TRISTE FIM DE CRISTÓVÃO BUARQUE
As portas do inferno das explicações
estapafúrdias sempre estiveram abertas quando o assunto é política. Depois que
alguém lembrou (corretamente) que impeachment não é só um julgamento jurídico,
mas político também, as portas abriram um bocado a mais. O
predicado deixou de existir, o sujeito virou a ação em si e o motivo central
deixou de importar. Aliás, parece que nunca importou.
Alexandre Marini*
Um olhar mais atento aos seus motivos
possibilita ver, com preocupação, que o que se desenha à sua frente é um
cenário de articulação para uma volta ao passado. Um olhar mais atento aos seus
motivos possibilita ver, com preocupação, que o que se desenha à sua frente é
um cenário de articulação para uma volta ao passado. Portanto, nada mais natural ouvirmos quase
quatrocentas vezes, daqueles que nos representam na Câmara dos Deputados, “pelo
meu pai”, “pela minha mãe”, “pelos meus filhos”, “por deus”. Só o diabo não
precisou ser lembrado, dizem as más línguas, pois presidia a sessão.
Agora no Senado, mais explicações. Num
outro nível, claro, mas de pouca efetividade diante do caráter exclusivamente
político em que se transformou esse processo, com pouco espaço para a
prevalência da razão, ambiente propício para que razões pessoais se
sobreponham, espúrias ou não.
Em recente artigo publicado em seu
próprio portal e no Correio Braziliense, o senador Cristovam Buarque, do PPS,
com o peso que a autoridade lhe dá para participar e decidir sobre o processo
de afastamento da presidenta da República, e que já há muito se declarou a
favor da abertura do processo de impeachment no Senado, diz estar agoniado e
elenca diversos motivos para tal.
Os
motivos da agonia
Um olhar mais atento aos seus motivos
possibilita ver, com preocupação, que mesmo políticos mais progressistas têm
dificuldades em vislumbrarem que o que se desenha à sua frente é um cenário de
articulação para uma volta ao passado, devido ao caráter retrógrado dos setores
e agentes políticos que se colocam como ponta-de-lança para corrigir as falhas
da política atual.
Cristovam Buarque se diz agoniado. Pelo
desemprego atual, não pela terceirização e um futuro provável de perda de
direitos trabalhistas.
·
Pela economia
parada, não pelo projeto neoliberal a ser adotado com restrições econômicas
ainda mais violentas, afetando sobretudo os mais pobres.
·
Pelos hospitais,
não pelo projeto de privatização do SUS desenhado pelo PMDB.
·
Pela falta de
assistência aos mais pobres, não pela intenção de um futuro governo em acabar
com os parcos projetos sociais de hoje.
·
Pelos bolsistas
universitários sem o apoio prometido, não pelo projeto que quer restringir
ainda mais os repasses de apoio ao ensino superior, acelerando o
desmantelamento da universidade pública e sua gratuidade.
·
Por Cunha ser
presidente da Câmara dos Deputados, não pelo fortalecimento político que o
processo de impeachment, como vem sendo desenhado, deu a ele mesmo diante de
seu afastamento pelo STF.
·
Com os desvios na
Petrobras, não pela evidente intenção política de entregar o controle do seu
patrimônio ao capital estrangeiro.
·
Com a ciência e
tecnologia, mas ignora o sinal de gravidade quando um pastor passa a ser
seriamente sondado para assumir esse ministério.
·
Por fim, agoniado
por romper com 53 milhões de votos num processo democrático, parecendo ignorar
outro 1 milhão e meio, já que o pleito vencedor teve com 54.501.118 votos.
Com uma miopia dessas, é para ficar
agoniado mesmo.
*É sociólogo e professor
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