quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Corrupção não é um bebê, como disse o príncipe da privataria tucana.

Trecho da entrevista com Adelto Gonçalves, publicada em Direto da Redação:


Pergunta – Era um sistema pelo qual ninguém passava imune, inclusive aqueles aos quais cabia a tarefa de reprimir os “descaminhos”?
Adelto Gonçalves – Exatamente. Não raro, a corrupção partia daqueles que estavam encarregados de fiscalizar os “descaminhos”, que aceitavam suborno para fazer vistas grossas diante de irregularidades. Ou se valiam de seus altos cargos para favorecer a corrupção. Essa prática é tão antiga quanto o Brasil. A própria debilidade do Estado permitia que somente pessoas das classes mais baixas fossem perseguidas pela prática de atos ilegais. Se não tinham dinheiro para contratar rábulas ou para pagar as penas pecuniárias, mofavam anos na prisão. As penas variavam de acordo com a qualidade da vítima e dos réus. Até porque não havia o pressuposto de que todos os homens seriam iguais. Nobres, clérigos, grandes comerciantes e governantes, se não estavam explicitamente acima das leis, dificilmente, seriam passíveis de punição. Aliás, a corrupção vinha de cima, pois foram raros os capitães-generais que voltaram a Portugal com as mãos limpas e vazias. Se o (mau) exemplo vinha de cima, deixar de recolher tributos seria permitido se a pessoa envolvida tivesse certo status, ou seja, uma folha de serviços prestados à Coroa ou mesmo ascendentes de prestígio. O próprio ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos, d. Rodrigo de Sousa Coutinho, ao final do século XVIII,  reconheceu que a magistratura na América portuguesa seria, além de numerosa, extremamente venal e dependente não só dos governadores como de comerciantes e arrematantes de contratos. Essa mentalidade ficou arraigada no processo de apropriação de terras na América portuguesa e persiste até hoje: os posseiros ricos foram identificados como desbravadores e tomados como cúmplices do enriquecimento das capitanias e, depois, províncias, o que seria resultado de sua proximidade com o Estado e da sustentação que davam ao governo em troca de favores camuflados ou não. Já os lavradores que ousassem tomar um palmo de terra eram apontados como “invasores” ou “intrusos”. Como mostram os documentos, os juízes quase sempre usaram o Direito para interpretar cartas de doação, revogação de sesmarias, sucessões e desmembramentos de terras de acordo com os interesses dos poderosos locais. 
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Autor das biografias dos poetas Gonzaga e Bocage, o pesquisador AdeltoGonçalves desvenda a estrutura judiciária na capitania de São Paulo (1709-1822) em livro que ajuda a entender as relações entre Estado e Justiça e o movimento político que o País vive hoje
Adelto Gonçalves, 63 anos, é jornalista desde 1972, com passagens pelos jornais A Tribuna, de Santos,O Estado de S. Paulo e Folha da Tarde e pela Editora Abril. É doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa e mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana pela Universidade de São Paulo (usp). Seu trabalho de doutoradoGonzaga, um poeta do Iluminismo, sobre Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), foi publicado em 1999 pela Editora Nova Fronteira, do Rio de Janeiro.
 
 
Direito e Justiça em Terras d´El Rei na São Paulo Colonial, de Adelto Gonçalves. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 364 págs., R$ 55,00, 2015.

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