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Daniel Afonso da Silva
Perplexidades impressas, por Daniel Afonso da Silva
DANIEL AFONSO DA SILVA
SEG, 27/06/2016 - 09:44
Perplexidades impressas
por Daniel Afonso da Silva
Perplexidade envolve a opinião central dos principais jornais europeus, norte-americanos e brasileiros sobre o “Brexit”. Essa sensação, que integra angústia e frustração, também encarna o desassossego da necessidade de reconhecimento da emergência do favoritismo do candidato Donald J. Trump. A hecatombe política brasileira gerou percepção similar dentro e fora do Brasil. Tudo isso informa a imenso e contraditório grau de desinformação generalizada na sociedade de informação que nos toca viver.
Cinco meses atrás ninguém nem mesmo nos grandes jornais europeus tinha como séria a ideia do Reino Unido sair da União Europeia. Apenas um e outro artigo em uma e outra gazeta minúscula local suscitava a possibilidade desse feito possível mas improvável. Dez, quinze meses atrás, existia uma mesma mirada vis-à-vis do candidato Donald J. Trump. A indiferença e o desprezo eram o mais comum frente ao star de reality show de trejeitos indelicados, linguagem vulgar e imponente inaptidão a qualquer cargo político representativo.
A imprensa dos quatro cantos do mundo considerou a candidatura do bilionário norte-americano como uma brincadeira, um acinte à inteligência mediana, uma vergonha ao país mais poderoso do planeta. Os principais diários dos Estados Unidos, pior ainda, defendiam que o candidato republicano não passava de uma ave solitária que desapareceria na primeira ventania.
Vinte meses atrás ou menos, referente ao Brasil, nenhum grande jornal do eixo Paris-Roma-Madrid-Londres-Berlim-New York-Washington fazia algo muito diferente que reproduzir às cegas a opinião envenenada de Veja, Estadão, Folha de S. Paulo e/ou agências de notícia brasileiras e estrangeiras. Evidentemente que um e outro artigo e uma e outra entrevista sublevaram a regra. Mas o resultado é forte evidente: todo estrangeiro usuário de sua imprensa nacional para se informar sobre a realidade brasileira (e de qualquer outro país distante) está amplamente desinformado, decepcionado, perplexo.
Os jornais todos parecem mancomunados na exposição de perplexidades impressas. A maior parte deles subestima as forças profundas das sociedades. Leva pouco ou nada em conta o efeito-bomba da conjugação de crescimento de imigração ilegal, desigualdade econômica e social, percepção da corrupção, choque econômico desde a crise de 2007-2009 e ascensão de demagogos de plantão na Europa e nas Américas. Desconsidera, em consequência, a mutação social, cultural, política e econômica do mundo presente. Valoriza o lugar-comum ambiente. Foge ao embate sopesado de ideias. Massacra o diferente e a diferença. Desqualifica o oponente. Privilegia o efeito rebanho, antigamente conhecido como pensamento único.
À força de desqualificar Donald J. Trump candidato, os principais órgãos de imprensa no Ocidente desprepararam seus leitores, ouvintes e telespectadores para uma realidade vindoura plausível, legítima e democrática: o bonifrate pode, sim, chegar à Casa Branca.
De muito julgar a distância os fenômenos sociais, os mesmos órgãos de imprensa foram indiferentes à ascensão do populismo no Reino Unido (na Europa e no mundo), a luta de chefes no interior do partido conservador e a impotência dos poderosos no interior do país.
A demissão do primeiro-ministro David Cameron logo após a notícia do “leave” inglês na sexta-feira, 24/06, consiste no mínimo esperável após tamanha trapalhada político-politiqueira, temerária e eleitoreira que residiu na motivação de convocação desse referendum extemporâneo demasiado lamentável. Mas muitos diretores de redação deveriam também se demitir por terem sido indiferentes e mesmo coniventes com a mediocrização do debate político que conduziu a essa situação.
Quando Denis Kearney (1847-1907) – espécie de Trump norte-americano do século 19 – promoveu sua campanha xenófoba aos chineses nos Estados Unidos nos anos de 1870, o espaço público norte-americano era demograficamente diminuto. A ideia e a capacidade de formação de opinião eram deveras incipientes. A audiência dos atores políticos e intelectuais continuava limitada malgrado os avanços do país.
Quando os principais verdugos do século 20 começaram suas carnificinas fascistas, nazistas e comunistas após o conflito de 1914-1918, o rádio, a televisão, o cinema e os jornais já dispunham de alcance e acesso relativamente massificado em todo o mundo. Convém, porém, notar que nesse momento, o dissenso da notícia e da opinião era oficialmente raro e marginal e marginalizador. Nos dias que correm, do contrário, vive-se em tese espécie de império da marginalidade, do culto da diferença e do diferente.
Todos opinam sobre todos e sobre tudo. Todos reivindicam um lugar no debate. Todos querem ter razão mesmo sem saber da questão, o que levou o mercado de notícias à pasmaceira e à confusão. A imprensa, receosa de perder audiência, passou então a reproduzir essa situação. E, mais que isso, dar-lhe legitimidade.
Jamais houve tamanha quantidade de vetores de opiniões e debates em toda a história humana. Entretanto, esses vetores não tem necessariamente produzido novas ideias, ideias diferentes e debates convincentes. Do contrário, tem alimentado a perplexidade que a imprensa simplesmente imprime.
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