O day after do Brasil será na
rua
Saul Leblon
Seja qual for o placar da Câmara no
domingo, 17, o dayafter da votação não inaugurará uma nova hegemonia
com força e consentimento para repactuar as linhas mestras da sociedade e do desenvolvimento
brasileiros.
Ao contrário.
Provavelmente apertado, o resultado
reafirmará a natureza do impasse histórico em que se encontra o país.
Assiste-se a uma ofensiva sem volta de
uma parte da elite brasileira –com seus elos internacionais- para derrubar o
governo da Presidenta Dilma Rousseff e promover uma restauração neoliberal na
oitava maior economia do planeta e principal referência da luta pelo
desenvolvimento no mundo ocidental.
Se perder a sua aposta parlamentar, o golpe
não desistirá.
Acionará outras modalidades com o mesmo
objetivo, por uma razão bastante forte.
O conservadorismo simplesmente não
dispõe de uma opção eleitoral capaz de derrotar o PT nas urnas e implantar o
lacto purga de ‘livre mercado’ que preconiza para substituir o ciclo de expansão
vivido desde 2004.
Nem mesmo o fuzilamento diuturno de
Dilma, Lula e do PT desde a vitória presidencial de 2014 conseguiu atenuar essa
limitação conservadora.
São robustas as chances de um novo revés
em 2018.
Foi isso que o Datafolha alertou neste domingo
–talvez com a deliberada intenção de acelerar o pacto golpista, mas escondido
do leitor no pé da pág. 8.
Ali se acoberta uma singela notícia para
um momento como o atual.
Lula lidera a corrida para 2018 em três
de quatro cenários testados e empata com Marina num quarto.
Mais que isso.
Sob perseguição explícita do aparato
judicial e midiático, refém de manipulações grosseiras e vazamentos seletivos,
seu índice cativo de melhor presidente da história saltou para 40% em 20 dias
(era 35% na pesquisa anterior, de março).
Sob massacre ininterrupto, ainda assim
sua taxa de rejeição caiu de 57% para 53%, enquanto a dos rivais subiu, puxada
pela de Aécio, que saltou 10 pontos, a de Temer (seis pontos) e a de Marina
(cinco pontos).
O veículo dos Frias naturalmente omitiu
interações que exigiriam cogitar um clima de virada no ambiente político, mas o
fato é que a taxa de apoio ao
impeachment de Dilma também caiu neste último Datafolha.
E não na margem de erro.
Em 20 dias de intenso fogo midiático
contra a Presidenta, o apoio ao impeachment recuou expressivos sete pontos (61%
x 68%).
É tão disfuncional para a linha da Folha
que seus editores acharam por bem escondê-la.
O que teria levado a essa reversão a uma
semana do voto decisivo?
A explicação ajuda a entender porque o
conservadorismo foge da urna como o diabo da cruz.
O que mudou nos últimos 20 dias é que
Dilma foi à luta.
A Presidenta despiu a tecnocrata e se
assumiu líder de um governo sob cerco golpista.
As cerimonias no Planalto deram
centralidade aos movimentos sociais.
Abriu-se a agenda para atos políticosque
de outra forma seriam sabotados pela mídia, como o encontro dos artistas, o dos
intelectuais e o recente, com movimentos de mulheres.
Mais que isso.
Lula voltou às ruas.
Ao contrário do que muitos alardeavam, e
alguns temiam, encontrou empolgante receptividade desde a apoteótica
manifestação do dia 18, em São Paulo.
Para onde iriam as atuais taxas de
rejeição do ex-presidente, em uma disputa eleitoral em que eventos como esses
se repetiriam diariamente, sendo repercutidos no horário eleitoral para todo o
país?
A resposta qualitativa sugere que para
toda uma geração do PSDB, de Serra a Alckmin, passando por Aécio e Richa, a
chegada ao poder passa pela caça a Lula e depende do êxito de um golpe de
Estado.
Novas e velhas gerações progressistas e
democráticas, ao contrário, reaprenderam no ascendente ciclo de mobilizações
dos últimos 20 dias, que o governo tem base social disposta a defendê-lo; e que
arua pode engasgar o golpe mesmo com o dispositivo midiático e o aparelho
judiciário ao seu dispor.
Em resumo: se vencer dia 17, o golpismo
enfrentará uma crescente, tenaz e diversificada resistência de partidos,
movimentos sociais, sindicatos, intelectuais, artistas e classe média
democrática.
É apenas um pálido retrato do que pode
ocorrer.
Mas já se configura uma espiral só
equivalente à de 2002, quando a esperança venceu o medo em concentrações e
massa pelo país; ou às gigantescas manifestações pelas Diretas Já; ou ainda às
demonstrações de contestação à ditadura militar, posteriores ao golpe de 1964,
até a edição do AI-5, em 1969.
É essa a filiação do impressionante
movimento que em poucas semanas –desde o quase sequestro de Lula por Moro, em 4
de março- catalisou um sentimento difuso
de indignação, sacudiu a classe média democrática, reaglutinou a
intelectualidade progressista, articulou-a aos movimentos sociais e às centrais
de trabalhadores e começa a ganhar
capilaridade organizada, com o florescimento de centenas de comitês pela defesa
a legalidade, unificados na Frente Brasil Popular.
E não só em universidades.
Neste final de semana, intensificou-se a
irradiação da resistência nas periferias das grandes capitais.
Em São Paulo, Brigadas Populares Contra
o Golpe visitaram bairros como Jardim Miriam, Vila Prudente, Itaquera, São
Miguel Paulista etc.
Trata-se de somar à resistência
democrática a barragem popular contra o arrocho social e fiscal envelopado no
programa do impeachment, ‘Uma ponte para o Futuro’.
Portanto, não há trégua à vista.
O que pretende o conservadorismo é
incompatível com a legalidade, a Constituição e as urnas.
Significa que ao terceiro turno em
curso, se sucederá um quarto, um quinto, um sexto até que se defina o novo
ponto de coagulação política que dará forma a outro arranjo de poder e de
desenvolvimento.
Interesses antissociais e antinacionais
viram nesse vazio conflagrado a chance de se impor à sociedade por um atalho
permeável a projetos de reduzida chance eleitoral.
Passo a passo vem promovendo os
requisitos ao seu objetivo histórico, a saber:
1. destruir o Partido dos Trabalhadores
e tornar suas lideranças sentenciadas e inelegíveis;
2. fazer a economia gritar: paralisar o mercado, sabotar o crescimento, congelar o investimento, gerar desemprego,
insuflar incerteza, pânico e ódio, sobretudo na classe média;
3. desqualificar políticas públicas e
avanços obtidos na organização da economia, do mercado de trabalho, das
políticas sociais e da soberania geopolítica, corroendo na prática o espírito e os objetivos da
própria Constituição de 1988.
A crispação se vale daquele que talvez
tenha sido o erro superlativo dos governos liderados pelo PT: manter intocado o
aparato de comunicação nas mãos da direita brasileira, ademais de supor que
seria aceito como sócio remido no clube da lambança eleitoral.
A cobrança atual mostra o custo mortal
dos dois erros.
Definitivamente, o arranjo de poder que
sustentou os governos do PT desde 2003 não existe mais.
E não há viagem de volta na
história. É preciso afrontar o projeto
de país embutido no golpe com outro projeto e outra governabilidade.
Dispor de base parlamentar continua
vital.
Ela terá que ser recomposta. Mas não
será mais capaz –se é que um dia foi- de sustentar a coerência e a eficácia de
um governo determinado a avançar na construção de uma democracia social no
país.
Novos atores (frentes populares, mesas
de pactos setoriais) e novas formas de participação democrática (conferências
nacionais deliberativas, plebiscitos etc.) terão que ser construídas. A
informação plural terá que romper a blindagem do monopólio conservador, ou será
impossível debater alternativas aos impasses do desenvolvimento.
A pedra de toque dessa trajetória consiste
em restaurar transparência aos dois campos em confronto na sociedade para expor
o agendamento conservador ao céu que o protege: os interesses da elite
dominante.
Não há saída puro sangue.
Será preciso negociar pactos, metas,
salvaguardas que preservem conquistas, admitam concessões temporais e garantam
ganhos estruturais.
Saber onde estão as respostas e reunir a
energia política capaz de validá-las é a fronteira que divide a derrota da
inauguração de um novo ciclo histórico.
A hegemonia necessária à retomada do
desenvolvimento nascerá desse encontro entre ideias e os fatos criados nas ruas
e nas mesas de negociação.
A seguir, algumas diretrizes extraídas
de documentos produzidos por intelectuais engajados em pensar o Day after da
nação brasileira:
‘...a preservação do emprego e da renda
dos trabalhadores é crucial para estancar o retrocesso social e para a
consolidação de um mercado interno de consumo de massas capaz de sustentar o
crescimento econômico e, por consequência, revigorar a arrecadação
governamental, baseada, em grande parte, nas contribuições sobre a folha de
salário ... São necessárias medidas emergenciais de curto prazo: o Programa de
Preservação do Emprego deve ser ampliado, ter sua duração estendida. A
utilização de crédito direcionado dos bancos públicos, condicionado a acordos
de manutenção dos empregos, é outro exemplo nessa direção’;
... a definição de meta fixa ou rígida
para superávit primário desconsidera que as receitas são afetadas pelo
comportamento do quadro macroeconômico nacional, internacional e do cenário
político (...) O estabelecimento de “bandas” em torno de meta do superávit, ao
invés da fixação de uma taxa fixa, especialmente num período de “travessia”
onde reinam incertezas sobre os resultados, é o mais recomendável’;
‘...a retirada de parte ou da totalidade
dos investimentos públicos das metas de superávit primário, é recomendável, uma
vez que tais investimentos geram receitas futuras e se financiam no médio e
longo prazo’; o desbloqueio do investimento público pode ser capaz de reativar
o circuito do gasto privado, ajudando a economia a reverter sua atual situação
recessiva e aumentando a receita fiscal’;
‘...em diversos países a meta para a
inflação é distribuída num intervalo de 24
meses ou a uma variação de longo prazo, o que dá mais margem à política
monetária (juros) para responder apenas às elevações permanentes de preços’;
‘...combater uma inflação de múltipla
origem exige a adoção de políticas e instrumentos econômicos mais refinados e
sofisticados que a simples manipulação da taxa básica de juros da economia. Não
é com desemprego que se combate inflação’;
‘...Banco Central brasileiro deve ter um
mandato duplo, centrado no combate à inflação e à geração de emprego, com a
utilização de outros instrumentos de política monetária para a obtenção
simultânea destes objetivos’;
‘... a taxa de câmbio real/dólar é umas
das mais voláteis do mundo, com um mercado de câmbio extremamente permeável à
especulação financeira. As altas taxas de juros têm grande responsabilidade na
atração de capitais especulativos que provocam rápidas ondas de valorização e
desvalorização cambial, mas há no país também uma institucionalidade que
favorece essa especulação; aqui, os movimentos da taxa de câmbio não refletem o
fluxo de moeda, mas sim o mercado de derivativos onde se negocia múltiplas
vezes o volume de dólares do mercado à vista. A opção por uma taxa de câmbio
menos volátil, que reflita as condições reais da economia, exige a regulação
ampla do mercado de câmbio, não apenas para disciplinar o fluxo de moeda, mas
também a operação com derivativos’;
‘...para voltar a crescer é preciso
reverter a atual política monetária; taxas tão altas de juros não encontram
nenhuma justificativa numa inflação que é preponderantemente de custos
(desvalorização cambial, aumento de preços de bens e serviços monitorados pelo
governo, e a própria elevação dos juros), além de alguns problemas de sazonalidade
(alta dos alimentos devido à seca etc.). No longo prazo, juros como os atuais
alimentam a desindustrialização e estagnação da economia com o consequente
flagelo do desemprego. O Brasil viveuma recessão em processo avançado, com
rápido aumento do desemprego e queda do rendimento médio do trabalho, ademais
de índices crescentes de inadimplência e recuo no grau de utilização da
capacidade produtiva da indústria. O déficit primário (sem o custo dos juros da
dívida pública) representa pouco menos de 10% do resultado nominal global (que
inclui o peso dos juros). A principal responsabilidade pela magnitude do
déficit nominal, no Brasil, portanto, reside na manutenção desnecessária de
taxas de juros excessivamente elevadas e nas rotineiras intervenções do Banco
Central no mercado de câmbio, com a venda de swaps cambiais. Juntos, os juros e
as perdas do BC com essas operações, já são responsáveis por despesas
financeiras da ordem de 7% do PIB, ou seja, cerca de 90% de todo o déficit
nominal. Mantido essa dinâmica não há como a relação dívida bruta/PIB deixar de
crescer, asfixiando o lado real da economia em nome do combate a uma inflação
que não é de demanda’;
‘... a melhor alternativa ao arrocho
fiscal é a recomposição da capacidade de financiamento do Estado e a melhor
alternativa à recomposição dessa capacidade de financiamento é o crescimento da
economia, que potencializa as receitas governamentais. Dado o atoleiro no qual
o país mergulhou, porém,deve-se aproveitar ainda os espaços existentes para recompor
a capacidade de financiamento público pela revisão dos incentivos fiscais, o
combate à sonegação e, principalmente, pela realização de reforma tributária
que enfrente a vergonhosa injustiça do sistema brasileiro, altamente regressivo
e ineficiente. A revisão da política de renúncia fiscal nos casos em que não
produziu o resultado previsto também se impõe. O Brasil é vice-campeão mundial
em sonegação de impostos (13,4% do PIB). Perdemos apenas para a Rússia (14,2%
do PIB). Em valor, a evasão fiscal em 2011 foi de US$ 280 bilhões, só atrás dos
EUA, de US$ 337 bilhões (o valor da sonegação norte-americana, no entanto,
corresponde a somente 2,3% do PIB). A recriação (mesmo com alíquota reduzida)
de um imposto sobre transações financeiras contribuiria assimpara a definição
de uma base de dados transparente, que dificultasse a evasão fiscal, concentrada nos setores mais
ricos da sociedade’;
‘...o Brasil é uma das sociedades mais
desiguais do mundo. O topo da pirâmide social, formado por 71.440 pessoas com
renda mensal superior a 160 salários mínimos, totalizou rendimentos de R$ 298
bilhões e patrimônio de R$ 1,2 trilhão em 2013. Essa minúscula elite (0,05% da
população economicamente ativa) concentra 14% da renda total e 22,7% de toda
riqueza declarada em bens e ativos financeiros. Esses extremamente ricos
apresentam elevadíssima proporção de rendimentos isentos de imposto de renda.
Outra face da injustiça do sistema tributário brasileiro reside na inexistência
de imposto sobre a distribuição de lucros e dividendos. Entre os 34 países da
OCDE, apenas a Estônia adota semelhante bizarrice. Em média, a tributação total
do lucro (integrando pessoa jurídica e pessoa física) chega a 43% nos países da
OCDE (sendo 64% na França, 48% na Alemanha e 57% nos EUA). No Brasil, a taxa é
inferior a 30%. As raízes desse descompasso remetem às reformas realizadas na ditadura
militar, ampliadas no ciclo neoliberal dos anos 90. Nenhum governo ousou mudar
essa equação, que se transformou em fonte de degenerescência da estrutura tributária
e em obstáculo para o crescimento econômico e a justiça fiscal. Não se
justifica condenar os deserdados a pagarem os custos do desajuste fiscal
recessivo para preservar o privilégio tributário dos ricos: é possível
simultaneamente fazer justiça fiscal e justiça social’;
‘...é preciso construir uma rápida
resolução das crises no setor de engenharia e petróleo e gás no Brasil,
fundamentais para a retomada do investimento. Sem se contrapor às investigações
de corrupção, o governo deve convergir para uma proposta de curto prazo: punir
os corruptores e multar as empresas, sem retirar destas a capacidade de ação e
investimento. Outra opção éterceirizar o controle e a gestão, com a troca do
seu controle acionário quando a direção
estiver desabilitada por crimes comprovados. A possibilidade de pagamento das
multas judiciais com ações garantiria a saúde financeira dos grupos e
possibilitaria uma saída negociada para alterar seu controle acionário,
mantendo-se osinvestimentos e a capacidade de gerar emprego’;
11.’...é vital preservar a política
salarial para garantir expansão do mercado interno de consumo de massas; esse é
um dos pilares do ciclo de crescimento recente e constitui em importante vetor
da impulsão da economia; também para a retomada do crescimento econômico e
industrial é fundamental que não se retroceda na política de valorização do
salário mínimo. O fortalecimento do mercado interno deve ser harmonizado com
políticas monetária, cambial, comercial e industrial para evitar que seu
dinamismo resulte apenas em aumento das importações, em detrimento da
industrialização brasileira’;
‘...o gasto social brasileiro é um
importante vetor da demanda agregada. Por seus efeitos multiplicadores, o
sistema de proteção social se constitui em instrumento para, simultaneamente,
impulsionar o crescimento e reduzir as desigualdades. Um incremento de 1% do
PIB nos gastos com educação e saúde, por exemplo, gera crescimento do PIB de
1,85% e 1,70%, respectivamente; o aumento de 1% do PIB nos gastos dos programas
Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada e Previdência Social eleva a
renda das famílias de 2,25%, 2,20% e 2,10%, respectivamente; um choque de 1% do
PIB no gasto com saúde enseja uma diminuição de 1,5% no índice de Gini’;
‘... É preciso barrar qualquer proposta
que vise retirar (ou desvincular, como consta do programa do golpe, ‘Uma ponte
para o Futuro’) recursos destinados aos investimentos sociais e aos serviços
públicos, em particular aqueles com potencial dinamizador mais elevado. A
melhoria da gestão dos recursos pode ser fonte de economia de recursos para a
União, desde que não impliquem em redução da qualidade e do acesso’.
www.cartamaior.com.br 13/04/2016
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