segunda-feira, 7 de março de 2016

AÇÃO DA PF CONTRA LULA CONTRARIA ATÉ DESPACHO DE MORO

AÇÃO DA PF CONTRA LULA CONTRARIA ATÉ DESPACHO DE MORO
Ao conduzir coercitivamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para prestar depoimento sem tê-lo intimado antes, a Polícia Federal violou o Código de Processo Penal e contrariou até o que diz o próprio mandado no qual o juiz federal Sergio Fernando Moro autorizou a ação.
Hugo Harada
O artigo 218 do CPP estabelece que o juiz só poderá requisitar a apresentação forçada da testemunha caso ela, tendo sido regularmente intimada, deixe de comparecer sem motivo justificado. No despacho desta segunda-feira (29) no qual autorizou a medida contra Lula, Moro ressaltou, em letras maiúsculas, que o “mandado SÓ DEVE SER UTILIZADO E CUMPRIDO, caso o ex-presidente, convidado a acompanhar a autoridade policial para depoimento, recuse-se a fazê-lo”.
O petista e seu advogado Cristiano Zanin Martins, no entanto, afirmam que não houve convite antes de a polícia bater à porta da casa do ex-presidente, na manhã desta sexta-feira (4). Eles garantem que os policiais deram início imediato à condução coercitiva. Lula disse que “jamais se recusaria a prestar depoimento” e que, se Sergio Moro e o Ministério Público quisessem ouvi-lo, bastava tê-lo enviado um ofício, sem necessidade de levá-lo forçadamente.
O advogado dele também criticou a ação dos policiais e apontou que ela desrespeitou a lei ao não intimá-lo previamente. “Existem regras claras e estabelecidas na legislação para aplicação da condução coercitiva e nada disso se verifica no caso concreto”, disse. Para o criminalista, “houve violação da própria legislação ordinária” em todo o procedimento, além de terem sido feridos os princípios da dignidade da pessoa humana e do devido processo legal.
O argumento de Lula e Zanin Martins é respaldado por diversos especialistas. O ex-presidente da seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil Antonio Cláudio Mariz de Oliveira e o especialista em Direito Penal Fernando Fernandes avaliam que o ex-presidente não descumpriu uma intimação de forma injustificada e, por isso, não poderia ser levado à força para depor.
Na visão do criminalista Daniel Bialski, sócio do Bialski Advogados Associados, a condução coercitiva é uma exceção. “E não se pode usar a exceção sem justa causa, o que me parece não ter ocorrido.”
Já Filipe Fialdini, da FialdiniEinsfeld Advogados, vai além e chama a medida contra Lula de “sequestro”. “O sequestro do ex-presidente foi um ato ilegal, desprovido de embasamento legal. A lei é clara: ninguém pode ser constrangido a fazer qualquer coisa, senão em virtude de lei. E não há lei que autorize o sequestro de suspeitos”, alegou.
Embora afirme que, em tese, um investigado só pode se levado de forma forçada se descumprir intimação, a advogada Sylvia Urquiza, do escritório Urquiza, Pimentel e Fonti Advogados, destaca que esse tipo de ação vem sendo usado com frequência por magistrados – inclusive por Moro.
“O entendimento atual da Justiça é de que ela pode ser decretada por ordem judicial como medida alternativa à prisão preventiva. Os garantistas do Direito Penal, no entanto, entendem que esse tipo de condução seria uma suposta prisão ilegítima (‘prisão para averiguação’). Mas a condução vem sendo determinada pelo juiz Sergio Moro desde fevereiro de 2014 e nenhuma das cortes superiores se opôs. Pelo contrário”, lembrou.
Esse entendimento, no entanto, não encontra respaldo na mais alta corte do país. O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, declarou à Folha de S. Paulo não ter entendido a atitude tomada pela polícia. “Só se conduz coercitivamente, ou, como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão de resiste e não comparece para depor. E o Lula não foi intimado.”
Procurada pela revista Consultor Jurídico, a PF não havia se manifestado até o fechamento desta reportagem.
“Sem espetacularização”
A condução coercitiva de Lula não foi o único ato da PF que descumpriu ordem de Sergio Moro. Na decisão em que autorizou a medida caso o petista negasse o convite para depor, o juiz também deixou claro que a PF não deveria tornar a ação um espetáculo.
DESPACHO DO JUIZ SÉRGIO MORO
“Consigne-se no mandado que NÃO deve ser utilizada algema e NÃO deve, em hipótese alguma, ser filmado ou, tanto quanto possível, permitida a filmagem do deslocamento do ex-presidente para a colheita do depoimento”, ordenou Moro no despacho.
PETIÇÃO Nº 5007401-06.2016.4.04.7000/PR
REQUERENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
REQUERIDO: MARISA LETICIA LULA DA SILVA
REQUERIDO: LUIZ INACIO LULA DA SILVA
DESPACHO/DECISÃO
Autorizei buscas e apreensões pela decisão de 24/02 (evento 4) no processo 5006617-
29.2016.4.04.7000 a pedido do MPF.
As buscas estão associadas ao ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.
Pleiteia o MPF em separado a condução coercitiva do ex-Presidente e de sua esposa paraprestarem depoimento à Polícia Federal na data das buscas.
Argumenta que a medida é necessária pois, em depoimentos anteriormente designados parasua oitiva, teria havido tumulto provocado por militantes políticos, como o ocorrido no dia17/02/2016, no Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo. No confronto entre políciae manifestantes contrários ou favoráreis ao ex-Presidente, "pessoas ficaram feridas".
Receia que tumultos equivalentes se repitam, com o que a oitiva deles, na mesma data dasbuscas e apreensões, reduziriam, pela surpresa, as chances de ocorrência de eventosequivalentes.
Decido.
A condução coercitiva para tomada de depoimento é medida de cunho investigatório.Medida da espécie não implica cerceamento real da liberdade de locomoção, visto quedirigida apenas a tomada de depoimento.
Mesmo ainda com a condução coercitiva, mantém-se o direito ao silêncio dos investigados.Medida da espécie ainda encontra apoio na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,como destacado pelo MPF:
"HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CONDUÇÃO DOINVESTIGADO À AUTORIDADE POLICIAL PARA ESCLARECIMENTOS.POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 144, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL EDO ART. 6º DO CPP. DESNECESSIDADE DE MANDADO DE PRISÃO OU DE ESTADODE FLAGRÂNCIA. DESNECESSIDADE DE INVOCAÇÃO DA TEORIA OU DOUTRINADOS PODERES IMPLÍCITOS. PRISÃO CAUTELAR DECRETADA POR DECISÃOJUDICIAL, APÓS A CONFISSÃO INFORMAL E O INTERROGATÓRIO DO INDICIADO.
LEGITIMIDADE. OBSERVÂNCIA DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DA RESERVADE JURISDIÇÃO. USO DE ALGEMAS DEVIDAMENTE JUSTIFICADO. CONDENAÇÃOBASEADA EM PROVAS IDÔNEAS E SUFICIENTES. NULIDADE PROCESSUAIS NÃOVERIFICADAS. LEGITIMIDADE DOS FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA.
GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL.
ORDEM DENEGADA.
I – A própria Constituição Federal assegura, em seu art. 144, § 4º, às polícias civis,dirigidas por delegados de polícia de carreira, as funções de polícia judiciária e aapuração de infrações penais.
II – O art. 6º do Código de Processo Penal, por sua vez, estabelece as providências quedevem ser tomadas pela autoridade policial quando tiver conhecimento da ocorrência deum delito, todas dispostas nos incisos II a VI.
III – Legitimidade dos agentes policiais, sob o comando da autoridade policial competente(art. 4º do CPP), para tomar todas as providências necessárias à elucidação de um delito,incluindo-se aí a condução de pessoas para prestar esclarecimentos, resguardadas asgarantias legais e constitucionais dos conduzidos.
IV – Desnecessidade de invocação da chamada teoria ou doutrina dos poderes implícitos,construída pela Suprema Corte norte-americana e incorporada ao nosso ordenamentojurídico, uma vez que há previsão expressa, na Constituição e no Código de ProcessoPenal, que dá poderes à polícia civil para investigar a prática de eventuais infraçõespenais, bem como para exercer as funções de polícia judiciária.(...)"(HC 107644, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma do STF - por maioria, j.06/09/2011, DJe-200, de 18/10/2011).
Embora o ex-Presidente mereça todo o respeito, em virtude da dignidade do cargo queocupou (sem prejuízo do respeito devido a qualquer pessoa), isso não significa que estáimune à investigação, já que presentes justificativas para tanto, conforme exposto pelo MPFe conforme longamente fundamentado na decisão de 24/02/2016 (evento 4) no processo5006617-29.2016.4.04.7000.
Por outro lado, nesse caso, apontado motivo circunstancial relevante para justificar adiligência, qual seja evitar possíveis tumultos como o havido recentemente perante o FórumCriminal de Barra Funda, em São Paulo, quando houve confronto entre manifestantespolíticos favoráveis e desfavoráreis ao ex-Presidente e que reclamou a intervenção daPolícia Militar.
Colhendo o depoimento mediante condução coercitiva, são menores as probabilidades deque algo semelhante ocorra, já que essas manifestações não aparentam ser totalmenteespontâneas.Com a medida, sem embargo do direito de manifestação política, previnem-se incidentesque podem envolver lesão a inocentes.
Por outro lado, cumpre esclarecer que a tomada do depoimento, mesmo sob conduçãocoercitiva, não envolve qualquer juízo de antecipação de responsabilidade criminal, nemtem por objetivo cercear direitos do ex-Presidente ou colocá-lo em situação vexatória.
Prestar depoimento em investigação policial é algo a que qualquer pessoa, comoinvestigado ou testemunha, está sujeita e serve unicamente para esclarecer fatos oupropiciar oportunidade para esclarecimento de fatos.
Com essas observações, usualmente desnecessárias, mas aqui relevantes, defiroparcialmente o requerido pelo MPF para a expedição de mandado de condução coercitivapara colheita do depoimento do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Evidentemente, a utilização do mandado só será necessária caso o ex-Presidenteconvidado a acompanhar a autoridade policial para prestar depoimento na data das buscas eapreensões, não aceite o convite.
Expeça-se quanto a ele mandado de condução coercitiva, consignando o número destefeito, a qualificação e o respectivo endereço extraído da representação.
Consigne-se no mandado que NÃO deve ser utilizada algema e NÃO deve, em hipótesealguma, ser filmado ou, tanto quanto possível, permitida a filmagem do deslocamento doex-Presidente para a colheita do depoimento.
Na colheita do depoimento, deve ser, desnecessário dizer, garantido o direito ao silêncio e a
presença do respectivo defensor.
O mandado SÓ DEVE SER UTILIZADO E CUMPRIDO, caso o ex-Presidente, convidadoa acompanhar a autoridade policial para depoimento, recuse-se a fazê-lo.
Em relação ao pedido de condução coercitiva de Marisa Letícia Lula da Silva, indefiro. Emrelação a ela, viável o posterior agendamento do depoimento com a autoridade policial, semque isto implique maior risco à ordem pública ou a terceiros.
Ciência ao MPF e à autoridade policial.
Curitiba, 29 de fevereiro de 2016.
Documento eletrônico assinado por SÉRGIO FERNANDO MORO, Juiz Federal

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