problema. Nós metemos
na cabeça que essa gente não formava mais opinião. Nos descuidamos e
ficamos assistindo à construção de um monopólio ideológico, destilando
conservadorismo de manhã, de tarde e de noite. Aqui, não estou me
referindo apenas à Rede Globo, ao Globo, Estadão e Folha de São Paulo.
Pior do que isso talvez sejam as rádios evangélicas, as rádios AM e FM,
despejando diariamente xenofobia, racismo, machismo, homofobia e tudo o
que é atrasado. Paralelamente a isso, nós não construímos uma imprensa
nossa. E nem estou falando de uma imprensa nossa para falar com a
sociedade. Não construímos uma imprensa nossa sequer para falar conosco
mesmo. Os militantes do movimento sindical e dos partidos se informam
das teses de suas lideranças pela grande imprensa. Nem criamos uma
imprensa de massa, nem criamos uma imprensa própria.”
“Nos anos
1950 e 1960, nós tínhamos O Semanário, que circulava no Brasil inteiro
defendendo as teses do Petróleo é Nosso e da Petrobras, tínhamos Novos
Rumos, do Partido Comunista, a imprensa sindical e circulava também a
Última Hora. Havia, então, um esforço para garantir um mínimo de debate.
Isso tudo desapareceu e nada foi colocado no seu lugar. Com a chegada
de Lula ao governo, os principais quadros do PT foram transferidos da
burocracia partidária para a burocracia estatal e o partido acabou se
esfacelando. Os principais quadros do movimento sindical também foram
transferidos para os gabinetes da Esplanada”.
“A grande
dificuldade que temos hoje para promover a defesa do governo Dilma é que
perdemos o diálogo com a massa. Eu conversava dias atrás com uma
ex-presidente da UNE e ela me dizia: ‘Professor, como é que eu posso
entrar em sala e chamar os estudantes para uma passeata quando o governo
está reduzindo as verbas para as bolsas de estudo’. Há um paradoxo
entre a nossa política e a nossa base social. A Dilma não foi eleita
pela base com a qual está governando. Ela atende os interesses dessa
base com a qual está governando e não tem o apoio dela. Por outro lado,
ela contraria os interesses da base progressista, a qual nós temos
dificuldade de mobilizar para defendê-la. Esse paradoxo precisa ser
enfrentado.”
“Não devemos nos iludir com os compromissos democráticos da direita”
“Ninguém
deve se iludir com os compromissos democráticos e legalistas da direita
brasileira. É uma direita que sempre apelou para o golpe e para o
desvio democrático. Está aí a história dos anos 1950 e 1960 repleta de
exemplos disso. Ela não tem compromisso com a democracia. Seu único
compromisso é com seus interesses de classe. E, lamentavelmente, parece
que a burguesia no Brasil tem mais consciência de classe do que muitos
setores proletários.”
“Há um segundo paradoxo, que é difícil
explicar a não ser que você use aparelhos ideológicos. Nós já sofremos,
de fato, dois golpes nos últimos meses. A direita perdeu as eleições,
mas ganhou a política. Esta política econômica que está sendo aplicada é
a política da direita. O segundo golpe foi a implantação de uma nova
forma de parlamentarismo, que vive de subtrair poderes do Executivo. E
há ainda um terceiro golpe em curso que consiste em refazer a
Constituição sem ter poder originário para tanto, retirando da Carta de
1988 conquistas que levamos décadas para aprovar e consolidar”.
Sobre a construção de uma frente ampla, popular e democrática
“Diante
deste cenário, precisamos articular a formação de uma frente ampla, de
uma frente popular que reúna os setores progressistas e democráticos do
país. Eu não estou falando de uma frente de esquerda, pois com isso
estaríamos nos encerrando em um casulo, voltando a ser ostra. Precisamos
retomar um discurso para a classe média, que perdemos em função dos
desvios éticos do PT. Nós não estamos pagando o preço de erros de
governo, mas sim dos desvios éticos. Precisamos retomar um discurso que
fale para os trabalhadores, para os setores médios, para as forças
progressistas, que não são necessariamente de esquerda, falar com a
empresa nacional que, neste momento, está sendo destruída neste País. Há
uma tentativa de acabar com as principais empresas brasileiras,
detentoras de know how, não por uma questão moral, mas para colocar no
lugar delas empresas espanholas, chinesas e americanas.”
“Não
estou pensando a constituição desta frente com objetivos imediatos e de
caráter eleitoral, mas sim na perspectiva da reconstituição das forças
progressistas. O ponto de partida para essas forças é construir uma
barragem para conter o avanço do pensamento e da ação da direita. Para
isso, precisamos voltar às ruas e voltar a debater com a população. Na
minha opinião, o modelo no qual devemos nos inspirar não é o da Frente
Ampla uruguaia. Esta tem algo que nós temos, partidos. É uma frente de
partidos. Nós temos que construir uma frente de movimentos, da
sociedade, preparada para receber os partidos e oferecer a eles um novo
discurso, uma nova alternativa. Mas não trabalho com a ideia de um
modelo pronto e acabado. O que vai decidir isso, como sempre, é o
processo histórico”.
A ameaça do impeachment
“Irrita-me o
fato de nossas forças estarem acuadas por fantasmas. O nosso governo
está acuado, enquanto ele tem o que dizer. Em face disso, como não há
espaço vazio, a direita vem avançando e preparando ideologicamente a
ideia do impeachment. Precisamos por isso a nu e exigir que a direita
assuma publicamente se é golpista ou não. O senhor Fernando Henrique
Cardoso tem que ser chamado às favas. O PSB e o PMDB têm que ser
questionados a assumir se são golpistas ou não. Creio que a melhor forma
de enfrentar a ameaça do impeachment, seja ela pequena ou grande, é
dizer que ela existe. Dizer que ela não existe é perigoso. E o objetivo
principal nem é mais a Dilma, é o Lula. Querem liquidar o Lula e o PT.
Não se iludam. Se isso acontecer, não atingirá só o PT, mas toda a
esquerda brasileira. Temos responsabilidades distintas pelo que está
acontecendo, mas estamos todos no mesmo barco”.
* Roberto Amaral é escritor, cientista politico, ex-ministro de Ciência e Tecnologia no governo Lula e fundador do PSB.
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