Procuradores da
Lava Jato querem igualar provas a convicção e ilação
Janio de Freitas
A exposição acusatória feita por
procuradores da Lava-Jato contra Lula foi um passo
importante, como indicador do sentido que determinados objetivos e condutas
estão injetando no regime de Constituição democrática.
O propósito da exposição foi convencer
da igualdade de ilação, convicção e prova, para servir à denúncia judicial e à
condenação pretendidas sem, no entanto, ter os necessários elementos
comprobatórios.
Orientador do grupo de procuradores,
Deltan Dallagnol expôs o argumento básico da imaginada igualdade: “Provas são
pedaços da realidade que geram convicção sobre um quadro”.
O raciocínio falseia. Provas dispensam a
convicção, a ela sobrepondo-se. Daí que o direito criminal atribua à prova o
valor decisivo. A convicção é pessoal e subjetiva. A prova é objetiva. A
convicção deixou no próprio Supremo Tribunal Federal uma evidência da sua
natureza frágil e da relação precária que tem com a Justiça.
Recém-chegado ao Supremo, Luís Roberto
Barroso encontrou ainda o julgamento do mensalão. Em uma de suas primeiras
intervenções, acompanhou uma decisão já definida mas, disse, não se sentia à
vontade para dar seu voto à outra: proposta pelo relator Joaquim Barbosa e já
aprovada, era a condenação dos réus petistas e vários outros, além do mais,
também por formação de quadrilha. Causou espanto. Dois ou três ministros teriam
apoiado a condenação por impulso ideológico ou político. Os demais, considerado
o seu hábito, votaram por convicção.
Barroso foi breve e simples na recusa de
fundamento à condenação. O espanto passou a insegurança. Mas foi só alguém
rever o voto que dias antes dera à condenação, logo seguiram-se os capazes de
retirar da sentença final a formação de quadrilha. Da qual não havia prova e
tinham sobrado convicções.
Em artigo na Folha (sexta, 16), Oscar
Vilhena Vieira notou a perplexidade decorrente de que as “grandes adjetivações”
aplicadas a Lula pelos procurados, “como ‘comandante máximo’ [da ‘organização
criminosa’], não encontrem respaldo nas acusações formais presentes na
denúncia”.
O mesmo se pode dizer de afirmações como
esta, de Dallagnol, de que Lula “nomeou diretores PARA que arrecadassem
propina” [maiúsculas minhas]. E muitas outras do mesmo gênero.
De todas os integrantes da Lava podem
ter convicção: é assunto de cada um. Mas que de nenhuma apresentem prova, por
limitada que seja, e ainda assim busquem apoio emocional para sua “denúncia”
vazia, fica claro que trilham caminho à margem da Constituição. E não estão
sozinhos, como demonstra a tolerância conivente com sua escalada de abusos de
poder, sobre fundo político.
O século passado viu muitas vezes a que
levam essas investidas. Não poucos países viveram situações que ainda os levam
à pergunta angustiante: “como foi possível?”. Aqui mesmo temos essa
experiência: como foi possível ao Brasil passar 21 anos sob ditadura militar?
Em nenhum desses países houve causa única. Mas em todos uma das causas foi a
mesma: os que deviam e podiam falar, enquanto era tempo, calaram-se por
covardia ou conveniência, quando não aderiram à barbárie pelos dois motivos.
É de um ministro do próprio Supremo,
Dias Toffoli, que vem rara advertência para “o risco de que o Judiciário cometa
o erro dos militares em 64″, se “criminalizar a política e exagerar no ativismo
judicial”. Dias Toffoli fala em “totalitarismo do Judiciário”.
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