terça-feira, 30 de agosto de 2016

Por que Dilma constrangeu os hipócritas

Por que Dilma constrangeu os hipócritas


Postura de presidente afastada durante sessão no Senado se opõe ao comportamento de Michel Temer, presidente interino, que concentra sua atuação em conchavos políticos e intrigas palacianas, se esconde das vaias e foge do debate público
Dilma Vana Rousseff chegou ao Senado para a sessão do seu julgamento de impeachment em 29 de agosto de 2016 com a postura de uma verdadeira chefe de Estado: altiva, destemida e transparente. Opondo-se a ela, um plenário de senadores — em sua maioria homens, brancos e ricos — apáticos e encurralados pela presença da única mandatária julgada pelo Senado na história do Brasil. Trata-se de uma postura em ampla sintonia com o comportamento obscuro e insidioso do presidente interino, que concentra sua atuação em conchavos políticos e intrigas palacianas, ao mesmo tempo em que se esconde das vaias, foge do debate público e solapa um projeto popular em construção de Brasil.
No início do discurso, Dilma retoma sua trajetória: “(d)ediquei todos esses anos da minha vida à luta por uma sociedade sem ódios e intolerância. Lutei por uma sociedade livre de preconceitos e de discriminações. Lutei por uma sociedade onde não houvesse miséria ou excluídos. Lutei por um Brasil soberano, mais igual e onde houvesse justiça”. Para barrar esses avanços, os golpistas estão agredindo em primeiro lugar a justiça, pois defendem a condenação de uma inocente. Mais ainda, subvertem o rumo do modelo democrático com justiça social. Afinal, os projetos e decretos de leis do governo interino atentam contra a educação, a saúde, a habitação, a cultura, a redução das desigualdades sociais e regionais e a soberania.
Marri Nogueira / Agência Senado

Dilma Rousseff, ao lado de Eduardo Cardoso, advogado de defesa, durante sessão no Senado nesta segunda-feira (30/08)
Em seguida, Dilma relembra que não é a primeira vez em que um golpe contra a democracia ocorre no país. “Hoje, mais uma vez, ao serem contrariados e feridos nas urnas os interesses de setores da elite econômica e política nos vemos diante do risco de uma ruptura democrática. Os padrões políticos dominantes no mundo repelem a violência explícita. Agora, a ruptura democrática se dá por meio da violência moral e de pretextos constitucionais para que se empreste aparência de legitimidade ao governo que assume sem o amparo das urnas. Invoca-se a Constituição para que o mundo das aparências encubra hipocritamente o mundo dos fatos”. Portanto, o Congresso organiza um falso processo jurídico para assaltar o poder, já que nas últimas décadas se fortaleceu como o espaço político privilegiado dos interesses conservadores do velho Brasil.
 

Processo de impeachment de Dilma é 'farsa' e 'assalto ao poder', diz historiadora francesa

'Governo Temer é profundamente antinacional. É pior que 64', diz cientista político Wanderley Guilherme

Evo Morales: julgamento de Dilma é tentativa de 'expulsar pobres, negros e mulheres do poder'

 
Indo aos autos do processo, Dilma explica que não cometeu crime, argumentando que a política fiscal não desrespeitou a lei, que o déficit primário de 2015 resultou da queda da atividade econômica e não do descontrole de gastos. Lembrou, também, que a Presidenta da República não pratica nenhum ato em relação à execução do Plano Safra. E esclarece:“[h]á uma tentativa de dizer que cometi um crime antes da definição da tese de que haveria um crime. Uma tese que nunca havia surgido antes e que, como todas as senhoras e senhores senadores souberam em dias recentes, foi urdida especialmente para esta ocasião. Lembro ainda a decisão recente do Ministério Público Federal, que arquivou inquérito exatamente sobre esta questão. (…) Insisto, senhoras senadoras e senhores senadores: não sou eu nem tampouco minha defesa que fazemos estas alegações. É o Ministério Público Federal que se recusou a dar sequência ao processo, pela inexistência de crime”. Logo, não houve crime de responsabilidade fiscal. Essa tentativa de criminalização da política econômica objetiva sobretudo solapar a atuação do Estado, sob o discurso neoliberal do grande capital.
Ao final do discurso, Dilma solicita que os senadores votem sem ressentimentos em relação ao impeachment. A justiça deve imperar sobre os interesses políticos, esta é a prerrogativa de um tribunal. Contudo, a trágica ironia é que a sociedade tem testemunhado um grande “simulacro de júri”, cujo intuito essencial é pavimentar o caminho para o desmantelamento do projeto de país estruturado nos últimos doze anos.
A destituição da presidenta Dilma Rousseff resulta em consequências perigosas, algumas imprevisíveis. Porém, muitas já se fazem presentes, como o enfraquecimento do Poder Executivo, justamente o lugar em que, via eleições diretas, encontraram representatividade nos governos de Lula e Dilma os diversos grupos sociais tradicionalmente à margem do poder: pobres, trabalhadores, negros, LGBTs, índios e mulheres. Mais além, como lembra a presidenta, o impeachment abriria o terrível precedente de se condenar o Executivo sem provas substantivas. E a política atropelaria definitivamente a justiça, forçando a retomada de um projeto de país conservador, desigual e ilegítimo. O desrespeito ao voto de 54 milhões de eleitores significa a exclusão sumária de todos aqueles historicamente alijados do acesso à justiça social. “Hoje eu só temo a morte da democracia, pela qual muitos de nós, aqui neste plenário, lutamos com o melhor dos nossos esforços”.

Publicado originalmente no site Outras Palavras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário