sexta-feira, 5 de agosto de 2016

O CNJ E O ART.95 DA CONSTITUIÇÃO. Este é o judiciário que nós temos.



O CNJ E O ART.95 DA CONSTITUIÇÃO

27.7.16    
HÉLIO DUQUE -

O Conselho Nacional da Justiça é o órgão fiscalizador dos tribunais superiores na administração da Justiça. É presidido pelo ministro Ricardo Lewandowski, igualmente presidente do STF (Supremo Tribunal Federal). Decisão surpreendente, em reunião do seu conselho, estabeleceu polêmica que desprestigia o judiciário brasileiro. O ministro Lewandowski defendeu que juízes, desembargadores e membros dos tribunais superiores, ao proferir palestras promovidas por entidades privadas, ficam desobrigados de informar o valor recebido. 

Na ocasião, Lewandowski, de acordo com o jornal “O Estado de S.Paulo” (13-7-2016), teria afirmado: “Não somos obrigados a revelar quanto recebemos nas atividades privadas”.

Data vênia, excelência. A Constituição, no artigo 95, parágrafo único, determina que aos juízes é vedado, no inciso IV: “receber, a qualquer título ou pretexto, auxilio ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei”. 

A única atividade extra permitida pela Lei Orgânica da Magistratura é o exercício do magistério superior. Agora o CNJ, pela ação dos seus conselheiros e do seu presidente, classificaram, eufemisticamente, que palestras remuneradas, por empresas ou entidades empresariais, configura o exercício do magistério superior.

Vivemos um tempo brasileiro onde os poderes Executivo e Legislativo estão mergulhados em oceano de falta de credibilidade. 

O Judiciário, de maneira lamentável, resolveu dar o seu mergulho em um mar infestado de tubarões, muito bem definido pelo editorial do jornal “Folha de S.Paulo” (14-7-2016): “Depois de receber as verbas, cujo valor se desconhece, os magistrados não estarão compelidos a declarar automaticamente sua suspeição no julgamento de casos que envolvam as fontes pagadoras”. Pesquisas do próprio poder judiciário constatam que alguns dos maiores litigantes na justiça são empresas e entidades empresariais.

O Judiciário brasileiro é o último bastião de defesa do Estado Democrático de Direito. A decisão de Ricardo Lewandowski leva descrédito a uma instituição que não pode mergulhar em um cenário de suspeição. A advertência do editoral do jornal “O Estado de S.Paulo” (13-7-2016) deve merecer reflexão: “Quando julgadores se transformam em palestrantes pagos por uma das partes das ações que tem de julgar os conflitos de interesses são flagrantes. E quando essa prática não é impedida pelo órgão encarregado de fiscalizar a Justiça, a instituição acaba sendo cooptada pelo poder econômico”.

Na história, a sacralidade da Justiça tem início em 1772 A.C. (Antes de Cristo), com o Código de Hamurabi, unificando 282 leis existentes na Babilônia. É a legislação mais antiga do mundo sendo a verdadeira origem do Direito. Nele a Lei do Talião fixava justa reciprocidade do crime e da pena. É a origem do “olho por olho, dente por dente”. No século XIX, 3.500 anos depois, na França, em 1804, nascia o Código Napoleônico. Estabelecia leis punitivas aos delitos praticados durante um processo judicial. Eliminando privilégio dos nobres, garantindo a todos cidadãos masculinos a igualdade perante a lei. Eliminava, igualmente, os privilégios dados pelos Reis aos senhores feudais.

No Brasil, por séculos, o ordenamento jurídico se fundamentava nas “Ordenações Filipinas”, promulgada em 1595, quando a União Ibérica governou Espanha e Portugal de 1580 a 1640. Ao recuperar a sua autonomia, Portugal a manteve como Constituição do Reino. Baseava-se no absolutismo divino agregado ao paternalismo, gerador do patrimonialismo tão presente na formação brasileira até os nossos dias. Em certo trecho dizia (em palavras da época): “E assi como a Justiça he virtude, não para si mais para outrem, por aproveitar somente aqueles a que se faz, dando-se-lhes o seu e fazendo-os bem viver, aos bons como prêmio e aos não com o temor das penas”.

A piruetagem jurídica do CNJ e seus conselheiros, ao defender “exercício de magistério superior” em palestras privadas e remuneradas, ignorou os ensinamentos do “Código de Hamurabi” e do “Código Napoleônico”. Optou pelo paternalismo absolutista das “Ordenações Filipinas”, quando destacava: “dando-se-lhes o seu e fazendo-os bem viver, aos bons como prêmio”. Esqueceu da parte final: “O temor das penas”. No caso, o desprestígio e o descrédito perante a opinião pública nacional.”

*Helio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.

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