Brasil: Golpe ou Fiasco?
Michel Temer assumiu como presidente interino apontando imediatamente um gabinete de extrema-direita.
A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, foi suspensa do cargo enquanto passa por julgamento no Senado Federal. Se condenada, ela seria removida do cargo, movimento que é chamado no Brasil como “impeachment”. Qualquer um, até os brasileiros, que têm tentado acompanhar os últimos meses de manobras políticas, podem ser desculpados se estiverem de alguma forma confusos com as muitas voltas que o processo tem dado.
O que é realmente o problema? Seria isso um golpe inconstitucional como disse a presidente Rousseff repetidamente? Ou seria um ato legítimo de responsabilização da presidente pelos delitos cometidos por ela, os membros do seu gabinete e conselheiros, como alega a “oposição”?Considerando o último questionamento, porque estaria ocorrendo somente agora e não, digamos, no primeiro mandato de Rousseff como presidente antes de ela ser reeleita em 2015 com uma margem significativa?
Rousseff é membro do Partido dos Trabalhadores (PT) que tem há tempos sido liderado pelo seu predecessor no cargo, Luiz Inácio Lula da Silva (Lula). Uma maneira de ver esses eventos é como uma parte da história do PT – sua ascensão ao poder e agora, provavelmente, sua expulsão do poder.
O que é o PT e o que ele vem representando na política brasileira? O PT foi fundado em 1980 como um partido de oposição à ditadura militar que comandava o Brasil desde o golpe de 1964. Era um partido socialista, anti-imperialista, que agrupava grupos marxistas, associações civis como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e os movimentos católicos da Teologia da Libertação.
Do ponto de vista de ambos os partidos militar e tradicional do establishment no Brasil, o PT era um partido revolucionário perigoso que ameaçava a economia e as estruturas sociais conservadoras. Os Estados Unidos viam seu “anti-imperialismo” como direcionado principalmente contra o papel dominante dos EUA na política Latino-americana, o que de fato era.
O PT, no entanto, não chegou ao poder por meio de guerrilha mas sim por eleições parlamentares, sustentadas e apoiadas por protestos extra-parlamentares. Demorou quatro eleições presidenciais para trazer uma candidatura do PT, o Lula, ao cargo em 2003. O establishment brasileiro nunca esperou que isso fosse realmente acontecer e nunca aceitou que isso possivelmente continuaria. Desde então eles têm dedicado sua energia para derrubar o PT. E eles talvez tenham conseguido em 2016. Os historiadores no futuro podem olhar para o período de 2003-2016 como o intervalo do PT.
O que de fato aconteceu nesse intervalo? O PT na presidência foi algo muito menos radical do que seus oponentes temiam, mas ainda radical o suficiente para torná-los incansáveis em seu desejo de destrui-lo, não somente como os que detêm o cargo mas como um movimento com uma marca legítima na política brasileira.
Se o PT conseguiu se eleger em 2003, foi por causa da combinação entre a crescente atenção ao seu programa e à sua retórica e o declínio da força geopolítica dos EUA. E o que o PT fez com seu tempo à frente do país? Por um lado, procurou ajudar o extrato mais pobre do país por meio de um programa redistributivo conhecido como o programa Fome Zero que incluía o Bolsa Família, o qual de fato aprimorou o nível de renda das pessoas e reduziu as desigualdades absurdas adormecidas no país.
Além disso, a política externa do Brasil sob o comando do PT marcou uma mudança significativa da sua histórica submissão aos imperativos geopolíticos dos EUA. O Brasil tomou a liderança e criou estruturas latino-americanas autônomas que incluíam Cuba e excluíam os EUA e o Canadá.
Por outro lado, as políticas de macroeconomia do Brasil continuaram ortodoxas do ponto de vista das ênfases neoliberais nas políticas governamentias sobre orientações de mercado. E as múltiplaspromessas do PT em prevenir a destruição ambiental nunca foram seriamente implementadas. O PT também não cumpriu suas promessas com a Reforma Agrária.
Em suma, sua performance como um movimento de esquerda foi um caldeirão de diversidade. Como resultado, grupos de dentro do partido e suas alianças políticas estavam constantemente desertando. Isso resultou em uma posição fraca que tornou possível, em 2015, que os inimigos do PT implementassem um plano para destruí-lo.
O cenário era simples. Foi centrado em denúncias de corrupção. A corrupção tem sido massiva e endêmica na política brasileira, e figuras importantes do próprio PT não estavam isentas da prática. A única pessoa que não estava subjugada a essas denúncias era a presidente Dilma Rousseff. O que então fazer? A pessoa que liderou o processo de impeachment, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (um cristão evangélico) foi removido do cargo por estar sendo indiciado por corrupção. Mas não importa! O processo procedeu com base no fato de que Dilma Rousseff falhou na sua responsabilidade de conter a corrupção. Isso levou Boaventura Sousa Santos a resumir a situação como uma em que o político honesto estava sendo expulso pelo mais corrupto.
Rousseff foi suspensa do cargo e o seu vice-presidente Michel Temer assumiu como presidente interino, apontando imediatamente um gabinete de extrema-direita. Parece quase certo que Rousseff será impichada e removida permanentemente do cargo. Ela não é o verdadeiro alvo. O verdadeiro alvo é Lula. Pela lei brasileira, nenhum presidente pode ter mais do que dois mandatos consecutivos. E tem sido a esperança de todos que Lula fosse candidato pelo PT de novo em 2018.
Lula é tido como o político mais popular do Brasil por um bom tempo. E enquanto sua popularidade tem sido de alguma forma maculada pelo escândalo de corrupção, ele parece continuar suficientemente popular até para ganhar as eleições. Então as forças da direita tentarão realmente indiciá-lo por corrupção e então torná-lo inelegível.
O que acontecerá então? Ninguém tem certeza. Os políticos de direita irão brigar entre si pela presidência. O exército pode decidir mais uma vez tomar o poder. O que parece certo é que o PT está acabado. O PT procurou exercer seu poder como um governo de centro, balanceando seu programa. Mas o sério déficit orçamentário e o declínio dos preços do petróleo e outras exportações brasileiras desiludiram uma grande parte dos seus eleitores. Como em muitos outros países agora, descontentamento em massa leva à rejeição de políticos centristas.
O que um movimento sucessor do PT poderia fazer seria voltar às suas raízes como um movimento de esquerda consistentemente anti-imperialista. Isso não será mais fácil do que foi em 1980. A diferença entre 1980 e agora é o nível que o sistema mundial moderno está na crise estrutural. A dificuldade é mundial e a esquerda brasileira pode tanto ter um papel importante nisso ou escorregar para a irrelevância global e a miséria nacional.
O que é realmente o problema? Seria isso um golpe inconstitucional como disse a presidente Rousseff repetidamente? Ou seria um ato legítimo de responsabilização da presidente pelos delitos cometidos por ela, os membros do seu gabinete e conselheiros, como alega a “oposição”?Considerando o último questionamento, porque estaria ocorrendo somente agora e não, digamos, no primeiro mandato de Rousseff como presidente antes de ela ser reeleita em 2015 com uma margem significativa?
Rousseff é membro do Partido dos Trabalhadores (PT) que tem há tempos sido liderado pelo seu predecessor no cargo, Luiz Inácio Lula da Silva (Lula). Uma maneira de ver esses eventos é como uma parte da história do PT – sua ascensão ao poder e agora, provavelmente, sua expulsão do poder.
O que é o PT e o que ele vem representando na política brasileira? O PT foi fundado em 1980 como um partido de oposição à ditadura militar que comandava o Brasil desde o golpe de 1964. Era um partido socialista, anti-imperialista, que agrupava grupos marxistas, associações civis como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e os movimentos católicos da Teologia da Libertação.
Do ponto de vista de ambos os partidos militar e tradicional do establishment no Brasil, o PT era um partido revolucionário perigoso que ameaçava a economia e as estruturas sociais conservadoras. Os Estados Unidos viam seu “anti-imperialismo” como direcionado principalmente contra o papel dominante dos EUA na política Latino-americana, o que de fato era.
O PT, no entanto, não chegou ao poder por meio de guerrilha mas sim por eleições parlamentares, sustentadas e apoiadas por protestos extra-parlamentares. Demorou quatro eleições presidenciais para trazer uma candidatura do PT, o Lula, ao cargo em 2003. O establishment brasileiro nunca esperou que isso fosse realmente acontecer e nunca aceitou que isso possivelmente continuaria. Desde então eles têm dedicado sua energia para derrubar o PT. E eles talvez tenham conseguido em 2016. Os historiadores no futuro podem olhar para o período de 2003-2016 como o intervalo do PT.
O que de fato aconteceu nesse intervalo? O PT na presidência foi algo muito menos radical do que seus oponentes temiam, mas ainda radical o suficiente para torná-los incansáveis em seu desejo de destrui-lo, não somente como os que detêm o cargo mas como um movimento com uma marca legítima na política brasileira.
Se o PT conseguiu se eleger em 2003, foi por causa da combinação entre a crescente atenção ao seu programa e à sua retórica e o declínio da força geopolítica dos EUA. E o que o PT fez com seu tempo à frente do país? Por um lado, procurou ajudar o extrato mais pobre do país por meio de um programa redistributivo conhecido como o programa Fome Zero que incluía o Bolsa Família, o qual de fato aprimorou o nível de renda das pessoas e reduziu as desigualdades absurdas adormecidas no país.
Além disso, a política externa do Brasil sob o comando do PT marcou uma mudança significativa da sua histórica submissão aos imperativos geopolíticos dos EUA. O Brasil tomou a liderança e criou estruturas latino-americanas autônomas que incluíam Cuba e excluíam os EUA e o Canadá.
Por outro lado, as políticas de macroeconomia do Brasil continuaram ortodoxas do ponto de vista das ênfases neoliberais nas políticas governamentias sobre orientações de mercado. E as múltiplaspromessas do PT em prevenir a destruição ambiental nunca foram seriamente implementadas. O PT também não cumpriu suas promessas com a Reforma Agrária.
Em suma, sua performance como um movimento de esquerda foi um caldeirão de diversidade. Como resultado, grupos de dentro do partido e suas alianças políticas estavam constantemente desertando. Isso resultou em uma posição fraca que tornou possível, em 2015, que os inimigos do PT implementassem um plano para destruí-lo.
O cenário era simples. Foi centrado em denúncias de corrupção. A corrupção tem sido massiva e endêmica na política brasileira, e figuras importantes do próprio PT não estavam isentas da prática. A única pessoa que não estava subjugada a essas denúncias era a presidente Dilma Rousseff. O que então fazer? A pessoa que liderou o processo de impeachment, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (um cristão evangélico) foi removido do cargo por estar sendo indiciado por corrupção. Mas não importa! O processo procedeu com base no fato de que Dilma Rousseff falhou na sua responsabilidade de conter a corrupção. Isso levou Boaventura Sousa Santos a resumir a situação como uma em que o político honesto estava sendo expulso pelo mais corrupto.
Rousseff foi suspensa do cargo e o seu vice-presidente Michel Temer assumiu como presidente interino, apontando imediatamente um gabinete de extrema-direita. Parece quase certo que Rousseff será impichada e removida permanentemente do cargo. Ela não é o verdadeiro alvo. O verdadeiro alvo é Lula. Pela lei brasileira, nenhum presidente pode ter mais do que dois mandatos consecutivos. E tem sido a esperança de todos que Lula fosse candidato pelo PT de novo em 2018.
Lula é tido como o político mais popular do Brasil por um bom tempo. E enquanto sua popularidade tem sido de alguma forma maculada pelo escândalo de corrupção, ele parece continuar suficientemente popular até para ganhar as eleições. Então as forças da direita tentarão realmente indiciá-lo por corrupção e então torná-lo inelegível.
O que acontecerá então? Ninguém tem certeza. Os políticos de direita irão brigar entre si pela presidência. O exército pode decidir mais uma vez tomar o poder. O que parece certo é que o PT está acabado. O PT procurou exercer seu poder como um governo de centro, balanceando seu programa. Mas o sério déficit orçamentário e o declínio dos preços do petróleo e outras exportações brasileiras desiludiram uma grande parte dos seus eleitores. Como em muitos outros países agora, descontentamento em massa leva à rejeição de políticos centristas.
O que um movimento sucessor do PT poderia fazer seria voltar às suas raízes como um movimento de esquerda consistentemente anti-imperialista. Isso não será mais fácil do que foi em 1980. A diferença entre 1980 e agora é o nível que o sistema mundial moderno está na crise estrutural. A dificuldade é mundial e a esquerda brasileira pode tanto ter um papel importante nisso ou escorregar para a irrelevância global e a miséria nacional.
Créditos da foto: Lula Marques / Agência PT
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