28/10/2016 15:51 - Copyleft
Leneide Duarte-Plon, de ParisO livro que derrubou François Hollande
A reação dos políticos de seu partido, de analistas políticos e de intelectuais é que ele passou dos limites de um livro de entrevistas.
O impensável aconteceu.
Quando sua popularidade chegou a 13% de opiniões favoráveis, François Hollande e outros socialistas pensaram que era o fundo do poço. Ledo engano.
A última pesquisa de opinião mostrou que somente 4% dos franceses aprovam o governo Hollande.
O presidente alcançou o fundo ou vai descer abaixo de zero ? O que fez François Hollande chegar ao ponto de não ser mais nem cogitado pela maior parte dos caciques do seu partido como « o » candidato socialista à sua própria sucessão ?
Um livro. Mas não qualquer um.
Um presidente não deveria dizer isso
« Un président ne devrait pas dire cela… », de 662 páginas, escrito pelos jornalistas Gérard Davet e Fabrice Lhomme, do « Le Monde », foi o detonador de Hollande.
Davet e Lhomme tiveram mais de 60 encontros com o presidente desde o início de seu mandato em maio de 2012, gravador em punho, e o ouviram sobre todos os temas e todas as situações que viveu no governo.
Mas, como diz o próprio título, Hollande falou mais do que devia.
A reação dos políticos de seu partido, de analistas políticos e de intelectuais é que ele passou dos limites de um livro de entrevistas.
« Se ele precisava se confiar a alguém, que fosse procurar um psicanalista », desabafou o ex-diretor do « Le Monde » Edwy Plenel, fundador do site de notícias « Mediapart », o mais respeitado jornal online francês. Mediapart, que não tem publicidade e vive da contribuição de seus mais de 100 mil assinantes, se orgulha do seu slogan : « Só quem pode nos comprar é o nosso leitor ».
E Plenel não pode ser acusado de anti-Hollandismo. Foi trotskista, é um intelectual de esquerda autor de diversos livros e chegou a escrever um livro de entrevistas com Hollande, « Devoir de vérité », em 2006. Na época, o presidente era secretário-geral do Partido Socialista e deputado.
Até um tema considerado « secret défense » (segredo de Estado) foi posto na mesa por Davet e Lhome e o presidente não se fez de rogado. Revelou que autorizou assassinatos seletivos no exterior de chefes de grupos considerados pela França como « terroristas ».
No país dos direitos humanos, o presidente que se outorga o direito de vida ou morte sobre indivíduos coloca-se acima de tribunais, comparável a um autocrata das ditaduras mais atrasadas do planeta. Foi uma das informações que mais chocaram. Na França, a abolição da pena de morte em 1981 foi uma promessa de campanha cumprida logo depois da eleição de outro François : o também socialista Mitterrand.
Além disso, Hollande fez declarações sobre os juízes consideradas inadmissíveis no país de Monstesquieu, o pai da separação dos três poderes da « République ». Essas declarações do presidente causaram reações de estupefação em alguns representantes do poder Judiciário.
Chefe de guerra
Para muitos de seus eleitores, o presidente socialista cometeu um estelionato eleitoral ao ser eleito por um programa que prometia « guerra à finança » e na prática fazer concessões extravagantes aos empresários. Sua « guerra à finança » ficou para outro mandato, se ele existir. O que é altamente improvável.
Se não fez a guerra à finança no plano interno, o presidente Hollande envolveu seu país em diversas guerras no plano mundial. A pretexto de combater o terrorismo, a França enviou tropas à África Central (Centrafrique), ao Iraque, à Síria e ao sul do Sahel (que cobre o Mali, Niger, Burkina Faso, Tchad e Mauritânia). Sem contar o envolvimento discreto, com agentes dos serviços de informação, na Líbia, onde o exército francês no governo Sarkozy - aliado à Inglaterra de Cameron - derrubou Muamar Kadhafi.
O jornalista Christophe Ayad escreveu no « Le Monde » desta sexta-feira, 28 de outubro : « O problema das guerras é que elas são sempre mais fáceis de começar que de terminar. E que, frequentemente, é preciso fazer uma outra para reparar os erros da que precedeu, criando erros novos e assim por diante. Ora, a França nunca fez tantas guerras quanto no momento atual ».
Primária à esquerda ?
Vai haver ainda uma primária das « esquerdas », como defendiam no início deste ano o economista Thomas Piketty e o ex-deputado europeu Daniel Cohn-Bendit ?
O panorama à esquerda está tão confuso a seis meses da eleição de abril de 2017 que muitos já declararam suas candidaturas antes mesmo de ser definida essa primária que idealmente escolheria um entre candidatos de diversas tendências para representar toda a esquerda. Três ex-ministros de Hollande - Arnaud Montebourg, Benoît Hamon e Emmanuel Macron – já estão claramente em campanha, ainda que sem a máquina partidária do PS.
Quanto a Hollande, ele já disse que só vai anunciar se é candidato ou não em dezembro.
Em novembro, o partido LR (Les Républicains) escolhe seu candidato a presidente.
Até dezembro, a agitação à esquerda é grande pois é preciso que os socialistas se dirijam às urnas com uma chance de ganhar.
E essa parece cada dia mais longe, com prognósticos apontando um segundo turno entre a direita (Nicolas Sarkozy ou Alain Juppé) e a extrema-direita (Marine Le Pen).
Quando sua popularidade chegou a 13% de opiniões favoráveis, François Hollande e outros socialistas pensaram que era o fundo do poço. Ledo engano.
A última pesquisa de opinião mostrou que somente 4% dos franceses aprovam o governo Hollande.
O presidente alcançou o fundo ou vai descer abaixo de zero ? O que fez François Hollande chegar ao ponto de não ser mais nem cogitado pela maior parte dos caciques do seu partido como « o » candidato socialista à sua própria sucessão ?
Um livro. Mas não qualquer um.
Um presidente não deveria dizer isso
« Un président ne devrait pas dire cela… », de 662 páginas, escrito pelos jornalistas Gérard Davet e Fabrice Lhomme, do « Le Monde », foi o detonador de Hollande.
Davet e Lhomme tiveram mais de 60 encontros com o presidente desde o início de seu mandato em maio de 2012, gravador em punho, e o ouviram sobre todos os temas e todas as situações que viveu no governo.
Mas, como diz o próprio título, Hollande falou mais do que devia.
A reação dos políticos de seu partido, de analistas políticos e de intelectuais é que ele passou dos limites de um livro de entrevistas.
« Se ele precisava se confiar a alguém, que fosse procurar um psicanalista », desabafou o ex-diretor do « Le Monde » Edwy Plenel, fundador do site de notícias « Mediapart », o mais respeitado jornal online francês. Mediapart, que não tem publicidade e vive da contribuição de seus mais de 100 mil assinantes, se orgulha do seu slogan : « Só quem pode nos comprar é o nosso leitor ».
E Plenel não pode ser acusado de anti-Hollandismo. Foi trotskista, é um intelectual de esquerda autor de diversos livros e chegou a escrever um livro de entrevistas com Hollande, « Devoir de vérité », em 2006. Na época, o presidente era secretário-geral do Partido Socialista e deputado.
Até um tema considerado « secret défense » (segredo de Estado) foi posto na mesa por Davet e Lhome e o presidente não se fez de rogado. Revelou que autorizou assassinatos seletivos no exterior de chefes de grupos considerados pela França como « terroristas ».
No país dos direitos humanos, o presidente que se outorga o direito de vida ou morte sobre indivíduos coloca-se acima de tribunais, comparável a um autocrata das ditaduras mais atrasadas do planeta. Foi uma das informações que mais chocaram. Na França, a abolição da pena de morte em 1981 foi uma promessa de campanha cumprida logo depois da eleição de outro François : o também socialista Mitterrand.
Além disso, Hollande fez declarações sobre os juízes consideradas inadmissíveis no país de Monstesquieu, o pai da separação dos três poderes da « République ». Essas declarações do presidente causaram reações de estupefação em alguns representantes do poder Judiciário.
Chefe de guerra
Para muitos de seus eleitores, o presidente socialista cometeu um estelionato eleitoral ao ser eleito por um programa que prometia « guerra à finança » e na prática fazer concessões extravagantes aos empresários. Sua « guerra à finança » ficou para outro mandato, se ele existir. O que é altamente improvável.
Se não fez a guerra à finança no plano interno, o presidente Hollande envolveu seu país em diversas guerras no plano mundial. A pretexto de combater o terrorismo, a França enviou tropas à África Central (Centrafrique), ao Iraque, à Síria e ao sul do Sahel (que cobre o Mali, Niger, Burkina Faso, Tchad e Mauritânia). Sem contar o envolvimento discreto, com agentes dos serviços de informação, na Líbia, onde o exército francês no governo Sarkozy - aliado à Inglaterra de Cameron - derrubou Muamar Kadhafi.
O jornalista Christophe Ayad escreveu no « Le Monde » desta sexta-feira, 28 de outubro : « O problema das guerras é que elas são sempre mais fáceis de começar que de terminar. E que, frequentemente, é preciso fazer uma outra para reparar os erros da que precedeu, criando erros novos e assim por diante. Ora, a França nunca fez tantas guerras quanto no momento atual ».
Primária à esquerda ?
Vai haver ainda uma primária das « esquerdas », como defendiam no início deste ano o economista Thomas Piketty e o ex-deputado europeu Daniel Cohn-Bendit ?
O panorama à esquerda está tão confuso a seis meses da eleição de abril de 2017 que muitos já declararam suas candidaturas antes mesmo de ser definida essa primária que idealmente escolheria um entre candidatos de diversas tendências para representar toda a esquerda. Três ex-ministros de Hollande - Arnaud Montebourg, Benoît Hamon e Emmanuel Macron – já estão claramente em campanha, ainda que sem a máquina partidária do PS.
Quanto a Hollande, ele já disse que só vai anunciar se é candidato ou não em dezembro.
Em novembro, o partido LR (Les Républicains) escolhe seu candidato a presidente.
Até dezembro, a agitação à esquerda é grande pois é preciso que os socialistas se dirijam às urnas com uma chance de ganhar.
E essa parece cada dia mais longe, com prognósticos apontando um segundo turno entre a direita (Nicolas Sarkozy ou Alain Juppé) e a extrema-direita (Marine Le Pen).
Créditos da foto: Présidence de la République
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